Por Silvio Meira* Leia isso: “Não estamos falando de liberdade, mas sim do velho e bom dinheiro, de modelo de negócios”. Sabe quem disse? O vice-presidente da TIM. sabe do que ele está falando?… de neutralidade de rede. e isso? “As operadoras não podem ser tratadas como um tubo”. Idem. Sobre? Bem… sobre as operadoras serem… apenas um tubo. As frases rolaram no debate sobre o marco civil da internet na futureCOM2013, no Rio, semana passada [http://convergenciadigital.uol.com.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?sid=69]. Ambas estão relacionadas a uma descoberta recente, das operadoras, das 3 camadas da internet: a infraestrutura, onde está a capacidade de mover bits de um lado pra outro, feita basicamente de hardware [cabos, dutos, torres, rádios, roteadores, satélites, servidores…], sobre a qual estão os serviços, na forma de padrões e protocolos correspondentes [como SMTP, o protocolo de e para emeio] e, no topo destes, as aplicações, como, por sinal, emeio. ou a web, se você considerar o serviço HTTP e as codificações de conteúdo como HTML como base para o que criamos e vemos na camada que realmente interessa, que são as… aplicações, como todos podemos imaginar. Certas discussões sobre como melhor remunerar as teles pelo seu papel na internet não fazem o menor sentido e só alguns de seus agentes não entendem quão básicos são os erros de interpretação de cenário que estão cometendo. Os mesmos agentes, ao mesmo tempo, não sacam que telefonia, há anos, passou a ser uma aplicação, e das mais básicas, sobre suas redes de dados. aliás, sobre todas as redes de dados de todos eles, em conjunto. E que qualquer um, na internet, aberta, pode escrever um telefone, ou algo mais sofisticada do que um, a partir da camada de infraestrutura, incluindo suas próprias definições e implementações de serviços. Para quem não sabe, skype foi pensando, desenhado e é implementado assim mesmo. Agora, saia por um momento do espaço conceitual de telecom e pense em água. As concessionárias de água provêem uma infraestrutura que entrega [no brasil…, vez por outra] água em residências e estabelecimentos públicos e privados. seu papel, na articulação econômica e social, é exatamente este, definido por lei, inclusive. E não há, no caso de água –ou eletricidade, ou gás…- nenhuma discussão sobre se as três infraestruturas mencionadas deveriam ser muito melhor remuneradas porque uma fábrica de sorvetes adiciona alguns ingredientes e fórmulas [suas] às entregas [das três concessionárias…] e usa insumos de cada uma para fazer um sorvete que sai por R$100 o quilo. o sorvete em pauta usa água, gás e eletricidade e não tem que pagar nada mais do que as tarifas correspondentes às concessionárias. óbvio. Mas, para um certo grupo de operadoras de telecom, nada é óbvio. Exemplo? Sabe as aplicações? Pois é; quase todas geram e consomem dados, certo? Exato. Pra isso é que são aplicações em rede. Um número de teles resolveu chamar uma parte das aplicações de OTT [que usa conteúdo sobre a infra e talvez até serviços da tele]. E sabe porque OTT [ou over the top]? Pra classificar conteúdos e aplicações que fazem uso de infraestrutura não desejado pelas teles… como áudio, vídeo, tudo o que use muita banda e, mais recentemente, com a troca de SMS por sistemas como WhatsApp [por onde passam quase 30 bilhões de mensagens por dia], qualquer sistema de informação que use… dados. Como faceBook, twitter e quase tudo mais. Saiba que tem tele pensando em bloquear o que elas chamam de OTT, o que é uma besteira das grandes e, de resto, deve ser ilegal. Imagine se a água de suas torneiras lhe chegasse com restrições de uso, como só poder ser usada para escovar dentes caso uma taxa adicional fosse paga, pois este seria um uso de água com um valor agregado bem maior do que lavar as mãos. sem pagamento adicional… nada de escovação. que tal? Sem noção, certo? Pois há algo parecido rolando entre teles e provedores de serviços e sistemas de informação em rede e isso pode [até porque a ANATEL entende que não tem nada a ver com o assunto] por em risco, e risco grave, a neutralidade de rede, ou seja, a possibilidade de todos os sistemas terem a mesma performance para o usuário final, dependendo apenas da performance própria de cada serviço, sem intervenção de controle de fluxo de dados pela tele. [http://convergenciadigital.uol.com.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=35244&sid=51#.Um6DXbOCT1F] Por que?… Porque se eu [seu provedor], tele T1, faço um acordo de preferência de fluxo de dados com um serviço [S1…], meus usuários [como você] que usam outro serviço [S2…] certamente vão percebê-lo mais lento, talvez indisponível, às vezes, resultado? Privilegiando S1, eu estaria modificando os patamares de competição no mercado de sistemas de informação em rede, pois eles são habilitados pela rede que eu entrego [de um lado] a eles e [de outro] a você, meu usuário. É por isso que há um longo, confuso e difícil debate sobre neutralidade de rede. Se ela, neutralidade, não for garantida para um número muito grande de aspectos de funcionamento da infraestrutura e serviços… as aplicações privilegiadas pela falta de neutralidade [ou, no jargão das teles, por acordos over-the-top] irão competir de forma privilegiada e terão vantagens competitivas gigantescas em relação aos que estarão fora dos acordos. só pra você saber, este é o cenário dos sonhos para as teles: nele, um WhatsApp jamais chegaria onde chegou, porque, antes, teria que conversar com as teles. Imagine o cenário: Brian Acton e Jam Koum, fundadores de WhatsApp, explicando para o CEO de uma tele que seu serviço vai matar uma das galinhas dos ovos de ouro das teles, SMS. Quais são as chances da tele concordar em fazer um acordo OTT com WhatsApp ou similar? Antes, quais são as chances de um CEO de uma tele se reunir com um startup pra discutir qualquer coisa que venha a beneficiar o startup? Fora as exceções [como wayra, da telefonica], as chances são… bem, zero. Por isso que eu, você e todo mundo que usa serviços em rede e quer [hoje ou no futuro] fazer um tem que se ligar nos debates que estão acontecendo agora e nos acordos que já estão sendo assinados, há tempos, entre grandes e grandes demais. Uma rede aberta e neutra foi condição sine qua non para a destruição criativa que a internet causou nos últimos 20 anos, gerando um surto de criatividade, inovação e empreendedorismo sem igual nos últimos [pelo menos] 70 anos. É exatamente o que as teles querem parar, travando o que for possível, controlando o que der, pra garantir suas receitas e lucros, voltando ao topo da cadeia de valor como se –em um mundo em rede, na internet- fossem mais do que… tubos. O marco civil da internet pode ser votado esta semana. Taí uma coisa boa da gente acompanhar. Dependendo da versão que for aprovada, a sua, a minha, a nossa internet vai parecer muito com o vídeo abaixo. Tomara que não. *Silvio Meira é professor titular de engª de software do www.cin.ufpe.br, chief scientist do www.cesar.org.br, presidente do conselho do www.portodigital.org. Artigo publicado originalmente na Terra Magazine.
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