Em 2013, a Secretaria Geral da Presidência da República determinou como prioridade em seu planejamento anual a criação de uma Política Nacional de Educação Popular (PNEP). Três processos desenvolvidos pelo Departamento de Educação Popular e Mobilização da Secretaria formaram a proposta da PNEP. São eles: o diálogo com pesquisadores/as e estudiosos/as ligados à Educação Popular, a Articulação Governamental de Processos Formativo-Educativos e a Rede de Educação Cidadã (RECID), do qual faz parte Paulo Roberto Padilha.Representante do Conselho Diretor da Abong em São Paulo e diretor de desenvolvimento institucional do Instituto Paulo Freire, Padilha acredita que as discussões sobre experiências e implementações no âmbito da educação popular requerem intensa participação da sociedade civil. "Se buscamos, de fato, ter uma sociedade e um Estado democrático, a Educação Popular, nos termos aqui defendidos, é fundamental nesse processo", afirma.Abong - Pensando no Brasil, suas dimensões tanto sociopolíticas, quanto econômicas e culturais, como pode ser entendida – e onde pode ser encontrada – a Educação Popular, hoje?Padilha - Em recente proposta de Decreto Presidencial enviada à Casa Civil da Presidência da República visando à regulamentação de uma Política Nacional de Educação Popular no Brasil, o GT [Grupo de Trabalho] da Política Nacional de Educação Popular, coordenado pelo Departamento de Educação Popular e Mobilização Cidadã da Secretaria Nacional de Articulação Social da Secretaria Geral da Presidência da República, do qual faço parte representando, com outras organizações, a sociedade civil, ousamos sintetizar o complexo conceito de Educação Popular como “a educação que busca promover diferentes saberes e práticas em espaços de formação escolar e não escolar, pautada no compromisso com a diversidade cultural, os direitos humanos e a construção dialógica de conhecimentos, e que parte da realidade dos sujeitos e do protagonismo popular na busca da conscientização e transformação da realidade”. Trata-se, evidentemente, de uma proposta para que a educação popular que, na atualidade, acontece nos âmbitos e contextos populares – movimentos sociais, ONGs que neles tiveram origem, associações comunitárias e culturais, entre outros –, possa se fazer presente em todas as instâncias do território nacional onde acontece educação, seja no âmbito das formações oferecidas pelo Estado, em todos os escalões, seja na educação escolar, da Educação Infantil à Pós-Graduação, pública e privada. Evidentemente, esta é uma utopia, não no sentido de algo impossível, mas de um sonho a ser realizado. A vantagem disso seria encharcarmos todos os processos educacionais do saber popular, da cultura popular, o que daria uma qualidade sociocultural aos mesmos que hoje, infelizmente, ainda não temos. Como resultado, teríamos – e teremos – uma educação mais respeitosa à cultura e aos saberes de quem ensina e aprende, tornando-a mais humanizadora, mais inclusiva, mais emancipadora e, portanto, mais apropriada às necessidades da educação no mundo contemporâneo que, neste momento, se vê invadida pela lógica do mercado, da competição, da alienação e, portanto, da desigualdade social e da exclusão cultural.De que forma é possível incentivar reflexões e práticas voltadas a essa forma de educação?Há várias formas e instâncias de incentivo à Educação Popular. Uma delas é a iniciativa da própria criação da Política Nacional de Educação Popular, que, se aprovada no País, levará o Estado, como um todo, a considerar, nos seus campos específicos de atuação, a concepção da Educação Popular, valorizando, assim, a participação da sociedade civil e do campo popular na definição, na execução, na avaliação e no controle das políticas públicas. Para que isso aconteça, exigem-se processos de educação popular continuados em todas as instâncias governamentais. O Estado deverá aprender a lidar melhor com a sociedade civil e esta também qualificará a sua participação. Por outro lado, quando lutamos pela aprovação do Marco Regulatório da Sociedade Civil, para dar mais um exemplo, estamos também favorecendo novas experiências de Educação Popular, oportunizando o diálogo crítico, criativo, transparente e ético nas relações entre Estado e Sociedade Civil.E qual o papel da sociedade civil nesse processo?O papel da sociedade civil para o fortalecimento da Educação Popular dentro e fora da escola, bem como dentro e fora do Estado, é fundamental. É hora de arregaçarmos as mangas, de organizarmos as nossas experiências, de participarmos ativamente de encontros, fóruns, seminários e marchas. É passada a hora de nos mobilizarmos e de nos articularmos em torno de uma nova relação entre educação escolar e não escolar, o que antes chamávamos de educação formal e não formal, bem como entre Estado e Sociedade Civil. Se buscamos, de fato, ter uma sociedade e um Estado democrático, a Educação Popular, nos termos aqui defendidos, é fundamental nesse processo.Quais são os maiores empecilhos para estabelecer, no Brasil, processos alternativos de ensino e formação mais inclusivos?O próprio Estado brasileiro está fechado às ONGs. O campo popular, os movimentos sociais e as organizações não governamentais que, historicamente, defendem e praticam a educação humanizadora e emancipadora, têm perdido espaço, em nosso país, para a mercantilização da educação, que sobrevaloriza o econômico em detrimento do humano, como disse Paulo Freire. Queremos educar para outros mundos possíveis, o que significa fazê-lo para além da lógica do capital, como também falou István Mészáros, quando da abertura da quarta edição do FME, em Porto Alegre, em janeiro de 2005. A educação neoliberal continua excluindo e alienando, enquanto que a Educação Popular inclui e desaliena. São lógicas excludentes. Mudanças só virão se o próprio Estado brasileiro, motivado e cobrado pela própria sociedade, superar sua visão de Estado que, mesmo concordando, em parte, com a concepção da Educação Popular, dela se afasta quando falamos em financiamento da Educação Popular. Nesse sentido, as diferenças e as dificuldades afloram. Cabe-nos enfrentar todos estes desafios.A discussão sobre implementação da Educação Popular no país é antiga?Paulo Freire, no início dos anos 60, foi um dos grandes defensores da Educação Popular. Contribuiu para a sua fundamentação e prática. Mas retomar o esforço nacional da educação popular como educação do povo, significa considerarmos que ela se constituiu, historicamente, na experiência dos movimentos sociais no Brasil, sobretudo no início do século XX, num contexto de lutas de classes que tinham, dentro do sistema capitalista, a disputa de um projeto alternativo a este sistema. Mesmo sendo uma luta histórica, há muito que fazer para que ela de consolide no País como referência de processos educativos que humanizam e contribuem para a construção de outros mundos possíveis e de outras educações possíveis.No que consiste a proposta por uma Política de Educação Popular e o Marco de Referência? Como você avalia o que vem sendo feito até agora?O Marco de Referência da Educação Popular para as Políticas Públicas é resultado de um amplo processo de debates, diálogos e reflexões, a parir de diferentes práticas, do Governo Federal, de movimentos sociais, de universidades e de educadores/as populares e da educação formal do Brasil. Resultou de um amplo debate entre 2011 e 2014 coordenado pela Secretaria Geral da Presidência da República, por meio de seu Departamento de Educação Popular e Mobilização Cidadã/SNAS. Pode ser encontrado no sitewww.participa.br, que serviu também para o recebimento de diferentes contribuições por meio de duas consultas públicas realizadas em outubro de 2013, dezembro de 2013 e janeiro de 2014. Como o próprio nome o diz, este documento servirá como a referência inicial da discussão da Política Nacional de Educação Popular que queremos implantar no Brasil, seja no contexto das políticas públicas, seja no fortalecimento da educação dentro e fora das unidades educacionais.Como avalia a atuação do GT que acompanha a proposta e coordena a finalização do Marco? A sociedade civil realmente tem voz nesse espaço?Sim. A sociedade civil tem voz, cada vez mais. No entanto, esta voz tem sido historicamente silenciada pelas forças conservadoras da sociedade nacional e internacional, sob a égide do neoliberalismo que, por incrível que pareça, tem influenciado mesmo significativa parcela de governos e governantes que se autodeclaram populares. Cabe a toda a sociedade civil organizada recriar e ampliar os seus espaços de participação, conquistando novas esferas de representação democrática. Cabe a todos nós lutarmos sempre por mais democracia participativa e não mais, apenas, representativa. Cabe-nos reinventarmos espaços de ação e de luta. E é isso o que faz a Educação Popular: prepara-nos para atuarmos de forma mais consciente, ativa e participativa na construção de uma sociedade mais justa, mais humana, menos desigual, mais sustentável. Estas são importantes bandeiras da Educação Popular, que valoriza, respeita e convive com as diferenças e múltiplas semelhanças entre as pessoas, as organizações e as forças políticas da sociedade.A 3ª reunião do GT aconteceu dia 07 de março. Quais são as próximas ações?No dia 07 de abril de 2014, fizemos mais uma reunião do GT da Política Nacional de Educação Popular, em Brasília (DF), na qual discutimos o texto do Decreto que instituirá a PNEP, que deveria ser enviado à Casa Civil da Presidência da República, bem como encaminhamos providências para a realização, nos dias 21 e 22 de maio de 2014, em Brasília, do II Seminário da Política Nacional de Educação Popular, com o objetivo de avançarmos para a construção da Política Nacional de Educação Popular, bem como, fazer o lançamento oficial do Marco de Referência da Educação Popular para as Políticas Públicas. Todos e todas estão convidados para este importante momento deste processo. Mais um importante esforço coletivo para que fortaleçamos a Educação Popular no Brasil.Fonte: Abong
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