Autor original: Graciela Baroni Selaimen
Seção original: Artigos de opinião
*Gustavo Gindre
Organizações não-governamentais e movimentos sociais de todo o planeta reivindicam que o direito à comunicação (de ser informado, mas também de informar) deve ser incluído no rol dos direitos humanos inalienáveis, como parte daquilo que constitui nossa própria humanidade. E, no século XXI, o direito humano à comunicação materializa-se no acesso às redes de informação em alta velocidade. Tais redes ganham, então, o mesmo status que as infraestruturas de saúde, educação e transporte, por exemplo, obtiveram ao longo do século XX. Cabe ao Estado garantir que todos os cidadãos poderão delas usufruir.
Segundo a pesquisa TIC Domicílios 2007, realizada pelo Comitê Gestor da Internet (CGI.br), e disponível em www.cetic.br, apenas 17% das residências urbanas brasileiras possuíam conexão à internet. Mesmo assim, 42% destas ainda se utilizavam dos tradicionais modems para linhas discadas, com velocidade incapaz de usufruir da maior parte dos serviços disponibilizados na internet. Isso significa que estamos construindo mais um tipo de exclusão, impedindo que o direito humano à comunicação possa ser exercido livremente.
Para garantir que todo cidadão tenha acesso à internet, segundo a legislação brasileira, é fundamental que o presidente da República edite um decreto presidencial tornando a chamada banda larga um serviço a ser prestado em regime público.
Com isso, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) terá de publicar um Plano Geral de Metas de Universalização (PGMU) e um Plano Geral de Metas de Qualidade (PGMQ). Com o PGMU a Anatel terá a chance de reconhecer (o que não fez na telefonia!) que inclusão social no Brasil só se faz para além do mercado. É um erro esperar que o mercado consiga, por si só, incluir a todos, ainda mais em um país profundamente desigual como o nosso. Portanto, não é possível mais considerar como “universalizados” todos aqueles que dispõem da oferta do serviço, mesmo que não possam por ela pagar. Seria o mesmo que dizer que um morador de uma favela, por acaso próxima de um centro de excelência de medicina privada, está “universalizado” em relação à saúde. É preciso garantir o acesso de fato e, uma vez criado o serviço em regime público, o governo poderá usar os mais de 7 bilhões de reais já arrecadados no Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust) para garantir a inclusão de fato.
Por exemplo, o Fust poderá ser usado para financiar redes locais, com ou sem fio, coordenadas por prefeituras e/ou a sociedade civil local, que garantam internet para todos a baixo custo. O serviço prestado em regime público permitirá que a Anatel defina uma política de tarifas, não apenas para o usuário final, mas também para a interconexão, impedindo que as grandes operadoras usem o oligopólio da infraestrutura para evitar a concorrência. Mais do que isso, a Anatel pode impor políticas de abertura das redes das “teles” para essas experiências de conectividade local sem fins lucrativos.
Com o PGMQ, a Anatel poderá definir o que é, de fato, uma banda larga. Qual velocidade as operadoras serão obrigadas a garantir para o usuário final? Será possível que as operadoras, como fazem hoje, continuem utilizando de práticas conhecidas como traffic shapping para impor os tipos de serviços que serão beneficiados no acesso do usuário final?
Infelizmente, parece que não foi este o caminho escolhido pelo atual governo, que confirma a política liberal do governo anterior e relega ao duopólio da Oi (& Brasil Telecom) e Telefônica, secundado pelas redes de tevês pagas, a tarefa de garantir o acesso à internet para todos os brasileiros, por meio exclusivamente dos mecanismos de mercado. Assim, no mundo virtual, tal como no real, o Brasil segue sendo uma imensa Belíndia.
*Gustavo Gindre é coordenador acadêmico do Nupef, integrante do Coletivo Intervozes e membro eleito do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br).
Artigo publicado originalmente na revista CartaCapital.
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