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É hora de nacionalizar a Amazônia e amazonizar o mundo

Caetano Scannavino (*)

Se vida é a maior riqueza que existe, o Brasil é o país mais rico do mundo, segundo o Gross Primary Productivity, que mede a síntese de matéria orgânica gerada a partir de água, luz e ar.

Uma fábrica de vida que, só com a proteção das terras indígenas brasileiras como medida de combate às mudanças climáticas, pode render em 20 anos de US$ 523 bilhões a US$ 1,165 trilhão com os benefícios globais do carbono e a conservação do ecossistema (diz estudo “Climate Benefits, Tenure Costs” do World Resources Institute).

Triste é deixarmos que nossos povos tradicionais, ao mesmo tempo que prestam um serviço voluntário como guardiões dos ativos naturais que nos mantêm vivos, recebam em troca bala, mercúrio e doença de branco ao invés de políticas de bem-viver.

Já devastamos uma área igual a duas Alemanhas de Amazônia, para que 63% dela fosse ocupada por pastagens de baixíssima produtividade e outros 23% fossem abandonados, segundo dados do Inpe e da Embrapa. Desmatamos para ficar mais pobres.

Permitimos que alguns se apropriem de riquezas que são de todos os brasileiros —o ouro, a madeira, as terras. Não pagam impostos e ainda deixam a conta do estrago.

Quem quer fazer a coisa certa não consegue concorrer com o preço baixo da extração ilegal, aí quebra ou muda de lado, desestimulando investimentos responsáveis e a própria existência de um mercado como deveria ser.

Proteger a Amazônia, antes de ser coisa de gringo, é interesse nacional. Sem o bioma, a temperatura média subiria 0,25 ºC no planeta, mas saltaria 2 ºC no Brasil, onde também se perderia 25% das chuvas, inviabilizando a agricultura e a geração de energia, segundo Tasso Azevedo, coordenador do SEEG – Sistema de Estimativas de Emissões de Gases-Estufa.

Quando Joe Biden propôs ajudar o país com dinheiro para nossas florestas, teria sido mais corajoso se nosso presidente, ao invés de virar piada ameaçando os Estados Unidos com pólvora, usasse a saliva para peitar o novo presidente americano; não apenas cobrando o tal dinheiro, como pedindo mais, afinal, os benefícios gerados pela Amazônia são globais e os custos de conservação permanecem locais.

Só que para isso é preciso ter um projeto para que a região se desenvolva com a floresta em pé. Caso contrário, fica a impressão de que o governo sequestrou a Amazônia, em chamas, e foi ao exterior pedir o resgate –assim diziam do ministro Salles quando tentava passar o chapéu na última conferência do clima da ONU.

Se é para falar sério de soberania, a melhor forma de garanti-la é blindando as florestas e focando no aumento da eficiência nas zonas agrícolas consolidadas.

Assim, cresce-se para cima -- até porque crescer para os lados é caso de polícia, diante do lucro fácil e ilegal de especuladores e grileiros de terras.

O país ainda não tem uma política robusta de bioeconomia, voltada ao processamento de produtos da floresta como o açaí, cacau, cupuaçu, castanha, andiroba e tantos outros.

“O grande potencial do Brasil é o da biodiversidade”, diz o cientista Carlos Nobre. “Sistemas agroflorestais com açaí podem render anualmente até US$ 1.500 por hectare, enquanto o gado fica em torno de US$ 100/hectare.”

Para que essas soluções aconteçam e ganhem escala, mais do que pressão internacional, é preciso que a cobrança venha de dentro. O eixo RJ-SP ainda precisa se esforçar para compreender a realidade e os potenciais da região. A sociedade brasileira precisa assumir a Amazônia.

Só assim o Brasil deixará de enxergar a Amazônia como um ônus de conflitos e desmates e perceberá o bônus que tem nas mãos, uma floresta que guarda as sementes da regeneração, que pode nos levar a liderar novos paradigmas, um futuro de bem-viver, a partir da nossa Amazônia para todos.

Como bem diz o colega de batalha Arnaldo Oliveira, é hora de “nacionalizar a Amazônia e amazonizar o mundo”.
 

(*) Coordenador da ONG Projeto Saúde & Alegria, com atuação na Amazônia e integrante da Rede Folha de Empreendedores Socioambientais; trabalho vencedor do Prêmio Empreendedor Social de 2005. O Projeto Saúde e Alegria (PSA) é uma iniciativa civil sem fins lucrativos que atua desde 1987 na Amazônia brasileira.

Fonte: Folha de São Paulo, 11-12-2020.

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