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Lavits critica convênio TSE-Serasa e pede mais rigor no trato de dados pessoais

O grupo Lavits (Rede Latino-Americana de Estudos sobre Vigilância, Tecnologia e Sociedade), que reúne pesquisadores e ativistas interessados na questão do uso de dados pessoais e privacidade, recebeu com surpresa e assombro a notícia de que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) firmou convênio para entrega de dados pessoais de eleitores brasileiros ao Serasa. Embora informações mais recentes dêem conta de que nenhum dado foi ainda compartilhado com a instituição de crédito, a assinatura do convênio demonstra quebra de uma relação de confiança estabelecida com o TSE. Não somente o tribunal eleitoral mas todo o Estado brasileiro precisa estabeler padrões adequados e discutir com a sociedade políticas de salvaguarda dos dados pessoais dos cidadãos.Em declaração dada à imprensa após a denúncia de existência do convênio, a presidente do TSE, ministra Carmem Lúcia, afirmou desconhecer o acordo e pediu a suspensão do mesmo. O fato demonstra falta de controle do Tribunal sobre as informações que coleta. “Alguns juízes afirmaram que o acordo não atenta contra a moralidade do cidadão. Mas certamente atenta contra a moralidade do próprio TSE pela ‘quebra’ do princípio de responsabilidade da salvaguarda, independente do uso e do tipo de acordo que se faça com terceiros do setor privado. Mesmo que se alegue que as informações não são tão sigilosas, elas são pessoais.”, afirma Rodrigo Firmino, membro do Lavits e professor da PUCPR. Segundo ele, a empresa deveria encontrar maneiras transparentes, legais e que não dependam da cessão dos dados por órgão público – que os adquiriu com propósitos distintos – para conseguir as informações.O convênio firmado ganha ainda ar mais escandaloso quando se leva em consideração o fato de a Serasa ser uma empresa privada ocupada da comercialização de informações. A legitimidade do uso comercial de dados pessoais é questão ainda pouco discutida, cujas implicações precisam ser refletidas tanto por órgãos públicos de regulação comercial como pela academia.Luis García Fanlo, também membro do Lavits e professor da Universidad de Buenos Aires, lembra que a situação é semelhante em outros países da América Latina. “Na Argentina temos a empresa espanhola Indra a cargo do processo eleitoral desde 1997. Ela não obedece a nenhum tipo de controle por parte do Estado ou de órgão público. Ela tem sob seus cuidados o serviço de ‘desenho, planejamento, organização e operação do serviço de carga, processamento e difusão para contagem de resultados eleitorais provisórios’, mas não diz nada sobre como armazena ou administra a base de dados.”No Brasil, existem muitos projetos e ações que sinalizam um esforço amplo na direção da construção de grandes bancos de dados sobre a população. Dentre muitas ações, é possível reunir sob este esforço a criação do novo documento de identidade brasileiro (Registro de Identidade Civil), a iniciativa de recadastramento eleitoral para utilização de urnas biométricas, e a dos Detrans estaduais com a utilização da biometria como forma de identificação de condutores. Todos esses casos passam pela biometria como forma de autenticação nos sistemas e movimentam o que já começou a ser conhecido como “indústria da identificação”, de olho no que significa obter dados, identificar, cadastrar e intercambiar informações de 190 milhões de usuários. É uma industria que envolve uma gama ampla de atores públicos e privados, incluindo legisladores.Por um lado, alega-se a necessidade de informatização, digitalização e modernização dos sistemas de informação no país, por outro, é cada vez mais claro que a construção desses bancos de dados (que vai da coleta de de dados, armazenamento e intercâmbio de dados) é algo pouco discutido e com poucas ferramentas legais acerca de dados pessoais. Em muitos países, a possibilidade de construção de um documento único ou de uma urna eletrônica gerou uma série de debates e uma forte oposição, mas isso não ocorreu no Brasil.Segundo Marta Kanashiro, professora da Unicamp e membro do Lavits, “o quadro que se vê com relação a isso é desanimador: uma classe politica pouco preparada e pouco informada sobre a questão, ou aliada da instalação desses sistemas pelo ganho que podem trazer seja para a tal indústria da identificação ou para aquilo que entendem que seja modernidade e atualização tecnológica”.

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