Por Letícia Rangel Tura*Violência e disputa. Estas são expressões constantes no panorama agrário brasileiro. Nos últimos anos, vemos no campo e na floresta uma crescente e intensa disputa territorial, que se traduz também numa disputa entre concepções, entre propostas, entre projetos de sociedade. Uma luta entre o Território dos Povos e o Território do Capital, como diria Jean Pierre Leroy, travada com uma correlação de forças imensamente desigual e desfavorável para aqueles identificados com o Território dos Povos. Resistência e alternativas. Estas também são manifestações constantes no contexto agrário brasileiro. Mas o contexto desigual e desfavorável contribui para a invisibilidade de movimentos sociais, entidades da sociedade civil e ONGs. Estes têm implementado estratégias para garantir o direito a terra e território, articulando ações de resistência, identificação e visibilização dos territórios de populações tradicionais, como a iniciativa da Nova Cartografia Social[1], de garantia de condições sustentáveis e saudáveis de produção e construção de novos mercados. Para tal, há um esforço para dinamização do diálogo entre movimentos sociais, organizações do campo agroecológico, da saúde, da nutrição, economia solidária, justiça ambiental e feminista. São bons exemplos o Encontro Diálogos e Convergências[2], realizado em Salvador em 2011, e o Encontro Unitário dos Povos do Campo, da Floresta e da Água[3], que ocorreu em Brasília em 2012.Esse cenário de disputas não se limita ao território brasileiro. Esta disputa não tem fronteiras, ela se estende a vários países da América Latina, África, e outros com grande biodiversidade, ricos em recursos naturais como florestas, água e minérios e áreas agricultáveis. O contexto internacional é de escassez de recursos naturais e redução das terras agricultáveis, não pelas condições naturais, como áreas desérticas ou geladas, mas, fundamentalmente, em razão do uso intenso e descontrolado dos recursos. Como resultado, temos degradação, poluição ambiental e alterações climáticas - que tornaram muitas áreas inférteis ou impróprias para a prática agrícola - e/ou, simplesmente, o esgotamento de estoques de recursos disponíveis tais como madeira, água e petróleo.As áreas férteis e ricas em recursos naturais ainda não invadidas pelo Território do Capital, geralmente, encontram-se em terras ocupadas por agricultores familiares, camponeses, indígenas, quilombolas e extrativistas, que, em decorrência de suas práticas agrícolas e agroextrativistas tradicionais mantêm-se preservadas. Como nunca existiram áreas vazias e também não há mais áreas remotas, inalcançáveis, em razão do avanço tecnológico, essas áreas são disputadas pelos grandes produtores e empresas transnacionais, gerando a proliferação de conflitos socioambientais em todo o território nacional que podem ser identificados em várias iniciativas de mapeamento da sociedade civil, como no Mapa de conflitos envolvendo injustiça ambiental e Saúde no Brasil[4] e na última edição do relatório Conflitos no Campo no Brasil, publicado anualmente pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), que indica um crescimento nos conflitos por terras no Brasil nos últimos 5 anos, pulando de 751 para 1063.Para a conquista destas novas terras, o agronegócio mineiro-exportador constrói estratégias em diferentes níveis. No âmbito territorial, investe numa intensa expansão das monoculturas, da indústria extrativa e do cercamento dos territórios; no controle dos meios de produção, como as sementes; e na criminalização dos movimentos sociais e ONGs. No campo das ideias, conforma-se na sociedade um espaço restrito para o debate sobre alternativas, cultivando no imaginário social que há situações inexoráveis, como a desterritorialização, frente a necessidades imediatas, como a produção de energia (“Não há como fazer omelete sem quebrar ovos”). Na esfera do Executivo, grandes obras de infraestrutura viabilizam empreendimentos econômicos privados e a reforma agrária passa a soar como pauta ausente. No Congresso Nacional, crescem a flexibilização da legislação ambiental, a exemplo do Código Florestal já aprovado e da total falta de transparência no debate sobre o novo Código da Mineração. Crescem também os ataques aos direitos territoriais, a exemplo da PEC 215, que transfere para o Congresso Nacional a decisão sobre a demarcação e homologação de terras indígenas e quilombolas. No âmbito do Judiciário, a criminalização dos movimentos sociais e a impunidade é um imperativo, assim como, a proteção da propriedade em detrimento da sua função social.Nesta luta de Davi contra Golias, algumas conquistas têm sido importantes para o reconhecimento de um outro modelo de agricultura, como a definição da agricultura familiar e dos povos e populações tradicionais por lei, o reconhecimento do direito humano à alimentação entre os direitos básicos da Constituição Federal (art. 6º. CF), a regulamentação do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) com a garantia de no mínimo 30% da compra por produtos da Agricultura Familiar e agroextrativista - com dispensa de licitação e prioridade para produtos agroecológicos - e a recente Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (PNAPO). Portanto, as organizações comprometidas com o Território dos Povos têm muitos desafios pela frente. O principal deles é ampliar a articulação e alianças de sujeitos coletivos que buscam a elaboração de alternativas, para consolidar territórios agroecológicos, livres de transgênicos, de agrotóxicos e qualificar e ampliar o debate com a sociedade. [1] http://www.novacartografiasocial.com/[2] http://dialogoseconvergencias.org/[3] http://encontrounitario.wordpress.com/[4] Ver, http://www.conflitoambiental.icict.fiocruz.br/ *Letícia Rangel é Diretora Executiva nacional FASEFonte: Informes Abong
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