Um mês antes do jogo de abertura entre Brasil e Croácia no Itaquerão, a Secretaria de Segurança Pública do Rio de Janeiro anunciou com alarde que agentes do FBI estavam treinando a tropa de choque para conter protestos durante a Copa do Mundo. O gran finale do curso de “Controle de Distúrbios Civis”, ministrado para 27 policiais do choque e 13 policiais da CORE (unidade especial da polícia civil), guardas municipais e bombeiros foi uma demonstração à imprensa: um soldado representando um manifestante xingava uma pequena guarnição munida de escudos do choque, atirava a camiseta e o tênis sobre os homens, momento em que eles avançavam, cercavam e imobilizavam o “manifestante”. A simulação terminou com uma bomba de gás atirada no chão.O curso de 40 horas/aula, fruto de um convênio do governo do Rio com a embaixada dos EUA, tinha como temas gestão e controle de multidões, distúrbios civis, planejamento operacional, uso da força, relação com a mídia, uso da inteligência e de informações para auxiliar na identificação de possíveis atos e atores de vandalismo. “Em cima da Copa do Mundo, nós não vamos mudar o ‘modus operandi’”, disse o comandante do da Polícia Militar do Rio, André Luiz Araújo Vidal, no último dia do curso, 15 de maio. “O treinamento foi, sim, para um aprimoramento. Um bom profissional se faz em detalhes”.Com menor alarde, o mesmo curso foi oferecido à tropa de choque de São Paulo pouco depois, entre os dias 19 e 23 de maio, na sede do 3º Batalhão. Participaram 25 policiais militares e 25 policiais civis, numa parceria da Secretaria da Segurança Pública de São Paulo com a embaixada americana.O que passou quase despercebido foi que antes de ministrar esses cursos em Rio e São Paulo, essa mesma equipe do FBI de Chicago e Los Angeles circulou por Fortaleza e Brasília treinando profissionais na Academia Estadual de Segurança Pública do Estado do Ceará – onde treinaram PMs do Ceará, Rio Grande do Norte, Pernambuco, Bahia e Minas Gerais –e na Academia da Polícia Civil do Distrito Federal, de acordo com uma lista obtida pela Pública através de um Pedido de Acesso à Informação.A lista enviada pela Sesge (Secretaria Extraordinária de Segurança para Grandes Eventos) detalha o treinamento de 799 policiais brasileiros aqui e no exterior, em especial no Centro de Treinamento Regional em Lima, no Peru, e na Academia Internacional para Cumprimento da Lei (ILEA, da sigla em inglês), em El Salvador – ambos os centros são financiados pelo Departamento de Estado Americano. Outros 38 oficiais foram treinados em maio, totalizando 837. Todos os custos, incluindo viagens internacionais, são bancados pelos EUA.Dessa lista não constam os cursos realizados em parceria direta entre a embaixada americana e as secretarias de segurança estaduais – como aqueles realizados pelo FBI em São Paulo e no Rio de Janeiro.Os contemplados no documento são aqueles feitos em convênio da própria Sesge com a embaixada, dentro de um extenso programa de treinamento financiado pelo governo dos EUA para a Copa do Mundo e Olimpíadas.Desde 2012, o governo americano vem investido em treinamento policial para os megaeventos no Brasil – a um custo de US$ 2,2 milhões, segundo o jornal Folha de S Paulo. Um desses cursos, segundo revelou o jornal, foi realizado num centro de treinamento da Academi, novo nome da empresa militar privada Blackwater.Depois da onda de protestos que teve inicio em junho do ano passado, a embaixada tomou a iniciativa de oferecer o curso de “Contenção de Distúrbios” do FBI, com o objetivo de treinar policiais militares das forças especiais que ocupam cargos de comando para que eles se tornem multiplicadores, treinando seus parceiros em cada estado.Segundo o delegado Andrei Augusto Passos Rodrigues, que comanda a Secretaria Extraordinária de Segurança para Grandes Eventos (Sesge), órgão vinculado ao Ministério da Justiça, o programa prosseguiu sem alteração mesmo depois da tensão diplomática gerada pelas revelações de espionagem americana contra a presidente Dilma Rousseff.“Existe o que a gente chama de um ‘acordo macro’, um guarda chuva onde os cursos são ofertados, a gente faz a análise do interesse para Secretaria e para o evento, e se é [de interesse] a gente faz a indicação dos profissionais”, disse à Pública. “Nós não pedimos, não propusemos, não indicamos nenhum curso especifico. A organização, a dinâmica, os instrutores, o custeio, o local, é tudo a cargo do governo norteamericano”.Segundo ele, embora outras forças policiais tenham trocado experiências com os brasileiros, como o Reino Unido e a Alemanha, “o nosso grande parceiro na área de capacitação é a embaixada norte-americana”. E esclarece: “o que teve maior volume de ações, sem dúvida, foi os Estados Unidos”.Fonte: Agência Pública
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