Autor original: Graciela Baroni Selaimen
Seção original: Artigos de opinião
Por Izabela Moi, de Paris
Não há nada de ruim em ser parcial. Desde que tal parcialidade esteja clara desde o início. Esta é a perspectiva da socióloga francesa Jules Falquet, autora do recém-lançado De gré ou de force : Les femmes dans la mondialisation [Por vontade ou por força : as mulheres na globalização - ed. La Dispute, maio 2008].
No livro, Falquet, feminista da corrente materialista e radical, assume desde o início a posição reinvidicada pela teoria standpoint, que acredita que a auto-identificação do pesquisador-autor de um trabalho interfere na elaboração e leitura final do estudo. A professora de sociologia política aponta desde o início que sua experiência de militante e a vivência na América Latina e no Caribe fazem parte dos seus argumentos tanto quanto a pesquisa acadêmica.
De gré ou de force : Les femmes dans la mondialisation é, antes de tudo, um livro fruto da reflexão do movimento feminista. Falquet tenta mostrar a nova face da divisão sexual do trabalho no mundo, inserida no sistema econômico implantado com a globalização. Seus argumentos buscam comprovar que a luta das mulheres não alcançou a modernidade, mas sua dominação sim.
Jules Falquet não deixará um só argumento sem a rigidez do embasamento teórico de outros cientistas sociais - e não faltarão para isso citações. Aliás, apesar da socióloga dizer querer chegar aos leitores "leigos", ela conhece o peso do método acadêmico. "Reli várias vezes meu trabalho, cortei as frases em duas, tentei reduzir ao máximo as notas de rodapé para tornar esse livro o mais legível possível. Mas temo não ter conseguido", confessa Falquet na introdução.
Com o viés anti-globalização, ou “alter-mondialista”, como diriam os franceses, Jules Falquet amarra sua análise com dados consistentes, mostra uma erudição (talvez com citações em excesso) profícua e, ao terminar o livro, nem o mais arraigado crente do desenvolvimento econômico mundial deixará de pensar sobre a posição inferior que ocupa a maioria das mulheres nesse turbilhão planetário. São elas a parcela da população escolhida para ser o bode expiatório das desigualdades?
O objetivo da autora é tentar fazer os leitores enxergarem o processo de globalização pela lente das mulheres, principalmente das que vivem no "Sul" - o imaginário geográfico onde se concentram as populações das classes mais pobres. A professora de sociologia da Universidade Paris 7 (Denis-Diderot) quer mostrar que o processo de globalização reforça os sistemas de exploração baseados nas diferenças de classe, raça e gênero. Até aí, nada diferente do que os mais populares anti-mundialistas já disseram tantas outras vezes.
Mas sua visão traz novas nuances.
De gré ou de force é dividido em cinco capítulos. O primeiro é um resumão didático (e talvez simplista, como a autora mesmo admite algumas vezes) da formação dessa nova ordem econômica mundial - sob o ponto de vista crítico, é claro. Nos capítulos seguintes, do 2 ao 4, Falquet aponta vias alternativas de reflexão social, principalmente sobre o ponto de vista das mulheres.
Primeiro, Falquet chama a atenção para a formação, em escala mundial (sempre, afinal, estamos falando de globalização), de dois exércitos simultâneos e complementares, convocados nas classes baixas do mundo: o de "homens armados" (seja no exército, nas milícias, no tráfico, no crime ou em sistemas privados) e o de "mulheres de servir" (seja no serviço doméstico, incluindo-se aí as ondas de imigração ilegal no mundo e os movimentos rural-urbano, ou sexual - e aí está também o turismo sexual). Em números, a socióloga mostra como esses dois cenários crescem em importância e intensificam as divisões de classe, raça e sexo que se acentuam e se cristalizam ao redor do mundo.
De forma espiral, nos dois capítulos seguintes, a pesquisadora chega à conclusão - entrelaçando de maneira complexa os argumentos - que as grandes organizações internacionais, orquestradas em uníssono com a ONU, acabam contribuindo para a manutenção de tal ordem mundial. Um certo discurso sobre a igualdade faz com que as mulheres acabem por também colaborar com esse movimento geral e, por consequência, com sua própria dominação. Falquet critica ferozmente o que ela chama de "instrumentalização das mulheres" feita por meio dos discursos e políticas de "empoderamento" - que ela vê simplesmente como uma transferência do fardo e da responsabilidade da "casa" social para as mulheres. Um tipo de responsabilidade de dona-de-casa pré-revolução feminista em escala planetária.
Quase num anti-clímax, Jules Falquet apresenta os três movimentos sociais que considera fonte de esperança de transformação real para o mundo (entre eles, o movimento zapatista, com o qual trabalhou e colaborou por vários anos) como inconsistentes do ponto de vista da demanda de igualdade das mulheres. Na sua visão, mesmo o pensamento mais disposto à mudança no mundo hoje ainda não está pronto para instaurar uma sociedade de igualdade entre os sexos.
Aparentemente, a socióloga francesa não vê luz no fim do túnel, principalmente para as mulheres. Mas não é bem assim. Segundo ela mesma afirma na sua conclusão, "espero abrir novas perspectivas que nos permitam pensar um pouco além, mesmo que contra".
De gré et de force é um livro que não deve passar despercebido. Apesar do pensamento não ser original, o mérito do livro é ter conseguido fazer um panorama geral da crítica feminista à globalização e articular teorias e autores em um só texto coerente. Com apenas 213 paginas, tende a se tornar uma referência no assunto pelo objetivo didático e de orientação (a bibliografia em si é um tesouro de indicação de leituras), principalmente na América Latina e no Caribe, região citada como fonte dos avanços teóricos da autora. Falquet não deixa de agradecer a todas as suas fontes - entre elas, as brasileiras Helena Hirata, Sueli Carneiro, Neusa das Dores, Elizabeth Calvet e Jurema Werneck.
*Izabela Moi é jornalista e colaboradora da Rets.
Theme by Danetsoft and Danang Probo Sayekti inspired by Maksimer