Autor original: Graciela Baroni Selaimen
Seção original: Artigos de opinião
Por João Brant e Rosário de Pompéia - Publicado originalmente na Revista SescTV
Pergunte a um morador de Rio Branco, no Acre, onde fica o Leblon. Ele dirá, sem titubear, que este é um bairro do Rio de Janeiro e ainda descreverá sua paisagem. Experimente fazer o inverso: pergunte a um carioca onde ficam o 1o e o 2o distritos. É quase certo que nada se ouvirá. Um dos principais motivos para exemplos como esse serem tão comuns está na maneira como se constrói a programação televisiva no país.
Criada com caráter local nos anos 50, a televisão se difundiu nos anos 60 e 70 estimulada pelos governos militares, que viam nela uma missão integradora. Emissoras das cinco regiões brasileiras tornaram-se afiliadas das cabeças-de-rede, aquelas instaladas em regiões de forte industrialização e urbanização. Até hoje, todas as redes nacionais têm sede no Rio ou em São Paulo. As emissoras regionais tornaram-se simples reprodutoras de conteúdo, com uma mínima grade de programação local.
Muitas vezes as emissoras locais se resumem a gerentes comerciais; retransmitem a produção nacional e ganham o slogan da empresa nacional, usando essa marca para vender seus anúncios locais. As afiliadas ficam sem o custo de produção e as cabeças-de-rede ganham em dobro. Amortizam parte do valor já investido e aumentam o público que recebe as mensagens de seus anunciantes.
A defesa da regionalização da programação da televisão não parte de uma leitura “folclórica” da realidade, mas do fato de que é por meio da expressão do cotidiano local que os cidadãos podem construir significados e se reconhecer nos meios de comunicação. Hoje, os pontos de vista que circulam e se consolidam na opinião pública são geralmente de especialistas do sudeste. O mesmo fenômeno se repete no campo dos valores e da cultura. As novelas, por exemplo, há 40 anos difundem diariamente os valores da classe média-alta paulistana e carioca para o restante do Brasil. As poucas exceções, em geral, tendem a reforçar estereótipos, como os tipos e sotaques nordestinos.
Nesse contexto, a presença da diversidade cultural na telas significa ao mesmo tempo garantir o conhecimento das diferentes realidades do Brasil e viabilizar que essas diferentes realidades tenham espaço similar na construção da opinião pública. A regionalização é ainda um estímulo ao mercado de produção local, criando trabalho para jornalistas, produtores e técnicos.
Dependendo do objetivo, pode haver diferentes interpretações do que significa regionalizar a programação. Pode ser a realização do programa naquela região, sobre aquela região, feito por produtores locais ou ainda qualquer combinação dessas três variantes. O importante é a referência da regionalização como um elemento fundamental para garantir o direito humano dos diversos cidadãos a ter voz.
A questão é que essa regionalização não se dá espontaneamente. Produzir localmente é mais custoso do que simplesmente reproduzir a programação. Além disso, a ausência de limites legais faz com que uma afiliada possa transmitir 100% da programação da cabeça-de-rede, sem nenhuma inserção de programação local.
Assim, fica evidente a necessidade de que se dê suporte legal à regionalização. Embora o artigo 221 da Constituição Federal estabeleça que as emissoras devam atender ao princípio da “regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuais estabelecidos em lei”, até hoje essa obrigação não foi regulamentada. Desde 1991, há um projeto de lei em debate no Congresso Nacional sobre o assunto, mas por conta da pressão dos donos das emissoras de TV, ele até hoje não foi aprovado.
Além das motivações econômicas, a resistência das emissoras está baseada numa combinação de preconceito e espírito civilizatório. Em 1996, Luiz Eduardo Borgerth, à época vice-presidente da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), declarou à revista da própria entidade que “[a regionalização da programação] é um absurdo, pois implica condenar a população das localidades distantes a ficar vendo eternamente seu bumba-meu-boi”.
Na última década, estudos mostram que algumas emissoras passaram a investir mais na produção local, por verificar que o público tem grande interesse em conteúdos que dialoguem com sua realidade. No entanto, essa mudança é pontual, e acontece apenas onde é economicamente vantajosa. Mesmo assim, com a diminuição do custo de produção, há um aumento da produção audiovisual local, que todavia não encontra janelas de exibição. Sem a regulamentação da Constituição, o Brasil segue refém dos interesses comerciais das emissoras e o cidadão segue sem saber onde ficam o 1o e o 2o distritos.
* João Brant é membro do Intervozes. Mestre em regulação e políticas de comunicação pela LSE (Londres).
* Rosário de Pompéia é membro do Intervozes e jornalista do Centro de Cultura Luiz Freire. Mestranda em Comunicação Social pela UFPE.
Fonte: Observatório do Direito à Comunicação - http://www.direitoacomunicacao.org.br
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