Fonte: CDR -- 01-09-2025
O envio para sanção do Projeto de Lei n° 2628 de 2022, que regula a proteção de crianças e adolescentes nos ambientes digitais, representa uma importante vitória para a sociedade brasileira. Trata-se da primeira legislação no Brasil, desde o Marco Civil da Internet (2014), que estabelece aos fornecedores de produtos e serviços digitais responsabilidades diretas sobre suas operações de moderação de contas e conteúdos, além de obrigações de transparência e prestação de contas sobre como essas operações são realizadas.
Embora estivesse em discussão no Congresso Nacional desde 2022, sua tramitação foi acelerada por acontecimentos da conjuntura recente, que colocaram em evidência tanto a necessidade de proteção de crianças e adolescentes, quanto a regulação de plataformas digitais. Em meio à tramitação acelerada, como emenda em plenário, foram inseridos no texto dispositivos problemáticos, que podem ameaçar a estabilidade de serviços críticos para a Internet e a governança aberta e neutra da rede. Tratam-se dos parágrafos 6° e 7° do Artigo 35, que conferem à Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) prerrogativas que não estão circunscritas ao escopo de atuação das infraestruturas e serviços de telecomunicações.
No momento de conclusão dos debates e acordos em plenário na Câmara dos Deputados, o texto do projeto de lei recebeu esses dois novos parágrafos no Art. 35, que tratam das sanções por descumprimento da lei. No parágrafo 6º, o texto prevê que a ordem de bloqueio de determinado serviço seja dirigida, dentre outros provedores de serviços, “às entidades gestoras de pontos de troca de tráfego” e “aos prestadores de serviços de resolução de nomes de domínio”. O parágrafo 7º, por sua vez, atribui competência à Anatel para encaminhar as ordens de bloqueio desses serviços. No entanto, os gestores de pontos de troca de tráfego e os prestadores de nomes de domínio não são serviços de telecomunicações, cuja regulação já estaria sob a atribuição da Anatel.
Os provedores de nomes de domínios fazem a gestão dos endereços alfanuméricos da Internet, que consistem nos protocolos lógicos que conectam cada dispositivo à rede. Os gestores de pontos de troca de tráfego, por sua vez, provêem interligação entre diferentes Sistemas Autônomos (ASs) que conformam a rede, reduzindo custo e aprimorando o desempenho da rede. Assim, sem qualquer debate técnico aprofundado sobre o tema, se sancionado como tal, o texto ampliará as atribuições da Anatel sobre serviços da Internet e representará uma reconfiguração da governança da internet no Brasil.
Vale destacar que, como o próprio relator no Senado reconheceu em seu parecer final, ao aumentar as competências da Anatel por meio do texto arprovado, os parágrafos 6º e 7º do Art. 35 configuram um vício de iniciativa. Tão grave quanto é alterar o modelo multissetorial de governança da Internet, reconhecido internacionalmente em função da excelência dos serviços prestados pelo Comitê Gestor da Internet (CGI.br) e pelo Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br), sem qualquer debate público, para atribuir à Anatel o papel de intermediária reguladora de Serviços de Valor Adicionado – que não são serviços de telecomunicações.
Cabe à Administração Pública Federal indicar por Projeto de Lei ou Medida Provisória a autoridade autônoma que regulamentará o PL 2628/2020 e garantirá o cumprimento das sanções e penalidades previstas no texto, cabendo aprovação pelo Congresso Nacional. A atribuição à Anatel dessas funções prejudica, inclusive, o debate sobre a definição de tal autoridade e dos mecanismos de participação social em suas deliberações.
Isso não pode ser feito sem a escuta de todos os atores envolvidos atualmente na governança da Internet no Brasil e sem uma análise de impacto que mudanças regulatórias de tamanha envergadura podem trazer para o funcionamento de serviços críticos para a Internet no país – como são os serviços de troca de tráfego e de gestão dos nomes de domínio. Principalmente, não pode ignorar os princípios consolidados de uma internet aberta, estável e neutra.
Assim, entendemos ser necessário o veto dos parágrafos 6° e 7° do Art. 35, o qual não prejudicará o monitoramento e aplicação da lei, nem a adequada aplicação de sanções, capítulo em que o referido art. 35 está inserido.
1o de setembro de 2025
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