Autor original: Viviane Gomes
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No início de outubro, a Relatoria do Direito Humano ao Trabalho da Plataforma Dhesca Brasil enviou ao Ministério Público do Rio de Janeiro, ao Ministério do Trabalho e Emprego e à Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República uma solicitação de informações sobre denúncia de super-exploração do trabalho na usina de cana-de-açúcar Barcelos, em Campos dos Goytacazes, que pertence ao grupo hoteleiro Othon.
A denúncia foi encaminhada à Plataforma Dhesca pela Pastoral do Migrante, pela Comissão Pastoral da Terra, por pastorais sociais da Diocese de Araçuaí e pelo Sindicato dos Trabalhadores Rurais. De acordo com essas entidades, trabalhadores da usina sofrem ameaças, enfrentam jornada de trabalho de até 14 horas por dia - sem pagamento de horas-extra -, além de viverem em precárias condições de higiene.
A Rets conversou com Cândida da Costa, relatora do Direito Humano ao Trabalho da Plataforma Dhesca Brasil, que forneceu mais detalhes sobre esse tipo de violação aos direitos humanos e explicou como a sociedade pode pressionar os órgãos públicos para que situações como estas não ocorram mais.
Rets - Como a Relatoria do Direito Humano ao Trabalho soube das violações cometidas na usina Barcelos?
Cândida Costa - A Relatoria recebeu denúncia da Pastoral do Migrante de São Paulo. Através dessa entidade, a Plataforma soube que outras organizações, como a Comissão Pastoral da Terra, as Pastorais Sociais da Diocese de Araçuaí, em Minas Gerais, o Sindicato dos Trabalhadores Rurais e o próprio Comitê Popular de Erradicação do Trabalho Escravo do Norte Fluminense já haviam denunciado as situações de violação aos direitos humanos naquela usina.
Rets - A partir daí, a Plataforma encaminhou pedido de informações aos órgãos competentes. No que consiste exatamente esse pedido de informações?
Cândida Costa - O pedido de esclarecimento da relatoria aos órgãos públicos competentes funciona como uma estratégia de denúncia e de monitoramento de violações aos direitos humanos. Pedimos esclarecimentos sobre os relatos que chegam como denúncia até nós e solicitamos a apuração dos fatos. Caso se verifique que houve violação de direitos, seguimos monitorando a atuação dos órgãos públicos e, na medida do possível, as atividades da própria usina, através da ação das organizações locais.
Rets - Quais as violações relatadas?
Cândida Costa - As violências relatadas foram: jornada de trabalho exaustiva chegando a 14 horas por dia; horário de trabalho irregular - soubemos que os encarregados da usina obrigaram os trabalhadores a ingressar nos ônibus antes do horário, antecipando o horário de chegada ao canavial e obrigando os trabalhadores a aguardar o dia clarear para começar as atividades; falta de pagamento de horas extras e adicional noturno; não pagamento do preço da produção acordado, que deveria ser de R$ 3,00 por tonelada cortada; punição com demissões e ameaças aos trabalhadores que reclamam o preço justo da produção ou se negam a se alimentar de comida estragada.
Além disso, constam entre as denúncias o não fornecimento de água fresca, falta de banheiros químicos e local apropriado para o descanso após o almoço; exigência de grande produtividade, fazendo com que os trabalhadores laborem ininterruptamente; não garantia de abono dos dias não trabalhados pela superveniência de doenças, uma vez que o atestado médico não é aceito pela usina. Como se não bastasse, os alojamentos estão em precária condição de higiene. Soubemos também que a mangueira utilizada para desentupir o esgoto é a mesma colocada para encher o reservatório de água; e que os equipamentos de proteção individual [EPIs] estão fora dos padrões.
Rets - O que caracteriza violação aos direitos humanos no trabalho?
Cândida Costa - As violações aos direitos humanos no trabalho, em geral, ocorrem nas relações de trabalho onde a condição de hierarquia e de poder se impõe com mais veemência, tal como nos abusos relatados.
Rets - Como se pode provar essas violações? As provas podem ser ocultadas?
Cândida Costa - As provas podem ser colhidas de várias formas e muitas vezes é necessário uma vistoria no local. Especificamente neste caso, é preciso uma vistoria para que sejam observadas as condições das instalações e o próprio trabalho dos cortadores. Mas as violações também podem ser constatadas por testemunhos. Enfim, há uma série de procedimentos que podem ser usados, dependendo do tipo de violação. É possível verificar pela documentação se os trabalhadores foram registrados, se as carteiras de trabalho estiverem assinadas; se as CATs [comunicação de acidente de trabalho] foram encaminhadas etc.
De todo modo, é claro que as provas podem ser ocultadas. Há formas sofisticadas de ocultar as violações de direitos - a exemplo dos contratos temporários e das tentativas de acordos individuais sobre a relação de trabalho a ser estabelecida, que desconsideram os direitos do trabalhador.
Rets - A Plataforma já recebeu algum contato dos órgãos responsáveis pela apuração das denúncias?
Cândida Costa - Até agora não obtivemos dos órgãos competentes nenhum retorno oficial sobre a nossa denúncia.
Rets - Quais são as principais dificuldades encontradas para que os responsáveis por violações aos direitos humanos no trabalho sejam punidos?
Cândida Costa - As principais dificuldades giram em torno, principalmente, da tendência de desconstituição dos direitos trabalhistas; a desarticulação entre educação e trabalho; e o sistema de exigibilidade de direitos que também opera com precariedade, com muito pouca efetividade.
A denúncia e o monitoramento são sempre estratégias usadas pela sociedade civil para tornar este problema um tema público - responsabilizando, portanto, a todos e não apenas a vítima, que nesse país tem sido sempre responsabilizada pela sua própria opressão.
Além disso, nos esforçamos para desmistificar a idéia de que o Brasil é um país respeitador dos direitos humanos - porque não é. Basta observar o lugar e as condições que as políticas sociais ocupam entre as metas de governo e a precariedade com que operam os agentes que deveriam garantir o respeito aos direitos fundamentais.
Rets - Quais são os principais aliados na luta para que os direitos humanos no trabalho sejam respeitados?
Cândida Costa - Nossos principais aliados, penso, são as organizações sociais, inclusive as de trabalhadores. E, em algumas situações, os Ministérios Públicos do Trabalho.
Rets - Qual é a expectativa da Plataforma para casos como este?
Cândida Costa - Queremos mostrar que a sociedade se mantém vigilante; que circunstâncias como estas não são mais cabíveis em nosso estágio de humanidade; que é preciso inverter a lógica do próprio Estado, focada apenas nos interesses de um único grupo, e não no da maioria. O que podemos fazer sobre a falta de retorno das autoridades? Insistir na provocação.
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