Caetano Scannavino (*) - 31-1-2020
O filme mais recente de Clint Eastwood, "O caso Richard Jewell", conta a história real de um guarda de segurança das Olimpíadas de Atlanta que se torna herói após ser o primeiro a ver e suspeitar que uma mochila abandonada poderia ter uma bomba.
Meio desacreditado, ele lança os alertas de evasão e evita a tempo uma tragédia maior com a explosão. Dias depois, passa de herói a vilão ao ser acusado injustamente pela polícia de ter posto ele mesmo a bomba para se autopromover.
Com a mídia massacrando-o e a população querendo linchá-lo, sua vida virou um inferno.
Ao invés de abrirem também outras frentes de investigação, os policiais insistiam em não admitir o erro chamando de provas o que sabiam não ser provas.
Tentaram emplacar a narrativa fantasiosa pressionando depoentes e/ou convocando outros que não gostavam do tal segurança.
Se pode funcionar num primeiro momento, difícil mesmo é sustentar ao longo do tempo. Diante de tamanhas inconsistências, a verdade tarda, e Richard Jewell foi finalmente inocentado.
Se o orgulho não tivesse falado mais alto, falhas (que acontecem) teriam sido corrigidas a tempo, as investigações seriam reorientadas, e a constatação de seriedade dos responsáveis pelo caso sairia reforçada. O que se viu foi o contrário disso, ao ponto de agora virarem filme juntamente com os outros envolvidos nas acusações.
O tempo que perderam apegados a uma interpretação que acusava um inocente atrasou em seis anos a busca pelo verdadeiro culpado, que confessou o crime quando encontrado.
As consequências com a segurança não param por aí, como bem observou o próprio Richard Jewell em seu depoimento. “Eu fiz meu trabalho e algumas pessoas estão vivas por causa disso. Mas depois do que aconteceu comigo, ao avistar uma mochila suspeita, quem agora não vai pensar duas vezes antes de chamar as autoridades?”
Também nos casos de incêndios florestais, tempo é tudo. Os bombeiros ensinam nos treinamentos que qualquer fogo pode ser apagado com o próprio pé no comecinho.
Uma das “provas” contra os brigadistas de Alter é o fato de eles em geral terem sido os primeiros a alertar ou chegar aos incêndios.
Só estão esquecendo de que essa é exatamente uma das funções de uma brigada. Em geral, eram eles os notificados na Vila para combater qualquer fumaça avistada pelos moradores, e já iam pro local enquanto avisavam os bombeiros —que ficam em Santarém, a 30 km de Alter do Chão.
Sabendo que a região pega fogo todos os anos sempre entre os meses de setembro e outubro, um incêndio que ocorreu há poucas semanas causou estranhamento.
Primeiro, por ter sido na época de chuvas, o que parece indicar que os verdadeiros incendiários se sentem impunes como nunca. Segundo, porque demoraram para chamar os bombeiros, avisados apenas no dia seguinte.
Parafraseando Richard Jewell, depois do que aconteceu com os brigadistas, parece que ninguém quer mais se apresentar como o primeiro a ver e alertar sobre fogo. Isso é triste.
Talvez a única boa noticia em meio ao trágico incêndio em Alter do Chão tenha sido exatamente o exemplo de mobilização dado pela sociedade santarena.
Sem o suporte dos moradores da Vila, das ONGs, dos empresários, e sobretudo dos brigadistas voluntários, os estragos seriam ainda maiores. Os heroicos bombeiros que operam milagres sob condições limitadas de trabalho sabem bem disso.
O perverso em acusar de forma inconsequente quem apaga fogo de botar fogo é que isso acaba sabotando toda iniciativa voluntária e espírito de solidariedade e de cooperação entre cidadãos e autoridades, essencial para combater os incêndios que estão por vir, cada vez mais frequentes e difíceis de vencer.
Vale a pena ver de novo?
(*) Caetano Scannavino é coordenador do Projeto Saúde & Alegria. Texto publicado na Folha de São Paulo.
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