Por Marcello Azevedo*A Confederação Nacional da Indústria (CNI) apresentou recentemente ao governo um conjunto de 101 propostas para modernização trabalhista. O conjunto de propostas da CNI é um corolário de argumentos flexibilizadores e ditos modernizantes. No documento, os empresários reclamam da rigidez legalista, da falta de conexão com a realidade, do custo da mão de obra formal e da insegurança jurídica para os “empreendedores”.No documento apresentado, o custo da mão de obra é desenhado como o grande responsável pelo entrave ao desenvolvimento econômico e à competitividade empresarial. A tutela do estado sobre a legislação e as relações de trabalho também fazem parte das contestações empresariais. No auge de seus devaneios “modernos”, a CNI chega a afirmar que um trabalhador custa ao empregador 283% do salário recebido. Interessante que, para o cálculo dos empresários, tudo além do salário mensal é considerado custo (férias, licenças, 13º salário, previdência, PIS e FGTS e outros salários indiretos). Tal história me lembra do Velho Karl Marx, quando afirma que “o capitalismo só garante o necessário à reprodução da força de trabalho”.São propostas que atingem todo o espectro das relações de trabalho, tais como jornada em todos os aspectos, contratação, PLR, Previdência, remuneração, acidentes de trabalho, descansos, direitos das mulheres (inclusive gestantes), cotas, condições de trabalho e FGTS. Ou seja, querem retirar ou flexibilizar tudo aquilo que foi conquistado com muita luta pela classe trabalhadora. A modernidade do Século XXI da CNI é embasada em relações de trabalho do século XIX. Lembro-me de novo dos ensinamentos marxistas -- “os capitalistas sempre precisam baixar o custo da parte variável dos custos de produção (no caso os nossos direitos)”. Há mais de 70 anos, quando foram criadas as atuais leis trabalhistas, e junto o salário-mínimo, o mesmo empresariado dizia que aquelas medidas quebrariam o país. O que se viu foi o contrário, pois ao gerar emprego e renda o país cresceu.Reclamam da justiça do trabalho, mas se não se especializassem em muitos casos na burla da lei para garantir seus lucros, não haveria tantos processos. Se houvesse trabalho decente, não haveria tanto conflito trabalhista, a maioria deles ligado às condições de trabalho e de remuneração. A “irracionalidade” da legislação apontada pela CNI é fruto da irracionalidade de grande parte do empresariado nacional nas questões trabalhistas.Falam em privilegiar as negociações coletivas em detrimento do legislado, em virtude das mudanças no mundo do trabalho e a especificidade atual das funções. Interessante notar que nem a negociação coletiva hoje é respeitada por grande parte dos empresários, então imaginem o que vai acontecer sem legislação -- vai ser uma retirada em série de direitos e conquistas. Ressaltando ainda que não é incomum o recurso dos patrões aos meios jurídicos e policiais contra os trabalhadores e sindicatos, será a livre negociação entre os totalmente desiguais.Falam da baixa produtividade da mão de obra brasileira em comparação a locais onde ela é quase escrava, como Coréia do Sul e em grandes espaços da China, ou seja, a maior produtividade está diretamente ligada a baixos salários e nenhum direito. Bom ressaltar que é de conhecimento público que a taxa de lucro das empresas nacionais é muito maior do que em empresas similares pelo mundo.O que fica evidente é a busca da retirada de direitos, que eles chamam de redução de custos, para aumentar o lucro. Queremos discutir outros custos, que não o da geração do lucro. Queremos discutir o custo da saúde dos trabalhadores, expostos a condições indignas de trabalho, o custo da insegurança dos trabalhadores perante as demissões, o custo da não aposentadoria, o custo da exploração da sobrejornada, o custo da superexploração dos salários, o custo da violência sexista e discriminatória, o custo que todos nós trabalhadores pagamos para ter um pouco mais do que o necessário para a nossa reprodução como força de trabalho.Se tiver alguém que paga caro para desenvolver o pais, é a classe trabalhadora, e não os detentores do capital (empresários) ou, como eles dizem, empreendedores. Queremos modernizar as relações trabalhistas para agregar direitos e manter conquistas, para assim termos trabalho decente em todos os lugares. Um trabalho garantido, respeitado, reconhecido, com direito à representação política em todos os lugares. A modernidade do documento da CNI é a modernidade da selvageria, da desregulamentação e da precarização. Precisamos estar atentos e mobilizados, pois teremos que nos preparar para mais esta guerra contra tais medidas, seja na rua, seja no Congresso. Exploração do homem pelo homem ou produção de mais-valia por muitos e acumulação por poucos, nada têm de moderno.* Marcelo Azevedo é Secretário de Relações do Trabalho da CUT-RJ.Este texto foi originalmente publicado no sítio da CUT-RJ.
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