Um dos mais importantes filósofos da tecnologia da atualidade, Langdon Winner é professor do Departamento de Estudos sobre Ciência e Tecnologia do Rensselaer Polytechnic Institute, em Nova York. Estuda e escreve sobre ciência, tecnologia e sociedade e foi repórter da revista Rolling Stone.Nesta entrevista exclusiva para o Fórum da Cultura Digital Brasileira, o autor de Autonomous Technology – the myth of technology out of control (ainda sem tradução para o português) questiona a ideia de que a sociedade não tem controle sobre a tecnologia, discute conceitos como inovação e sustentabilidade e indica qual seria o caminho para uma internet livre e democrática.“O Estado é apenas um de uma vasta gama de instituições que precisam ser envolvidas na negociação do caráter das práticas encontradas na rede”, afirma Winner, que estará no Brasil em novembro junto de nomes como Alexander Galloway e Tim Wu participando do Seminário “Cidadania e Redes Digitais”.por Henrique Costa. O Sr. defende que as tecnologias adquirem uma aparência de autonomia e que as pessoas aceitam isso como um fato inevitável. A tecnologia está fora de controle? Meus escritos sobre a autonomia da tecnologia investigam uma variedade de ideias que defendem que a tecnologia está “fora de controle”, tanto na teoria social moderna como no cinema e afins. Isso não significa que eu endosso ou defendo qualquer versão deste tema. É certamente verdade que muita gente vê a evolução tecnológica acontecendo em nosso tempo como algo “necessário” ou “inevitável”. Levantar questões sobre isso é frequentemente considerado como tolice ou negativo. Por essa razão, se alguém tenta ir além da percepção de que um determinado gênero ou projeto tecnológico vai inevitavelmente varrer a sociedade, é preciso ser muito hábil para propor outras formas de pensar, outras maneiras de falar sobre as possibilidades tecnológicas e sociais. É preciso perguntar: Uma determinada tecnologia é realmente necessária? Quem disse? Por quê? São razões confiáveis ou não? Podemos influenciar ou mudar significativamente sua forma, o seu funcionamento, os seus efeitos a longo prazo? No caso das novas tecnologias, há também a ideia de que as inovações técnicas devem ser celebradas. Como o Sr. relaciona a acomodação do público, a questão do livre arbítrio e os interesses econômicos envolvidos?A disposição recorrente na mentalidade moderna é a de evitar perguntas como estas completamente. Criá-las significa ser rotulado como “anti-tecnologia”, o que significa simplesmente “Cale-se!”. Espera-se que simplesmente celebremos a mudança tecnológica e que a aceitemos pela fé, como se a sua chegada sempre oferecesse melhorias em nossa maneira de viver. O que indica que quaisquer supostas “inovações” atuais são desejáveis? Essa é outra questão quase improvável para a maioria das pessoas. O termo deriva do latim “Innovare”, que significa “renovar”. Nesta perspectiva, o conceito ganha uma aura brilhante em torno dele. É talvez a principal “palavra da moda” do nosso tempo. Afinal, quem não gostaria de tomar medidas para “renovar” as condições de vida em nossa sociedade conturbada? Mas se você olhar para o que geralmente é divulgado como “inovação”, você vê que eles envolvem principalmente a busca por uma vantagem econômica competitiva no mundo das corporações globais. Uma boa definição para “inovação” é “mudança técnica que beneficia os ricos”. Planejadores corporativos e publicitários são os responsáveis pelo clima de celebração em torno das “inovações”, não as pessoas comuns com necessidades comuns. Se você olhar para os recursos apregoadas como “inovações”, geralmente o que se vê são modificações triviais, as características do iPod mais recente, por exemplo, ou uma lata de cerveja que indica se ela está gelada ou não – em suma, mudanças que têm pouca importância para a maioria das pessoas ou para a maioria dos problemas do planeta. É possível afirmar que esta é uma reconfiguração do mito do progresso? Se a tecnologia não está fora de controle. como superar o fetiche e usá-la em benefício da humanidade? O termo “sustentabilidade” incorpora esta ideia? Eu vejo ambos os discursos de “inovação” e de “sustentabilidade” como gêmeos: sucessores da grande narrativa do “progresso” que ganhou impulso durante a revolução científica dos séculos XVII e XVIII. É evidente que a fórmula clássica de “progresso” – mais conhecimentos científicos levam a melhores tecnologias, que levam a melhores formas de vida para toda a humanidade – já desabou. Ninguém defende isso há muito tempo. Em primeira instância, o que acabou por matar a fé no “progresso” foi a persistência da evidência da pobreza e da desigualdade na população mundial, a evidência de que mais da metade das pessoas na Terra sempre foram irremediavelmente deixadas para trás. Depois de um tempo, as desculpas padrão já não eram convincentes. Hoje, o sonho do “progresso” também é ofuscado pela crescente evidência de que a prosperidade da civilização moderna foi (em grande medida) gerada por um presente da natureza – petróleo barato. Claro que, na sua maior parte, esta herança inesperada foi explorada de formas que serviram aos interesses de uma minoria relativamente pequena dentro da comunidade humana. O termo “peak oil” (pico de produção petrolífera) sinaliza o crescente reconhecimento da crise vindoura como a celebrada criatividade da moderna civilização tecnológica batendo a cabeça contra a parede de tijolo da escassez de petróleo. Outra sombra é o reconhecimento do aquecimento global e suas desastrosas conseqüências atuais e nas próximas décadas. Ao invés de falar sobre “progresso” e as suas esperanças de melhoria universal, as pessoas agora adoram falar sobre “inovação”. Mas como eu já mencionei, os tipos de melhoria aqui são definidos dentro de um quadro muito pequeno de significância. O outro tema sucessor, a “sustentabilidade” levanta uma questão verdadeiramente embaraçosa: “Pode a civilização moderna e suas principais práticas serem sustentadas como um todo?”. A resposta implícita é “talvez não”. No meu modo de pensar, estes dois temas – “inovação” e “sustentabilidade” – são indicadores para o que agora parece ser um vigoroso deslocamento intelectual e espiritual do “progresso”, a fé que inspira há muito tempo as políticas básicas e os projetos da civilização ocidental. Atualmente, parece haver pouca discussão honesta sobre o que a humanidade enfrenta além destes temas esgotados. No Brasil, assim como em países como a França, surgiram recentemente iniciativas no âmbito legislativo no sentido de restringir a liberdade na internet exigindo, por exemplo, que os provedores de acesso denunciem práticas como os “downloads ilegais”. Qual cenário o Sr. prevê para a liberdade de expressão na Internet? Como interpreta a ideia de uma internet regulada? As perguntas básicas são bastante simples. Quem seremos nós enquanto usuários de internet nos próximos anos? Como consideraremos a nós mesmos? Quais serão as qualidades que irão caracterizar a atividade das pessoas? E como as instituições detentoras do poder e da autoridade vão entender quem somos e o que estamos fazendo? Uma visão promissora é que nos tornaremos cidadãos democráticos, com sensibilidade melhorada e capacidades expandidas para a ação na vida pública. Teremos acesso a uma gama mais ampla de recursos informativos do que anteriormente e usaremos isso para cultivar oportunidades tanto para pessoal quanto para o coletivo. Desta forma, poderiam surgir variedades mais profundas de cidadania do que qualquer outra em qualquer período da história. Há, infelizmente, outras concepções do que somos na Internet que têm uma aparência totalmente diferente. Uma ideia comum e em expansão atualmente é a de considerar as pessoas como “suspeitas”, pessoas que cometeram crimes ou que se acredita que possam fazê-lo. Esta atitude move silenciosamente as políticas de governo para a Internet em diferentes direções daqueles de uma cidadania alargada e melhorada. Assim, há uma tendência para a criminalização e possibilidades de controle para que muitas pessoas comuns encontrem na esfera digital um ambiente mais agradável. O Sr. acredita que o Estado tem um papel na formulação de políticas públicas para a rede? Sim, existem variedades significativas de crimes que a sociedade deve ter em conta, mas também é verdade que nós vemos uma rápida expansão de conceitos, regras e mecanismos de execução que fazem diariamente o uso e o compartilhamento de recursos digitais parecerem mais e mais como uma cena de crime. O estado é apenas um de uma vasta gama de instituições que precisam ser envolvidos na negociação do caráter das práticas encontradas na rede. As famílias, escolas, universidades, sindicatos, ONGs, e uma ampla gama de grupos da sociedade civil também precisam ter uma voz proeminente. Neste momento, algumas noções tradicionais de propriedade e de comportamento socialmente adequado absorvem muita atenção e ameaçam limitar o alcance de novas liberdades emergentes – a liberdade de informar, de criticar e de criar. Formas férteis de cidadania surgirão se a sociedade puder superar medos sem sentido e resistir à tendência a permitir que as corporações definam tudo.Fonte: Cultura Digital.
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