Vera Lúcia Perino Barbosa é especialista em nutrição materno-infantil pela Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo [UNIFESP/EPM], mestre em Ciência na Saúde pela mesma universidade e autora do livro Obesidade na Infância e na Adolescência - Exercício, Nutrição e Psicologia. Vera Lúcia é também idealizadora e presidente do Instituto Movere, criado em 2004 com o objetivo de prevenir e tratar crianças e adolescentes de baixa-renda, de 6 a 17 anos, com obesidade ou sobrepeso.De acordo com pesquisa divulgada pelo Ministério da Saúde, em abril de 2009 (veja enlaces ao final desta entrevista), 43,3% dos brasileiros adultos estão com excesso de peso. Desses, 13% são obesos. Os dados são referentes a 2008 e revelam o crescimento da obesidade no Brasil. Em 2007, o índice era de 12,9% e, em 2006, 11,4%.A obesidade atinge seis milhões de crianças e jovens brasileiros. Para Vera Lúcia é preciso encarar a obesidade como um problema grave de saúde pública que exige um trabalho estratégico elaborado por instituições públicas, escolas, profissionais de saúde e sociedade.Nesta entrevista, a especialista explica o trabalho do instituto, fala sobre causas e conseqüências da obesidade e destaca a importância do envolvimento familiar no tratamento da obesidade infantil. "Para ajudar seu filho a vencer o desafio do controle de peso, busque orientação e apoio, mas além disso, seja um modelo positivo nas suas atitudes, nos seus hábitos alimentares e nas suas atividades físicas."por Viviane GomesRets - Qual foi a motivação para se criar uma entidade que atua na prevenção e no combate à obesidade infantil?Vera Lúcia Perino Barbosa - Certamente, foi contribuir para melhorar a qualidade de vida de crianças e adolescentes com obesidade. Quando fiz minha especialização na UNIFESP atuei no ambulatório, trabalhando como agente estimulador, orientando os pacientes obesos a vivenciarem atividades motoras - até então desprezadas - e criando oportunidades de adoção de um novo modo de vida para eles. Lá, percebi que crianças e adolescentes com sobrepeso enfrentam sérias conseqüências orgânicas, sociais e emocionais. Já no instituto, tenho a felicidade de ver o progresso das crianças que fazem parte desse projeto. Todos aqui se emocionam quando recebemos relatos que contam como essas crianças conseguiram melhorar seu relacionamento na escola, na família e na vizinhança. Saber que o instituto contribuiu para a melhora da saúde física e mental delas é o que nos motivou e nos motiva a continuar esse trabalho.Rets - Qual é a importância do tratamento da obesidade infantil?Vera Lúcia Perino Barbosa - Atualmente em todo o mundo, mais de dois milhões de mortes estão associadas à inatividade física e à obesidade - uma vez que esses dois fatores contribuem com a incidência de doenças crônicas não-transmissíveis [DCNTs], tais como doenças cardiovasculares, cânceres e diabetes. Só essas doenças contribuem com quase 60% dessas mortes e a previsão é que em 2020 o índice suba para 73%.No Brasil, nos últimos 30 anos, observamos o rápido aumento da prevalência de sobrepeso e obesidade. Dados do IBGE de 2004 mostram que nesse período o número de adolescentes do sexo masculino acima do peso subiu de 4% para 18% e, em adolescentes do sexo feminino, subiu de 7,5% para 15,5%. Hoje, a obesidade atinge seis milhões de jovens brasileiros.Rets - É extremamente preocupante.Vera Lúcia Perino Barbosa - É sim. Esse aumento da prevalência de obesidade e sobrepeso na infância é preocupante porque crianças obesas apresentam maiores riscos de se tornarem adultos obesos, além de sofrerem com diversas condições mórbidas associadas, tais como: aumento da pressão arterial, doenças cardiovasculares, alterações ortopédicas e de mobilidade.Rets - Mas o que causa a obesidade?Vera Lúcia Perino Barbosa - Vários fatores são importantes na origem do acúmulo excessivo de gordura corporal. Basicamente, podemos separar em dois grandes grupos: internos (genéticos, fisiológicos e metabólicos) e externos (alimentares, psicológicos e os relacionados à prática de atividade física).Rets - Você poderia explicar melhor esses fatores?Vera Lúcia Perino Barbosa - Claro. Os genéticos se apresentam quando a criança possui uma predisposição genética à obesidade. Se numa família, os pais ou parentes apresentam obesidade, a chance da criança nascer com tendência a ser obesa é maior. Quando o peso dos pais é normal, há 7% de probabilidade dos filhos apresentarem obesidade; quando um dos pais é obeso, 40%; e quando ambos forem obesos é de 80%.Nos aspectos fisiológicos, temos o hipotireoidismo (quando a tireóide produz pouco hormônio e faz com que o corpo funcione lentamente e a conseqüência disso pode ser o sobrepeso) e a baixa produção do hormônio HGH (produzido pela hipófise, glândula localizada na base do cérebro; a baixa produção desse hormônio causa acúmulo de gordura no tronco e na barriga).Já os metabólicos estão relacionados à forma como o organismo de cada pessoa funciona. Por exemplo: há crianças que possuem um metabolismo que facilita o aumento de peso mesmo que ela coma pouco, e há outras que comem muito e não ganham peso. É importante lembrar que quando falamos de metabolismo, estamos nos referindo ao gasto energético, ou seja, à energia gasta pelo organismo para realizar todo tipo de atividade. Esse gasto é composto por: metabolismo basal, termogênese e atividade física. Desses componentes, o único que pode ser modificado é a atividade física. Assim, o objetivo aqui é aumentar o gasto energético.Rets - Mas não são apenas esses fatores que influenciam na obesidade, certo?Vera Lúcia Perino Barbosa - Certo. É fato que os fatores internos incidem seriamente na ocorrência da obesidade, mas estudos comprovam que mudanças nos padrões nutricionais e comportamentais relacionados a mudanças demográficas, socioeconômicas e epidemiológicas, ao longo do tempo, estão refletindo na redução progressiva da desnutrição e no aumento da obesidade.Rets - Esses são os fatores externos?Vera Lúcia Perino Barbosa - Sim. Nos alimentares, os tipos de alimentos, a forma de preparo, as preferências alimentares e a quantidade ingerida incidem no excesso de peso. Nos psicológicos, problemas emocionais podem levar a criança ou o adolescente a comer mais, usando o alimento como mecanismo de compensação ou defesa. Sobre atividade física, o estilo de vida sedentário leva à diminuição do gasto energético e como resultado temos o acúmulo de gordura corporal.Rets - Com tantos aspectos a serem analisados, como a criança começa suas atividades no Instituto Movere?Vera Lúcia Perino Barbosa - As crianças e os adolescentes chegam ao instituto por vários caminhos. Elas podem ser encaminhadas pelo conselho tutelar, por assistentes sociais, postos de saúde, escolas, hospitais etc. Há também casos de pais que não chegam de um encaminhamento, mas ligam para o instituto e marcam uma entrevista. Nessa entrevista, uma equipe multidisciplinar faz uma triagem e encaminha as crianças e os adolescentes para a Santa Casa para fazer os exames médicos. Depois, essa equipe - composta por profissionais de nutrição, psicologia e educação física - inicia, de fato, as atividades da criança no instituto.Rets - Que atividades são oferecidas?Vera Lúcia Perino Barbosa - A equipe constrói um programa de atividades, que respeita as características psicofísicas da criança, e um programa de exercícios, composto por práticas aeróbicas, exercícios resistidos, alongamentos e atividades lúdicas. Definimos a orientação nutricional, que envolve até aulas teóricas e práticas na cozinha experimental e, fechando o ciclo, são realizadas dinâmicas de grupo com uma psicóloga, uma vez por semana. Vale destacar que os pais também são atendidos pelo programa.Rets - E quais são os resultados obtidos?Vera Lúcia Perino Barbosa - Com essas atividades, em curto tempo, já observamos melhoras importantes nos riscos para a saúde dessas crianças e adolescentes. Percebemos melhoras nas taxas de colesterol, hipertensão, na composição corporal (com diminuição de gordura e aumento da massa magra), além de mudanças significativas no padrão de qualidade da alimentação tanto das crianças quanto de seus familiares e principalmente melhora da auto-estima.Rets - Quais são os principais programas do instituto?Vera Lúcia Perino Barbosa - O projeto Qualidade de Vida (Prevenção de Comorbidades e Melhoria da Qualidade de Vida em Crianças e Adolescentes Obesos de Baixa Renda) é o nosso carro-chefe. Ele vem sendo realizado há cinco anos, atendendo diretamente 220 crianças e adolescentes e suas famílias. Outro projeto importante é o Capacitação, voltado para a formação de profissionais da área de saúde e educação Estes profissionais são sensibilizados a mobilizar e conscientizar a comunidade sobre a importância da prevenção e do tratamento da obesidade infanto-juvenil por meio de diagnóstico precoce e com informações sobre as conseqüências da obesidade na saúde e na expectativa de vida das crianças.Temos também o projeto Personagens, que foi idealizado para facilitar a compreensão dos recursos disponíveis na elaboração de uma dieta saudável. Os bonecos Moverita e Moverito são feitos de pano e trazem uma pirâmide nutricional impressa nas costas - o que facilita a escolha dos alimentos que vão compor a dieta da criança.Rets - Sabemos que há outros projetos previstos para serem realizados este ano. Você pode falar sobre eles?Vera Lúcia Perino Barbosa - Claro. Conseguimos uma parceria com a Berkeley University, da Califórnia, que nos cedeu os direitos de reprodução de uma cartilha educativa, desenvolvida pela Dra. Joanne Ikeda, voltada para orientação dos pais sobre a obesidade. Contamos com o trabalho voluntário de diversos profissionais para traduzir, diagramar e ilustrar o material. Agora estamos buscando patrocínio para a impressão dessas cartilhas.Numa outra ponta, queremos reaplicar o projeto em comunidades de baixa renda e fazer mais campanhas de alerta contra a obesidade infantil. Primeiramente, pensamos em atingir a Zona Leste de São Paulo, por se tratar de uma região com bolsões de pobreza e com grande vulnerabilidade social, ampliando o acesso aos programas já consolidados a todas as pessoas que, direta ou indiretamente, possam vir a ser beneficiados.Com a campanha "Obesidade infantil é um peso que se leva para toda a vida", queremos sensibilizar as pessoas sobre os riscos inerentes a esta doença e mostrar como ela pode marcar uma pessoa desde a infância até a vida adulta. Essa campanha foi desenvolvida porque no dia a dia do instituto o que vemos são pais totalmente desinformados sobre a obesidade infantil, sem saber lidar com crianças que não querem ir para a escola devido ao excesso de peso, sem entender crianças com depressão, com baixa auto-estima e com problemas de saúde. Então, organizamos a campanha - elaborada e discutida exaustivamente com toda nossa equipe, com pais e profissionais de saúde e comunicação - totalmente voltada para os pais e cuidadores das crianças, destacando seu papel na criação da criança e do adolescente com obesidade ou sobrepeso.Rets - Além disso, o que se pode fazer para reverter esse panorama do crescimento das taxas de obesidade?Vera Lúcia Perino Barbosa - Antes de tudo, é preciso saber que a obesidade é um problema grave de saúde pública e que exige urgentemente um trabalho realmente estratégico, com ações pensadas pelo poder público, escolas, profissionais de saúde e sociedade.Quero acrescentar que crianças e famílias lidam com essa situação de formas diferentes: algumas fazem dela o foco de sua vida familiar e outras fingem que o problema não existe. Mas há duas verdades básicas para todas as famílias. Em primeiro lugar, os pais influenciam constantemente o relacionamento de seus filhos com os alimentos, com atividades físicas e com eles próprios. Em segundo lugar, o controle de peso é um problema familiar, que exige uma solução familiar. Para ajudar seu filho a vencer o desafio do controle de peso, busque orientação e apoio, mas além disso, seja um modelo positivo nas suas atitudes, nos seus hábitos alimentares e nas suas atividades físicas. Para mais informações:Instituto MovereVigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico, Vigitel 2008.
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