Autor original: Viviane Gomes
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A Refugees United é uma organização não-governamental dinamarquesa que desenvolveu um processo anônimo de localização de famílias de refugiados utilizando a Internet. A iniciativa surgiu depois que os irmãos Christopher e David Mikkelsen - fundadores da entidade - conheceram Mansour, um jovem refugiado afegão que atualmente vive na Dinamarca e que se perdeu de sua família na fuga do regime talibã.
“Ainda que a Refugees United não possa assegurar a reunião física, nossa esperança é poder proporcionar às pessoas separadas de suas famílias a certeza de que seus parentes estão vivos, em algum lugar. Ninguém deveria suportar a incerteza e a solidão que muitos refugiados sofrem hoje. “Nenhum pai deveria sofrer a tortura de não saber o destino de suas crianças”, afirma Christopher. "Não saber onde está minha família me faz sentir que nunca estou realmente em casa”, conta Mansur.
Rets - Como é o trabalho que a Refugees United realiza?
Christopher Mikkelsen - A Refugees United foi criada para proporcionar a pessoas refugiadas uma ferramenta de busca que as ajude a encontrar seus familiares e entes queridos, dos quais se perderam durante suas fugas de diversos conflitos. O portal, que está em diversos idiomas, baseia o seu mandato na Declaração Universal dos Direitos Humanos, que aponta a família como uma unidade a ser protegida pela sociedade e pelo Estado. É um direito humano saber onde sua família está. A ONG surgiu depois que eu e David ajudamos um jovem refugiado afegão a localizar um de seus cinco irmãos, após todos terem se perdido da família durante a fuga do regime talibã.
Ele chegou à Dinamarca, sozinho, aos 12 anos de idade e tudo o que ele queria, mais do que tudo no mundo, era encontrar sua família. Começamos uma longa viagem, na qual buscamos localizar a família de Mansour. Enquanto tentávamos descobrir informações sobre o paradeiro da família, percebemos a imensa dificuldade desta tarefa, devido principalmente à falta de informação além das fronteiras, à falta de infra-estrutura para localização de refugiados e às barreiras de idioma. Além disso, as pessoas envolvidas no processo tinham muito medo de se expor.
Rets - A Refugees United desenvolveu uma ferramenta on-line que ajuda a descobrir o paradeiro de pessoas refugiadas. Como funciona a ferramenta? Quais foram os desafios para a implementação desse sistema e quais são suas principais vantagens?
Christopher Mikkelsen - A ferramenta de busca permite que os refugiados realizem pesquisas e insiram registros com informações que só podem ser reconhecidas pelos seus familiares e amigos próximos. O sistema é fechado e permite que as pessoas se comuniquem e troquem mensagens entre si sem terem que revelar suas verdadeiras identidades ou paradeiros, até que tenham certeza de que estão em contato com seus familiares.
O desafio da Refugees United é disseminar informações para grupos de pessoas que nem sempre têm acesso a computadores e à mídia tradicional. As principais vantagens da ferramenta são as possibilidades de manter o anonimato e de poder realizar pesquisas na sua própria língua.
Rets - Aproximadamente quantas pessoas já utilizaram o sistema?
Christopher Mikkelsen - Devido ao caráter anônimo do sistema, é bastante difícil dar um número exato de registros no banco de dados. De qualquer forma, sabemos que o número de usuários é pequeno, uma vez que esta plataforma foi lançada recentemente (em novembro de 2008 ) e aos poucos está sendo apresentada para ONGs e para os próprios refugiados. O desenvolvimento da plataforma e da ferramenta de busca levou 3 anos.
Como a localização atual ou a origem do refugiado são dados secretos e opcionais, torna-se difícil identificar e assegurar a origem da pessoa que está fazendo registro. O que pudemos verificar é que o trabalho de divulgação de nossa assessoria de imprensa em alguns países - como Chile e Coréia do Sul - gerou um maior número de inscritos desses países.
Rets - Refugiados que sofrem perseguição pessoal – o que é muito freqüente na América Latina - podem utilizar o serviço com segurança?
Christopher Mikkelsen - A Refugees United conta com um sistema extremamente seguro que não permite o rastreio de endereços de IP, nem faz exigências de informações privadas para a inscrição de usuários.
Rets - Locais atingidos por guerras perdem boa parte de sua infra-estrutura básica como água, luz, telefone. Há algum tipo de estratégia para que pessoas que estão nesses locais possam utilizem a Internet para tentar localizar parentes ou amigos? Há computadores com acesso à Internet em bases da ONU ou da Cruz Vermelha, que permitam a utilização desta plataforma de busca?
Christopher Mikkelsen - Um dos principais objetivos de 2009 para a Refugees United é levar acesso à Internet aos refugiados. Por conta disso, estamos estabelecendo parcerias com empresas privadas para o fornecimento de equipamentos, e tentamos colaborar para que um maior número de refugiados tenha acesso à Internet e a ferramenta on-line de busca. Por isso, temos a preocupação de, paralelamente, investir em um desenvolvimento de sistema de localização via celular. No mês passado, participamos da feira DLD 2009, em Munique, justamente para divulgar nossa causa e estabelecer parcerias com empresas de tecnologia capacitadas para isso.
Rets - A Refugees United está no Brasil há quanto tempo? E como a organização trabalha no país?
Christopher Mikkelsen - A Refugees United já existe no Brasil há quase um ano, enquanto que a própria organização tem cerca de quatro anos. A ONG tem um escritório no bairro da Bela Vista, em São Paulo, e conta com vários parceiros brasileiros, a exemplo da CMDH, Cruz Vermelha São Paulo, Cibernarium Vit@lis, Cáritas Arquidiocesana, Iddab, Pastoral do Migrante, entre outros. Além disso, a Refugees United ocupa uma cadeira no Comitê Paulista para Imigrantes e Refugiados, iniciativa inédita para a sinergia de esforços entre o poder público e a sociedade civil para a proposição e implementação de políticas públicas voltadas para as populações vulneráveis de refugiados e imigrantes. A parceria com estas organizações otimiza o nosso trabalho por meio da colaboração, da troca de experiências e de melhores práticas, além de ajudar os refugiados interessados em criar perfis no nosso banco de dados.
Rets - Qual é o sentimento de vocês ao promover, mesmo que apenas on-line, o encontro dessas pessoas?
Christopher Mikkelsen - Promover o reencontro de Mansour com seu irmão foi uma experiência única em nossas vidas. Assistir a intensidade das emoções de dois irmãos que não se viam há anos e puderam se reencontrar é algo indescritível. Acabar com a incerteza que assombra as pessoas e ajudá-las a reencontrar seus entes queridos é uma missão de profunda importância para nós. Não podemos reunir as pessoas fisicamente, mas podemos ajudá-las e recuperar informação e esperança – e isso nos move todos os dias.
Viviane Gomes, com colaboração de Marília Reiter
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