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Intolerância religiosa, especulação imobiliária e um protesto no caminho

Autor original: Viviane Gomes

Seção original: Artigos de opinião

Por: Daniela Novais e Marcio Alexandre M. Gualberto*

No último dia 27 de fevereiro, técnicos da Sucom – Superintendência de Controle e Ordenação do Solo do Município de Salvador – colocaram por terra uma parte do Terreiro Oyá Onipó Neto, que funciona há quase três décadas na Avenida Jorge Amado, no Imbuí. Além dos locais reservados às cerimônias típicas do candomblé, foram danificados assentamentos de Orixás, vestimentas e objetos de culto. Intolerância religiosa, racismo ambiental, racismo institucional e especulação imobiliária - estes são os motivos alegados pela sacerdotisa de candomblé, Rosalice do Amor Divino, a Mãe Rosa, 50 anos.

O fato causou revolta ao povo de santo e às pessoas preocupadas com atos motivados pela intolerância religiosa. Na sexta, filhos-de-santo, autoridades, simpatizantes da religião e pessoas indignadas com o desmando fizeram uma vigília em repúdio ao ocorrido. Para além da reposição do prejuízo material, a maior preocupação é quanto ao respeito, já que este mesmo terreiro passou por situação semelhante em 1997, no governo de Antônio Imbassahy (PSDB).

Pedindo respeito, Marcos Rezende, coordenador geral do Coletivo de Entidades Negras – CEN – e Ogan do Ilê Oxumaré, iniciou no dia 1º de março uma greve de fome, "pelo respeito às religiões de matriz africana, que são perseguidas por conta da intolerância religiosa. Antes de tudo queremos a reparação pelo dano causado, através de compromisso de que não mais serão destruídos templos religiosos na cidade de Salvador".

A greve de fome de Marcos Rezende não é um ato isolado. Conta com o apoio de todo o Coletivo de Entidades Negras, não só na Bahia, como também nos outros oito estados onde o CEN está constituído e, mais que isso, conta também com o apoio das organizações que na Bahia estão à frente do Congresso Nacional de Negras e Negros do Brasil [Conneb], tais como a União de Negros pela Igualdade [Unegro], o Movimento Negro Unificado [MNU], Círculo Palmarino, a Coordenação Nacional de Entidades Negras [Conen], a Pro-Homo, inúmeros terreiros de Candomblé, entre outras.

Este é o momento em que toda pressão é válida. Não é uma questão do CEN, não é uma questão de Marcos Rezende, não é uma questão do terreiro do Terreiro Oyá Onipó Neto e nem mesmo mais do candomblé. No momento em que o prefeito de Salvador diz que não vai se retratar ele está dizendo que não nos dá importância, que nossa pressão não vale de nada e que não temos força política.

Infelizmente, talvez, ele esteja certo. É enorme a quantidade de apoio que temos recebido nos últimos dias. No entanto, é também perceptível o quanto pessoas de valor, setores importantes, organizações fortes, poderiam se posicionar e não se posicionam.

Quando Rodney King tomou uns cascudos da polícia em Los Angeles, ninguém perguntou se ele estava certo ou não, se ele era um drogado ou não. O fato é que um homem negro havia sido brutalmente agredido por policiais brancos. Nós aqui que tanto gostamos de nos referenciar por Malcolm X, Luther King e outros, preferimos cruzar os braços pra "ver qual é". E nessa paralisia as coisas acontecem, ou não. Ou seja, o que nos diferencia dos americanos é antes de tudo uma questão de postura.

É sempre aquela lógica de que se eu estou na história ela anda, se eu não estou, não me interessa. Infelizmente, precisamos ir além disso. O novo plano de desenvolvimento urbano de Salvador veio para desalojar terreiros que estão em áreas da cidade que de uma hora para a outra se valorizaram. Este não será o único caso. Outros virão.

Este caso não está mais na esfera religiosa nem do Movimento Negro. As organizações de direitos humanos também estão convidadas a se somar a essa corrente. Um posicionamento da Secretaria Especial de Direitos Humanos, da Seppir e da Fundação Palmares é mais do que necessário, é vital.

Marcos não irá morrer de fome. Não é essa a questão. Ninguém será irresponsável de levar esse ato até as últimas conseqüências. No entanto, o prefeito desafia e debocha quando diz que não se retratará; quando diz que mais nenhum terreiro será derrubado, mas não dá garantia alguma. Portanto, é hora de agirmos, de pressionarmos, de tentarmos fazer a diferença. Ou então, de ficar na postura de Cassandra, criticando e apontando falhas nas estratégias de ação, de preferência, sem nem mesmo levantar da cadeira.

No site do CEN está a matéria do jornal com a posição do prefeito: www.cenbrasil.blogspot.com.

O email do Secretário de Governo da Prefeitura (que é quem faz chegar as coisas ao prefeito) Gilmar Santiago é: segov@pms.ba.gov.br

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