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Melhores práticas em microfinanças: o setor público deve interferir?

Autor original: Graciela Baroni Selaimen

Seção original:

Por Alessandra Von Borowski Dodl, para a Rets*

A indústria das microfinanças vem despertando interesse nos últimos anos, não exclusivamente pela vinculação que se faz entre a atividade e o combate à pobreza; mas também, pela gestão de qualidade e resultados apresentados. São vários aspectos a serem abordados no mercado internacional que demonstram o nível alcançado pelo setor, como forte penetração, Bolívia e Nicarágua, presença de Bureaus de Crédito adequados, República Dominicana e Equador, e o caso polêmico de abertura de capital do Compartamos no México.

Analisando a conduta que os agentes vêm assumindo, torna-se difícil concluir que o Estado possa manter-se isento neste mercado. A discussão não é simples, pois envolve “expectativas” de resultados que impliquem o combate a uma das mazelas mais amargas do Brasil, a “desigualdade de oportunidades”. É evidente que os problemas de concentração de renda e injustiça social representam desafios bem mais amplos que o acesso a serviços financeiros; no entanto, a possibilidade de pessoas, anteriormente marginalizadas, passarem a ter acesso a produtos financeiros customizados para suas necessidades, sem que sejam tratados como beneficiários de programas públicos, e sim, como bons clientes, parece indicar uma nova leitura do cenário social.

Construir um marco regulatório que represente a infra-estrutura apropriada para o desenvolvimento das microfinanças, sem limitar as boas práticas e capaz de proteger os pequenos clientes, exige constante avaliação e atualização. O governo brasileiro vem demonstrando comprometimento com o setor, através, entre outros, da permissão para cobrança de taxa de juros de mercado pelas OSCIPs (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público) e da expansão das possibilidades de utilização dos Correspondentes por outras instituições financeiras, que não as bancárias. Entretanto, a velocidade com que evolui o setor impõe uma dinâmica própria à estrutura de leis e supervisão.

No Brasil, em particular, por haver um grande mercado potencial não atendido, a expansão das entidades e a inovação tecnológica “tendem” a ser expressivas, tanto na busca por novas fronteiras, quanto no enfrentamento de mercados já competitivos. Alguns casos de iniciativas nacionais com boa gestão podem ser citados para exemplificar esta tendência, as OSCIPs Crédito Popular Solidário – São Paulo Confia (SP) e os CEAPEs (Centro de Apoio aos Pequenos Empreendimentos) – MA e PE; três instituições que, juntas, apresentam uma carteira de crédito de mais de R$ 30 milhões, atendem cerca de 28 mil clientes e mantêm inadimplência controlada (em alguns momentos, chegando a níveis abaixo de 2% - acima de 30 dias).

Atuação do Setor Público

Conhecendo outras experiências, o setor público pode tirar lições quanto ao seu posicionamento no contexto das microfinanças; concluindo que a sua “não intromissão” nos estágios iniciais de desenvolvimento do setor conduz ao alcance de bons resultados pelos agentes privados. Mais liberdade para desenvolver tecnologia adequada e tempo para conhecimento do mercado significam oportunidade de construção de um modelo próprio, customizado para cada região, ou mesmo, para cada comunidade. Entretanto, a dúvida permanece quanto ao que é “não intromissão do setor público”, a ausência de mudanças?

De fato, como aconteceu em diversos modelos de êxito, como o benchmark regulatório latino-americano - Bolívia[1], as ONGs de microcrédito conseguiram desenvolver tecnologias apropriadas para o atendimento de seus clientes, levando, em alguns casos, à transformação em entidades reguladas, como Banco Sol e FFP PRODEM. Inicialmente, houve apoio de instituições estrangeiras para o desenvolvimento institucional das microfinanças, inclusive, no que tange à capacidade de supervisão da autoridade reguladora. Com o avanço do setor, as soluções passaram a ser encontradas de forma endógena, caracterizando a maturidade das microfinanças bolivianas, alcançada pelo aprendizado via “conhecimento local” e expertise internacional.

As parcerias para melhoria tecnológica são positivas e devem ser permanentes, porém, para conhecer as necessidades e particularidades de cada mercado, o caminho mais rápido parece ser a “convivência” com os clientes no dia-a-dia. Para as entidades que atendem estes clientes, o processo de conhecimento pode ser realizado de duas formas, pelo estudo de mercado e pela relação desenvolvida através das práticas cotidianas. Não se trata de medidas substitutas, pelo contrário, são complementares em suas abordagens, podendo acelerar a construção de um perfil sócio-econômico para as comunidades, se bem elaboradas. O estudo de mercado permite uma visão mais ampla, do conjunto de clientes, enquanto o contato pessoal determina os detalhes.

Quanto ao poder público, estudos de mercado e expertise adquirida por meio de parcerias com especialistas podem colaborar, e muito, para a compreensão do entorno da atividade, casos de sucesso, crises enfrentadas em outros países, tecnologias que funcionam sob determinadas condições, etc; mas, não substituem a proximidade com os clientes e operadores (IMFs – Instituições de Microfinanças). Esta assimetria compromete o nível de entendimento do setor, dificultando, inclusive, a compreensão do papel do ente regulador em um contexto novo, caracterizado por ciclos de negócios mais dinâmicos (curtos), com riscos dispersos em um grande número de clientes, mas concentrados quanto ao perfil; com tecnologias desconhecidas pelos reguladores/supervisores.

As necessidades dos clientes à margem do sistema financeiro tradicional se assemelham, ainda que em sociedades submetidas a culturas e economias diferentes; existe demanda por crédito adequado, ágil e sem burocracia, e por produtos de poupança, além de outros que colaborem para uma maior estabilidade econômica, ou ainda, que abram portas para o alcance de melhores oportunidades. As diferenças entre as populações com menos recursos residem nas peculiaridades das relações entre pessoas, que definem quais os produtos e processos que melhor se encaixam ao perfil de cada comunidade. Existem regiões de um mesmo país que divergem, enquanto estados de países vizinhos apresentam maior identificação [2]. Não basta estar subordinado as mesmas leis para que se configure um mercado homogêneo.

Da mesma forma, existem entraves que traduzem problemas semelhantes em diferentes sociedades, ainda que regidas por leis e costumes diversos. Como exemplos de fragilidades no ambiente institucional, passíveis de ocorrência em outros mercados, podem ser citadas a crise na Bolívia no final dos anos 1990, com a evidenciação da necessidade de Bureaus de Crédito, em função do alto grau de endividamento dos clientes, e a situação de interesses conflitantes na Índia, aliada a restrições legais impeditivas, como situações de limites para taxa de juros[3]. Dois países com realidades econômicas e culturais diversas, mas que, igualmente, ao longo de sua história, têm-se deparado com desafios para o atendimento da alta demanda por serviços financeiros nas camadas mais pobres.

Para conhecer a complexidade do setor microfinanceiro, e as particularidades de cada contexto, é importante a avaliação das necessidades dos clientes e das dificuldades dos operadores no local de trabalho. A tecnologia aplicada às microfinanças, por diferir das práticas tradicionais do sistema financeiro, necessita de um processo de aprendizagem que envolva o ambiente institucional como um todo, desde o arcabouço normativo até as especificidades metodológicas, como aval solidário e levantamento sócio-econômico sem respaldo documental.

Com isso, faz-se novamente a pergunta, “o que significa a não intromissão do setor público?” Significa manter distância do mercado, evitando condutas equivocadas, ou conhecê-lo profundamente, a ponto de saber quando, como e onde interferir?

Conclusão

Para estar apto a colaborar com um arcabouço institucional adequado a cada momento, é fundamental que o setor público conheça os agentes e as relações que suporta, ainda que não de forma direta, por meio de normas, mas como agente capaz de compreender os resultados de suas ações ou omissões.

Como diz Sanjay Sinha, em seu artigo sobre as microfinanças na Índia (Microfinance Regulation for Financial Inclusion: the “street child” needs nurturing...- 2007): “A maioria dos observadores qualificados concorda que algum suporte por meio de ações planificadas será requerido para facilitar e expandir o alcance, em uma proporção significativa, daqueles que são excluídos do sistema financeiro formal”.

[1] Nota máxima em todos os indicadores referentes à estrutura regulatória (único caso entre os 15 países analisados em “Microscope on the Microfinance Business Environment in Latin América 2007”, The Economist – BID/CAF).

[2] Como ocorre em alguns lugares de Bangladesh e Índia.

[3] Ver Sanjay Sinha - Microfinance Regulation for Financial Inclusion: the “street child” needs nurturing...- 2007.

*Alessandra Von Borowski Dodl é analista do Banco Central do Brasil, especialista e consultora na área de microfinanças.

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