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Pela justiça e democracia no Zimbábue

Autor original: Viviane Gomes

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Pela justiça e democracia no Zimbábue. Esse é o tema da luta da ativista Rindai Chipfunde Vava, diretora nacional da Zimbabwe Election Support Network [ZESN/Rede de Apoio de Eleição do Zimbábue]. A organização é uma coalizão de ONGs que defendem um processo eleitoral transparente no país. Ela é uma das principais lideranças na luta pela democracia na região.

A africana foi uma das participantes do VIII Colóquio Internacional de Direitos Humanos, promovido pela Conectas Direitos Humanos, entre os dias 8 e 15 de novembro, em São Paulo, com o tema principal os 60 anos da Declaração Universal de Direitos Humanos.

Para contextualizar o cenário do Zimbábue, em março de 2008, Robert Mugabe foi reeleito para a presidência do país. No entanto, ele já está nesse cargo há 28 anos por meio de eleições contestadas. Além da crise política, o Zimbábue atualmente está em grave crise econômica, com uma taxa de desemprego próxima dos 80% e uma inflação anual que chega aos 213 milhões por cento. O país é conhecido por ter uma das mais altas taxas de AIDS na África (28%) e cólera (morte de 12 mil pessoas).

Confira a entrevista que a ativista concedeu ao Portal Setor3.

Portal Setor3 - Antes de sua atuação no ZESN, explique como e quando iniciou sua militância na defesa da democracia em seu país.

Rindai Chipfunde Vava - Sou cientista política. Tentei ingressar no mestrado na área de direitos humanos. Mas não consegui, porque falaram que era muito jovem. Novamente tentei outro em Ciências Políticas. Enfrentei grandes dificuldades, porque era muito jovem. Até que eu optei em desenvolver um trabalho em uma organização que atua com direitos das mulheres no Zimbábue. Depois dessa experiência, me tornei diretora de um dos programas dessa organização. Ela discute vários temas, não apenas a questão de gênero. Também aborda a questão eleitoral. Foi nesse momento que tive contato com esse tema e me dei conta que não havia um movimento forte que cobrasse as eleições democráticas em meu país. Na década de 1990, entrei nessa coalizão de ONGs.

A partir de 2000, o movimento eleitoral começou aparecer com um pouco mais de força e a rede ganhou corpo. Nós trabalhamos muito com a elaboração de relatórios, investigação de denúncias eleitorais, principalmente nas áreas que são mais afastadas do centro que têm dificuldades em aplicar os tratados e os acordos internacionais, além daqueles sobre eleições que defendem um sistema eleitoral realmente democrático. A ideia da coalizão é torná-las públicas essas irregularidades e desrespeito aos direitos civis.

Portal Setor3 - Você é uma pessoa que estudou e tem consciência da falta de democracia. De que forma vocês repassaram a informação que tem nos tratados internacionais para o cidadão das comunidades da periferia do Zimbábue, que não tem tanto acesso à escola e desconhece o significado da palavra democracia?

Rindai Chipfunde Vava - Nós atuamos em uma rede com 55 ONGs, igrejas, organizações estudantis, entidades de jovens. Nós temos comitês por todo país. Treinamos os voluntários que participam desses comitês para levarem essa informação. Não falamos apenas sobre democracia. Ressaltamos sobre os conteúdos de acordos e tratados pelo governo do Zimbábue que deveriam ser aplicados e não são.

Portal Setor3 - Quais as principais conquistas dessa rede?

Rindai Chipfunde Vava - Temos reconhecimento nacional e internacional. Acabamos de receber um prêmio do presidente da Comissão Européia de Direitos Humanos sobre o processo das eleições do Zimbábue. Em 2004, além da educação do cidadão, fizemos um estudo sobre a reforma da lei do Zimbábue, porque a situação era bem crítica. Obviamente, ela não foi aprovada pelo governo integralmente, mas fez com que os governantes fizessem de fato uma reforma eleitoral e que o cidadão pudesse votar. Também reunimos informações e mobilizamos o podemos para garantir a maior quantidade de observadores nas eleições. Nós trouxemos 10 mil observadores, inclusive uma equipe de brasileiros nos ajudou. Isso fez com que os cidadãos fossem votar e sentirem segurança para participarem das eleições, apesar de todos os conflitos. Além disso, nós acompanhamos todo o processo eleitoral e fizemos uma série de estimativas e projeções para os resultados. Nós chegamos ao resultado bem antes do que foi publicado. E vimos que o partido da oposição havia vencido. Essas projeções foram dois dias após as eleições. Já o governo segurou por quatro semanas o resultado oficial da eleição.

Minha casa e meu escritório foram vasculhados. Eles queriam os resultados das projeções para eliminar qualquer tipo de documentação, que comprovasse a vitória da oposição. Os observadores também sofreram com a repressão, com as perseguições e as ameaças. Um deles foi morto, durante esse período da violência repressiva do governo ditador. Funcionários do governo da época se infiltraram como observadores para vigiá-los. Até hoje os observadores se sentem vigiados, como se tudo que eles fizessem tivesse um olho do governo para controlá-los.

Portal Setor3 - Os observadores não tiveram nenhum tipo de ajuda para garantir sua segurança?

Rindai Chipfunde Vava - Não só os observadores, mas as pessoas de organizações, vítimas dessa repressão, que ousaram se manifestar contra o governo ditador não tiveram uma estrutura para protegê-las. Quem não era do Zimbábue e foi ameaçado, tiveram que retornar para casa, porque não havia uma garantia de sua segurança. Nós mal conseguíamos garantir nossa própria segurança. O próprio governo era responsável por essa violência. Não tínhamos para onde correr. Os observadores poderiam buscar sua ajuda na oposição, mas eles se envolveriam politicamente e comprometeriam a imparcialidade do acompanhamento eleitoral. Então, essa situação foi abafada, porque o único refúgio que se poderia ter era a oposição e eles não buscaram isso.

Portal Setor3 - A organização é uma união de entidades. No Brasil, é comum o termo redes sociais. Existe essa expressão e qual a importância de trabalhar em rede?

Rindai Chipfunde Vava - Por diversos motivos é positivo. Citarei dois principais. Uma é que quando você está sozinha, você fica muito vulnerável, é um alvo muito fácil. O segundo é que, principalmente, para o processo eleitoral, você precisa de um número muito grande de pessoas e de organizações envolvidas que irão a todos os lugares. Essas pessoas vão a todos os pontos de votação, por exemplo. É muito mais fácil trabalhar com uma rede de 55 organizações como igrejas, instituições trabalhistas, entidades estudantis, porque você atinge uma área muito maior, se expressa em mais lugares. Muitas mãos fazem um trabalho muito melhor que uma mão só.

Portal Setor3 - Qual a importância desse processo de construção de política transparente? De que forma isso ajuda no combate da desigualdade social?

Rindai Chipfunde Vava - Ela disse que a chave é a participação das pessoas que promovem de fato a participação de pessoas mais pobres de uma forma igualitária. Seria um exercício dos direitos do cidadão. Por meio desse movimento e do envolvimento com organizações fora do país, conseguimos com que a comunidade internacional vire seus olhos para o Zimbábue e pressione para que haja, de fato, uma mudança na situação política. Com a pressão da comunidade internacional, conseguimos melhorar a situação da população do Zimbábue.

Portal Setor3 - Qual é o caminho para um Zimbábue menos desigual, democrático e sustentável?

Rindai Chipfunde Vava - O caminho é pela participação. Acredito que só com a participação de vários segmentos da sociedade vamos conseguir uma série de reformas na Constituição e na própria estrutura do Estado, mesmo que sejam em leis sociais, civis de participação popular e de controle da mídia. Só pela participação popular, você consegue fazer com que essa reforma realmente aconteça. Dessa forma, a população conseguiria interferir diretamente no Estado e construir um Zimbábue menos desigual.

Fonte: Portal Setor3

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