Álvaro Rodrigues dos Santos*
23-11-2025
Esse início dos anos 2020 sepulta definitivamente as honestas, e também as não muito honestas, dúvidas que ainda subsistiam sobre a veracidade e consistência científica das teses e informações apontadas pelo IPCC - Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, organismo vinculado à Organização Meteorológica Mundial e ao Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA). É fato, observa-se nas últimas décadas uma comprovada persistência de aumento das temperaturas globais e é certo que a atividade humana no planeta inclui-se entre suas causas. Se ainda não sentidas, as conseqüências para a Humanidade desse fenômeno climático podem vir a ser, em um futuro não muito distante, catastróficas.
Bem, até esse ponto o problema está colocado, agora vamos aos fatos a ele associados.
Nenhum de nossos conhecidos problemas ambientais (ou de alguma forma relacionados a questões ambientais) graves e crônicos, como poluição atmosférica, poluição de águas superficiais e subterrâneas, contaminação de solos, enchentes urbanas, áreas de risco a deslizamentos em encostas, margens de cursos d’água e orlas litorâneas, perda e empobrecimento agronômico de solos agricultáveis, depauperação de corpos florestais ativos, crises hídricas, binômio erosão/assoreamento, degradação de mananciais de boa água, depleção do lençol freático, deficiências de saneamento básico, etc., tem no aquecimento global qualquer tipo de origem causal. Foram e são problemas de enorme gravidade, capazes de, per si, sufocar econômica, social e ambientalmente o desenvolvimento brasileiro e a qualidade de vida de sua população, especialmente de sua população de mais baixa renda. Problemas que foram inteiramente gerados por nós mesmos, por nossa estupidez e irresponsabilidade, pela ganância financeira que nos é inculcada como valor social supremo, ou seja, problemas já muito antigos sem nenhuma vinculação a fatores outros como o efeito estufa e outros fenômenos de ordem planetária.
Perde o encanto e a decência, portanto, a atual cantilena de nossos administradores públicos que, marotamente, procurando aliviar-se de suas responsabilidades, lançam agora às costas das mudanças climáticas globais a responsabilidade sobre esses terríveis problemas brasileiros, que nunca foram, por irresponsabilidade, por incompetência e por total falta de respeito humano ao cidadão comum, devidamente enfrentados, prevenidos ou mitigados pelas mais variadas instâncias dos poderes público e privado.
Enfim, o meio técnico e científico brasileiro, em seu empenho com a mitigação do aquecimento global, não pode colaborar para sugerir ou permitir que esse fenômeno venha a ser levianamente utilizado como o bode expiatório dos graves e crônicos problemas que desde há muito tem castigado a sociedade brasileira, o que poderia levar ao enganoso entendimento de que sua superação se coloque como indispensável para a solução dos problemas referidos. Não, tanto hoje como no passado as soluções, insistentemente oferecidas pelo meio técnico nacional, sempre estiveram disponíveis para que fossem devidamente implementadas. O que nos faltou para tanto foi decisão política para priorizá-las e executá-las.
(*) Autor premiado de vários textos e livros sobre temas envolvendo geologia e meio ambiente, é graduado em Geologia pela Universidade de São Paulo (1968) e pesquisador sênior V pelo Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) de São Paulo. Foi diretor de planejamento e gestão e diretor da divisão de Geologia do IPT. Publicado na RETS com autorização do autor.
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