Com pouco mais de um mês para as eleições do próximo dia 5 de outubro, movimentos e organizações da sociedade civil seguem se mobilizando na tentativa de incidir nas pautas eleitorais. Para o movimento feminista, um dos grandes objetivos é a luta por uma reforma política que amplie a presença das mulheres nos espaço de poder e a democracia participativa, para que as mulheres também possam protagonizar as principais decisões e mudanças do país.Para Sônia Coelho, coordenadora da Marcha Mundial das Mulheres, o atual processo eleitoral apresenta um setor conservador muito forte que tende a travar as discussões propostas pelo movimento, principalmente em relação a questões como o aborto. No entanto, existe uma intensa articulação entre ativistas, movimentos e organizações na busca por melhor representatividade que possa alterar esse cenário.No ano passado, diversos movimentos sociais entregaram um documento ao Congresso Nacional reivindicando paridade política. Hoje, as mulheres ainda representam mais de 50% da população, mas menos de 10% do Congresso Nacional. Segundo Sônia Coelho, a sub-representação das mulheres exige maior atenção nas campanhas eleitorais, considerando também o aperfeiçoamento geral de mecanismos de participação social. Para ela, não basta apenas compartilhar o poder entre homens e mulheres, mas aumentar a participação da mulher com uma perspectiva feminista e de classe.Em uma tentativa de dar visibilidade e combater a desigualdade de gêneros na política e nas instâncias de deliberação, a paranaense Sharon Caleffi criou a página “Vote numa Feminista”, no Facebook. Com mais de 10 mil seguidores até a publicação desta matéria, a página criada no final de junho reúne candidatas aos cargos de Deputada Estadual e Federal com o objetivo de incentivar a participação feminista no poder Legislativo, dando visibilidade às candidatas.Em entrevista ao Observatório da Sociedade Civil, Sharon Caleffi, integrante do coletivo feministaFemMaterna explica como surgiu a ideia de criar a página e qual a importância de ampliar a presença da mulher na política. “É preciso que o Estado atue no sentido de garantir direitos às mulheres – não só escrevê-los em papel, e de levar essa garantia de direitos aonde as mulheres estão – com recursos: delegacias, hospitais, profissionais especializados, com formação política. É papel do Estado diminuir as diferenças históricas de oportunidades que homens e mulheres tiveram e ainda tem no Brasil”, afirma a militante.Leia a entrevista completa com Sharon Caleffi abaixo:Observatório da Sociedade Civil – De onde surgiu a ideia de criar a página Vote numa Feminista? Qual o objetivo da página?Sharon Caleffi – A vontade de apoiar candidatas com pautas feministas nas eleições é antiga, minha e de várias colegas de militância em diversos grupos onde eu militei. Mas sempre houve algum tipo de discordância sobre um partido ou outro e os projetos eram adiados. Esse ano eu estava conversando com as colegas e tentando descobrir quais candidatas aqui do Paraná se declaravam feministas e tinham pautas pelos direitos das mulheres. Então veio o estalo de fazer uma página específica, que divulgasse as candidaturas de todas elas, independente de partido, desde que entre as principais bandeiras estivesse o direito das mulheres.O objetivo é aumentar a visibilidade das candidatas feministas, principalmente porque em muitos casos os partidos não têm essa visibilidade ou não apoiam as candidaturas das mulheres de forma efetiva. Levar a ideia de votar em uma mulher feminista para que ela lute pela efetivação dos direitos das mulheres nos espaços de poder às mulheres que não conhecem o feminismo. E, sim, tentar, quem sabe, ajudar a eleger alguma candidata. Toda mulher que se elege é um exemplo para que mais mulheres entrem na política e mudem o jeito de governar. Como é a seleção das candidatas e suas propostas? Vocês aceitam indicações ou partem de pesquisas próprias?Até o momento, trabalhamos apenas com indicações, porque é essencial que a candidata se declare feminista. Então é melhor que alguém que a conheça, o comitê ou ela própria se apresentem. Após a indicação, eu acesso o material online da candidata e vejo como ela apresenta as pautas das mulheres, se tem destaque e se o enfoque é a autonomia da mulher sobre si mesma. Não me surpreendi da maioria das candidatas ser de esquerda, porque o feminismo é, em geral, um movimento da esquerda. Principalmente porque é necessário investimento governamental para a garantia de direitos, delegacias, hospitais para parto humanizado e realização de aborto legal, creches, políticas públicas de participação popular: levar a política até a população. Tirar os direitos do papel e fazer com que façam parte do cotidiano das pessoas nunca foi uma prioridade da direita no Brasil. Então não é surpresa que não tenha candidatas de partidos de direita. Isso não impede que candidatas desses partidos se indiquem, mas, até agora, nenhuma veio. Qual a importância de ampliar a presença da mulher na política?Os efeitos de se ampliar a participação da mulher na política já estão começando a aparecer. O mandato da Dilma foi um marco. Mulheres atuaram como ministras, secretárias, foram responsáveis por organismos estatais importantes. Mostraram que podem ser boas governantes, boas representantes, tanto quanto os homens. E começaram a trabalhar em prol das mulheres. Eu acredito que o fato de mulheres serem votadas de forma expressiva, mesmo que por questões do processo eleitoral brasileiro não sejam eleitas, já é uma mudança significativa: as pessoas vão começar a ouvir mais as mulheres. E quanto mais mulheres eleitas, melhor. Sempre é bom ver uma mulher no comando político, pois são poucas. Elas enfrentam uma carga de críticas muito mais pesada que seus colegas homens e mesmo assim continuam trabalhando pela sociedade, acreditando que podem fazer a diferença na política. Cada mulher que sobe leva muitas com ela. Cada mulher que cumpre seu mandato no governo inspira mais mulheres. E eu acredito que, mesmo que o número de mulheres candidatas tenha aumentado recentemente apenas por conta da lei dos 30%, nós podemos chegar mais longe do que isso e um dia conseguirmos a paridade. Ou melhor, teremos 51% da representação. Mas então porque especificar “Vote numa feminista”? Porque as feministas, apesar das diferenças de opiniões e vertentes, compreendem que é necessário, sim, ajudar as mulheres a quebrar e transpor as barreiras impostas pelo patriarcado e pelo machismo. É preciso que o Estado atue no sentido de garantir direitos às mulheres – não só escrevê-los em papel, e de levar essa garantia de direitos onde as mulheres estão – com recursos: delegacias, hospitais, profissionais especializados, com formação política. É papel do Estado diminuir as diferenças históricas de oportunidades que homens e mulheres tiveram e ainda tem no Brasil. Outro motivo importante para a minha decisão de apoiar candidatas que se declaram abertamente feministas é a coragem de assumir uma posição ainda odiada e mal compreendida na nossa sociedade. Feministas ainda são vistas como as bruxas más. A sociedade talvez possa conceder voto a uma mulher que considere “correta”, “boa”, “disciplinada”. Mas votar em uma feminista, numa mulher que todos falam que é uma “bruxa”, uma “louca”, uma “destruidora de lares”, que “vai direto pro inferno”, nunca.Você tem ligação direta com o movimento feminista? Milita em alguma organização ou movimento específico?Sim, faço parte de um coletivo feminista centrado na maternidade, o FemMaterna, e de um grupo feminista na minha cidade, o Feministas das Araucárias. Qual a sua perspectiva de alcance da página no Facebook? Pretendem pautar diretamente as eleições?A página tem crescido todo dia e não sei onde pode chegar. Temos pessoas atingidas em todos os estados brasileiros, espero que mulheres de todo o Brasil estejam conhecendo as candidatas. Começamos hoje um espaço de entrevista e conversa e espero que aos poucos mais mulheres participem da página… e votem numa mulher – mesmo que não seja numa feminista, mas não num homem. Nós mulheres temos o poder de pautar as eleições sim – somos metade do eleitorado, se nos unirmos podemos colocar quem quisermos onde quisermos, mas fomos proibidas e desencorajadas de participar da política durante todo esse tempo. Mesmo sendo 52% do eleitorado, as mulheres nunca foram ouvidas no Brasil. A política sempre foi de homens para homens, as coisas das mulheres eram vistas como coisas de casa e não do mundo político. Houve e há muita injustiça devido a essa miopia na história da nossa democracia. Há pouco tempo as mulheres começaram a conquistar espaços e a efetivar seus direitos através de políticas públicas e distribuição de recursos. Eu acredito que só as mulheres conhecem a vida de mulher e só elas podem levar esse conhecimento para o governo de forma correta. Agora que estamos aprendendo como, quando, onde, falar sobre nossas lutas, não podemos deixar que tomem nosso espaço… Nós vamos falar mais sobre violência doméstica, violência obstétrica, machismo, abuso sexual, estupro, aborto. As eleições são uma época boa para tentarmos tornar assuntos “tabus” mais conhecidos e discutidos, para mostrar que sem o olhar atento para as questões das mulheres, não se é um país completo.Fonte: Observatório da Sociedade Civil
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