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Um ano de licenciamento compulsório: onde está a produção local do medicamento efavirenz?

Autor original: Graciela Baroni Selaimen

Seção original: Artigos de opinião

Maio de 2008 já representa um mês simbólico para os movimentos de luta contra a Aids e de defesa do direito à saúde do Brasil em virtude de completar um ano do licenciamento compulsório do medicamento anti-retroviral (ARV) efavirenz, utilizado por portadores do vírus da AIDS. O licenciamento compulsório do medicamento foi assinado em 4 de maio de 2007.

Desde a entrada em vigor do acordo sobre propriedade intelectual (TRIPS) da Organização Mundial do Comércio (OMC) e a conseqüente modificação da Lei de Patentes brasileira - que passou a reconhecer patentes farmacêuticas - medicamentos novos para HIV/Aids e para muitas outras doenças passaram a ser comercializados em situações de monopólio e com altos preços. O tema da propriedade intelectual tem estado na agenda dos movimentos sociais de saúde, especialmente em função da ameaça que os preços das novas tecnologias representam para a sustentabilidade de políticas de acesso universal ao tratamento que tanto lutamos para que fossem implementadas em nosso país. Temos defendido desde então a utilização das flexibilidades do Acordo TRIPS para proteção da saúde pública, como é o caso da licença compulsória.

Nesse sentido, congratulamos o atual Ministro de Estado da Saúde José Gomes Temporão por ter utilizado este instrumento previsto nas legislações brasileira e internacional para garantir a continuidade da política de combate à epidemia de HIV/Aids no Brasil. Entendemos que essa ação é também uma conquista da mobilização social nacional e internacional ao longo dos últimos anos. O licenciamento compulsório já rendeu frutos ao Brasil permitindo uma grande economia, pois o Estado passou a pagar cerca de 25% do preço que pagava anteriormente pelo mesmo medicamento.

Diante das polêmicas e questionamentos ao longo dos últimos anos sobre a capacidade brasileira para produzir antiretrovirais, vários estudos foram realizados por organizações - como Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids, Médicos Sem Fronteiras, Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e Fundação Clinton - comprovando a capacidade de produção nacional de medicamentos ARV. No entanto, a aquisição de versões genéricas mais baratas do medicamento e provenientes de empresas indianas foi entendida como uma solução temporária até que se iniciasse a produção local por laboratório público nacional.

Conforme vem sendo anunciado em vários meios de comunicação, o laboratório farmacêutico federal Farmanguinhos está há anos prometendo o lançamento de medicamentos ARV, tais como a combinação tripla em doses fixas (AZT+3TC+NVP) e a formulação entérica de didanosina. O próprio efavirenz estaria sendo produzido, após um ano do licenciamento compulsório em parceria com o LAFEPE, laboratório público pernambucano que firmou um convênio com Farmanguinhos, segundo cronograma divulgado pelos próprios laboratórios. No entanto, nenhum destes medicamentos prometidos realmente foi disponibilizado no âmbito do Sistema Único de Saúde até o momento. Não queremos aguardar tanto tempo até que elas se tornem obsoletas ou inadequadas para então serem disponibilizadas. Diante das evidências e das divulgações, após um ano de licenciamento compulsório do efavirenz, resta à sociedade civil brasileira a seguinte pergunta ao governo: onde está o efavirenz nacional?

Estes fatos nos levam a questionamentos outros a respeito da falta de transparência sobre o preço desses supostos medicamentos produzidos localmente, assim como sobre o atual status dessas produções. Como o Brasil está se preparando para produzir os medicamentos cujas patentes brevemente expirarão e têm amplo uso no país?

No atual cenário pós-2005 não teremos mais alternativas de fornecedores de versões genéricas no âmbito internacional. Nossa defesa continua sim a favor da produção local como componente estratégico de uma política de sustentabilidade do acesso aos antiretrovirais e outro medicamentos essenciais. Queremos uma produção local pautada na transparência dos processos e políticas e com vistas a racionalizar a utilização dos recursos públicos, especialmente neste momento em que o governo está lançando a nova política que estabelece o complexo industrial de saúde.

Mais informações:

Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS (ABIA). www.abiaids.org.br

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