Você está aqui

“Só a participação cidadã pode mudar o Brasil”

Autor original: Viviane Gomes

Seção original:

Em 2008, o Coep - Comitê de Entidades Públicas no Combate à Fome e Pela Vida - comemora 15 anos de trabalho. As comemorações incluem realização de eventos, lançamento de livro e de prêmio que homenageia o fundador da entidade, o sociólogo Herbert de Souza, o Betinho. Nesta entrevista à Rets André Spitz, presidente do Coep, lembra o clima de esperança, solidariedade e de união em torno da causa do combate à fome, que motivou a criação da entidade. Nestes 15 anos, o Comitê ampliou seu campo de ação, constituiu-se numa rede dinâmica e diversa, desenvolveu sistemas on-line de informação e comunicação, implementou telecentros comunitários, entre tantas outras ações.

Spitz avalia que, ao longo destes 15 anos, uma das principais conquistas do Brasil talvez tenha sido o fortalecimento do processo de mobilização cidadã, citando iniciativas inovadoras que tiveram origem no Brasil e se tornaram referências internacionais, tais como o Fórum Social Mundial. E ressalta: Betinho tinha e continua tendo razão: “só a participação cidadã pode mudar o Brasil”.

Rets - Quinze anos de estrada. Como aconteceu a formação do Coep e quais eram os principais objetivos?

André Spitz - O Coep surge dentro do mesmo eixo da Ação da Cidadania e do Movimento pela Ética na Política - em consonância com essas articulações - que, aos poucos, se uniram em torno de uma mobilização pelo combate à fome.

Algumas pessoas ligadas a entidades e movimentos, entre os quais o Ibase e o Fórum de Ciência e Cultura, propuseram uma articulação de empresas públicas que pensasse sobre a grave situação da fome no Brasil e sobre o papel público das organizações estatais em relação à fome, que, naquele momento, era tão explicitada pela sociedade civil.

Nesse ambiente - de muita esperança e solidariedade - foi criado o Comitê de Entidades Públicas no Combate à Fome e Pela Vida, o Coep.

Rets - Quais são as atividades prioritárias para o Coep, hoje?

André Spitz - O Coep trabalha com eixos muito claros, desde o início. O primeiro é o de mobilização para ação, que serve para desenvolver iniciativas e mobilizar organizações e pessoas sobre processos de articulação em torno de diversas causas sociais.

Outro eixo é o espaço de articulação, conceito muito atual, uma vez que reunimos em um espaço não físico [mas extremamente articulador] milhares de entidades e pessoas para trocar experiências, construir parcerias e debater temas como direitos humanos e cidadania.

O terceiro se propõe a fortalecer a participação dos empregados das organizações públicas, com corpo funcional, através de discussões sobre a questão da cidadania na construção da cultura de cada organização. Nesse eixo, a capacitação tem sido muito importante.

Há também um eixo de extrema importância que faz a ligação das pessoas com as comunidades de baixa renda.

São nessas frentes que trabalhamos e atuamos há quinze anos.

Rets - O Coep trabalha com educação e utiliza sistemas que integram comunicação, informação e educação a serviço do desenvolvimento comunitário, através da Internet. Como funcionam estes sistemas e qual é a importância da utilização das tecnologias de informação e comunicação para a instituição?

André Spitz - O Coep é uma rede [e hoje nós temos certeza de que somos uma rede] que reúne muitas pessoas, idéias e organizações. Imagine a riqueza e a diversidade dessas múltiplas culturas! Nosso desafio para envolver tanta gente diferente, portanto, é imenso.

Podemos dizer que uma das nossas conquistas é justamente a criação de canais de comunicação, fundamentais para a mobilização e articulação. Ao longo desses anos, desenvolvemos muitas tecnologias diferentes e nada disso seria possível sem o uso da Internet.

Em 1993, quando a gente queria fazer uma grande reunião, mandava fax para 30 organizações e grande parte dessa convocação se perdia. A partir de 2004, foram criados os COEPS estaduais e municipais. E o número de organizações só cresceu; hoje são mais de 1.100 ligadas ao Coep! Como convocar toda essa gente sem o recurso da Internet e de sistemas de comunicação adequados?

Então, a gente desenvolveu vários sistemas, alguns mais voltados para as pessoas que participam da rede, outros para comunidades. Um dos sistemas é o “Mobilizadores” que funciona como um “Orkut” social, com debates sobre temáticas sociais, no qual grupos discutem sobre diversas áreas: uns discutem gênero, outros, economia solidária etc. E esse espaço, esse ponto de encontro, reúne diversas pessoas que querem participar. Hoje são mais de seis mil mobilizadores em todos os cantos do país.

Outro bom exemplo de sistema é o “Banco de Práticas”. É um dos primeiro bancos que criamos e um dos que mais permite pesquisas cruzadas. É um sistema de processos de mobilização que já reúne mais duas mil práticas de geração de renda, de exemplos de atuação junto a jovens, de luta pelos direitos das mulheres e muito mais. As pessoas podem colocar o que o projeto faz, mas também o que o projeto precisa receber. Qualquer pessoa pode incluir seus projetos no banco, que acaba funcionando como um meio de troca.

Rets - Por que o COEP decidiu criar telecentros? Quantos são e como funcionam?

André Spitz - A partir de 2000, a gente começou a desenvolver um projeto em Joarez Távora, região do semi-árido da Paraíba, já com a idéia de construção de parcerias. Na época, o foco era a reintrodução da cultura do algodão com base na agricultura familiar. Hoje, há outras várias vertentes. Mas uma das vertentes fundamentais para o sucesso do projeto foi a criação dos telecentros, que são o elo de ligação entre as comunidades locais. A preocupação era com a comunicação que, naquela época, tinha que ser feita de forma presencial. Os telecentros nasceram daí, ou seja, da necessidade de estabelecermos outras formas de comunicação.

A idéia inicial era com telefones comunitários. E, depois, partimos para o eixo dos telecentros. Muitas dessas comunidades tiveram acesso aos computadores dos telecentros antes mesmo de ter acesso ao telefone comunitário ou particular.

Hoje o Projeto Comunidade Semi-árido abrange 50 comunidades, em sete estados e envolve seis universidades. Também graças aos telecentros cresceu de escopo, de número de parcerias e de área geográfica e criou outra dinâmica nessas comunidades.

Rets - No dia 9 de agosto, o Coep vai começar uma série de mobilizações. Você pode falar sobre os objetivos dessas ações, quais serão e onde acontecerão?

André Spitz - O COEP foi fundado pelo Betinho e essa data, 9 de agosto, é aniversário de morte dele. A idéia da Semana Nacional de Mobilização Pela Vida é mesmo de chamar a atenção para a questão da fome.

A cada ano, realizamos eventos diversos em mais de 30 municípios e em todas as regiões do país. São feitas diversas ações, trabalhos em e com escolas, mobilizações públicas, enfim...

Mas, uma das ações marcantes foi a proposta do Projeto de Lei do Compromisso Social, que sugeria a criação do dia 9 de agosto como um marco. Pelo projeto, todos os anos até essa data, governos e empresas estatais deveriam prestar contas do que fazem na área social; não só com a publicação de um balanço social voluntário, mas sim obrigatório.

Em 2008, lançaremos, no dia 9, a agenda de comemorações preparadas pelo Coep para lembrar os 15 anos de mobilização social e homenagear o Betinho. Entre as ações estão “O Prêmio Betinho – Atitude Cidadã”, que quer valorizar as pessoas que praticam no dia-a-dia a luta contra a fome e a promoção da cidadania, e o lançamento do livro “Das Ruas às Redes”, previsto para novembro.

Rets - Essa publicação, que terá também um DVD, vai contar histórias da entidade. Qual é o significado dessas mídias para o Coep? Há alguma história de destaque da publicação que você possa nos contar?

André Spitz - O livro “Das Ruas às Redes”, que também traz um DVD, reúne mais de 50 depoimentos de pessoas que viveram ativamente os marcos da mobilização social no Brasil, nos últimos 15 anos. Essas pessoas também sugerem o que ainda é preciso fazer pela luta social, apontando um caminho futuro. O livro traz, ainda, um mapeamento com mais de 70 redes sociais citadas, das quais 39 estão descritas por atividade.

A publicação tem muitas histórias emocionantes e depoimentos sobre uma trajetória que ainda hoje nos inspira.

Rets - Após 15 anos de trabalho à frente do COEP, quais foram as mudanças mais significativas que você percebeu no Brasil? Vivemos num país melhor? Onde avançamos e quais são os novos - ou velhos - desafios a serem superados?

André Spitz - As conquistas foram muitas. É isso que a gente vai mostrar nesse livro. Foram grandes os avanços na questão do combate à fome e na segurança alimentar e nutricional. Já é um avanço a inclusão destes temas nas agendas políticas e na criação de políticas públicas.

Mas, talvez, a maior conquista seja o próprio processo de mobilização, que se mantém vivo e fortalecido. Prova disso é grande número de iniciativas inovadoras que tiveram origem no Brasil e se tornaram referências internacionais, tais como o Fórum Social Mundial, que nasceu aqui; o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional; a Lei Orgânica de Segurança Alimentar; e tantas outras que mostram que o Betinho tinha e continua tendo razão: só a participação cidadã pode mudar o Brasil.

Viviane Gomes, com colaboração de Graciela Selaimen e Lilia Giannotti.

Theme by Danetsoft and Danang Probo Sayekti inspired by Maksimer