Você está aqui

Democracia tecnológica ou tecnologia democrática?

Autor original: Graciela Baroni Selaimen

Seção original:

Por Cristina Charão, para a Rets

A Internet unindo o mundo na velocidade da luz. A digitalização criando ferramentas que produzem, de forma cada vez mais rápida, conteúdo em vários formatos. A convergência colocando em cada aparelho eletrônico a possibilidade de receber e distribuir estes conteúdos. Estas propriedades das novas tecnologias desenham um cenário de uso das mídias potencialmente mais democrático.

A questão que divide pesquisadores, intelectuais e ativistas é: por si só, tais qualidades transformarão este potencial em realidade? Em recente debate realizado pela Fundação Perseu Abramo em São Paulo, a resposta oscilou entre o otimismo a respeito dos feitos até agora alcançados pela disseminação das novas mídias e a perspectiva de que é preciso políticas públicas mais radicais para garantir que seu uso seja, de fato, democrático.

O jornalista Marcelo Tas, que na década de 80 foi um dos pioneiros da produção audiovisual independente, foi enfático: “Não é a ferramenta que é democrática, mas sim o uso que fazemos dela.”

Para Tas, a Internet e as novas tecnologias a ela associadas mudam a relação entre usuários e conteúdo. “Somos nós que vamos atrás, e não a televisão que nos joga sua programação. Essa é uma revolução maravilhosa”, disse. Porém, lembrando a distribuição do uso da rede mundial de computadores, o jornalista afirmou que esta nova forma de lidar com a informação e a cultura só se efetiva como democrática no momento em que o acesso às ferramentas for ampliado.

Mais otimista, o coordenador de Cultura Digital do Ministério da Cultura, Cláudio Prado, vê nesta observação de Tas uma marca do poder das novas tecnologias da informação. “A inclusão digital é uma demanda universal depois de apenas 15 anos de inventada a Internet. Isso é fantástico”, resumiu Prado.

O representante do MinC empolga-se, especialmente, com o fato de o acesso à rede estar aumentando nas camadas mais pobres da população. “É um fenômeno esta coisa de lanhouse em favela. Só na Rocinha (maior favela do Rio de Janeiro) são mais de 80”, comentou.

Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 21,9% da população brasileira com mais de 10 anos acessou alguma vez na vida a Internet. Este índice coloca o Brasil na 62ª posição em um ranking mundial de acesso à rede. O acesso domiciliar à Internet, ou seja, o acesso mais perene está ao alcance de apenas 11% da população, de acordo com número divulgados pelo Ibope. Ainda segundo o instituto de pesquisa, esta taxa cresceu cerca de 47% entre setembro 2006 e setembro de 2007.

Reação e Controle

Estes números, na opinião do pesquisador João Brant, evidenciam o quanto a democratização das mídias via uso das novas tecnologias ainda depende de ações de Estado, por exemplo, na área da inclusão digital. Membro do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social e co-autor do livro “Comunicação digital e a criação dos commons”, Brant salienta que há ainda outras frentes de batalha. Segundo ele, estas brigas estão postas pela “reação conservadora”, natural em processos francamente democratizantes como a disseminação do uso das mídias digitais.

Expressões desta reação são as seguidas tentativas de colocar em pauta o controle das redes que, juntas, formam a grande rede mundial de computadores. “Hoje, o e-mail que eu envio para um amigo viaja pela rede na mesma velocidade que o vídeo da empresa X. Só que a empresa X está se dando conta e pode dizer: ‘Esta rede é minha e eu posso dizer o quê vai passar por ela e em que velocidade vai passar’”, explicou Brant.

A definição da neutralidade das redes como um princípio de funcionamento da Internet vem sendo pautada seguidamente dentro dos órgãos de regulação nacionais e também nos fóruns internacionais que discutem políticas de uso da rede mundial. A constituição de redes neutras, ou seja, livres de barreiras técnicas que selecionem o que pode e o que não pode circular pela Internet, exige manter a infra-estrutura das redes pulverizada e distante do domínio de grandes corporações.

Um outro tipo de reação conservadora é identificada pelo músico BNegão ao falar da forma como indústria fonográfica e grandes conglomerados da mídia tradicional reagem à multiplicação de experiências de distribuição da produção musical usando as novas tecnologias. “A gente vive essa doideira: ao mesmo tempo que você tem esta opção da internet, você tem os meios tradicionais cada vez mais fechados. Só alguns circulam nos meios tradicionais”, comentou o músico. “Antes, você fazia um show e todo mundo cobria. Hoje, pra sair um bloquinho (de texto) no jornal é uma loucura. No rádio, o jabá é absurdo.”

Outro modelo

O rapper carioca, ex-integrante do grupo Planet Hemp e ativo porta-voz do circuito musical alternativo do Rio, fala com a experiência de quem resolveu investir em novas formas de distribuição da produção artística. Todas as músicas do primeiro CD de sua banda, BNegão e os Seletores de Canais, estão disponíveis na íntegra no site do grupo para download. A venda do CD no seu formato tradicional, gravado de forma independente, é feita através de uma distribuidora também alternativa.

O “modelo de negócios” instaurado por BNegão mostra-se plenamente satisfatório. A venda de CDs e os convites para shows crescem junto com o acesso ao site da banda. Sua lógica, porém, contraria frontalmente aquela que rege o funcionamento da indústria fonográfica até hoje.

Segundo João Brant, o modelo era o da porta fechada. “A gravadora tinha a chave da porta, que era a gravação em si. Só que ela passava uma idéia de que seu papel era maior do que este. Dizia que era ela que sustentava a música brasileira. Quando cada um ganhou a chance de abrir a porta, viu-se que não é bem assim”, disse. Segundo Cláudio Prado, do MinC, o que se instaura no mercado cultural é um “novo mecenato”, com o usuário podendo deliberar se apóia ou não apóia tal ou tal artista.

A reação, como aponta BNegão, é ainda mais forte do que o boicote na mídia tradicional. Parte-se para a repressão direta. Ela lembra os episódios de prisão de jovens que baixam música pela Internet e a ameaça de processos deste tipo serem iniciados no Brasil. Mas o rapper ironiza os defensores deste modelo: “O que eu fico impressionado é com o pessoal do outro lado (das gravadoras) dizendo pra mim ‘Ah, você vai acabar comigo...’ E o cara ganha milhões! Quem está passando por crise é a indústria da música. A música vai muito bem, obrigada.”

* Marcelo Tas, Cláudio Prado, João Brant e BNegão participaram do debate “Comunicação digital: a tecnologia vai democratizar as mídias?”, parte da programação do “Ciclo de Debates Cultura e Democracia: acesso, tecnologia, tradição” promovido pela Fundação Perseu Abramo e SESC-SP entre os dias 30/10 e 1/11, em São Paulo.

Theme by Danetsoft and Danang Probo Sayekti inspired by Maksimer