As sementes são recursos essenciais para a promoção da soberania alimentar e conservação da biodiversidade. Diante dos atuais cenários de mudanças globais, o desenvolvimento científico e tecnológico é fundamental para impulsionar a produção de sementes em quantidade, qualidade e diversidade. Nesse sentido, a Associação Brasileira de Tecnologia de Sementes (Abrates) promoveu o ‘XIX Congresso Brasileiro de Sementes’ em Foz do Iguaçu (PR), entre 14 e 17 de setembro. O evento tratou das sementes e da inovação tecnológica para sistemas de produção, contando com mais de 1400 participantes.Foram apresentados durante o Congresso relevantes saltos tecnológicos no setor, abrangendo sistemas de rastreabilidade, tecnologia de uso genético restrito, controle e padrões da qualidade. Porém, aplicáveis apenas à culturas como soja, algodão e milho. No âmbito das sementes florestais nativas, muitas questões de ciência básica ainda estão em pauta. Para tratar dessas especificidades, o evento também sediou o ‘VIII Simpósio Brasileiro de Tecnologia de Sementes Florestais’ com enfoque em políticas públicas e manejo na produção de sementes florestais.Para o pesquisador da Embrapa Agrossilvipastoril, Dr. Ingo Isernhagen, o déficit de restauração de 21 milhões de hectares no País sinaliza um mercado potencial para as sementes florestais. E, nesse sentido, muitos conhecimentos ainda precisam avançar. Muitos deles residem na ciência básica, como o entendimento sobre a fenologia das espécies florestais.O coordenador do Centro de Sementes Nativas do Amazonas, Manuel de Jesus V. L. Júnior, considera que há uma vasta carência de tecnologia para atender a demanda de pesquisa, produção e análise de sementes florestais. A necessidade por essas informações são elementares para o progresso do setor, desde a coleta até o armazenamento das sementes.Durante o Congresso foi lançada nova edição do livro ‘Sementes Florestais Tropicais: da ecologia à produção” – a primeira foi publicada em 1994. Esse vácuo na produção e divulgação científica demonstra que a ciência das sementes florestais tem avançado a passos vagarosos em contraponto com o drástico cenário das pressões da perda de biodiversidade. “Enquanto a soja tem tecnologia para revestir grão a grão, as sementes florestais não sabem ainda como germinar”, afirma a organizadora do livro, Fatima Piña-Rodrigues.Sementes florestais necessitam de políticas públicas efetivasAs discussões ganharam fôlego no painel de políticas públicas para as sementes florestais, coordenado por Rodrigo Junqueira, do Instituto Socioambiental (ISA). Uma das políticas públicas de maior expectativa para o setor está relacionada com o Plano Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa (Planaveg) do Ministério do Meio Ambiente (MMA). Esse mecanismo visa fomentar o apoio para atender às exigências de recuperação da vegetação nativa em um mínimo de 12,5 milhões de hectares ao longo dos próximos 20 anos, em resposta à necessidade de implementação da nova Lei Florestal Brasileira.Porém, há uma falta de sintonia entre programas governamentais e a cadeia produtiva. O Diretor do Departamento de Florestas do MMA, Carlos Scaramuzza, apontou a necessidade de um conjunto de ações para articular a produção de sementes florestais nativas. O apoio aos planos de negócios locais, inclusão dos contratos de extensão e implementação de sistemas interativos de mapeamento e rastreabilidade da cadeia produtiva, são algumas das indicações de Scaramuzza.“Para que os planos governamentais, como o Planaveg, sejam executados, é necessário um conjunto de programas, ações e atividades”, explicou o professor Antônio Higa. Ele destacou o papel do Programa Nacional de Produção de Sementes de Espécies Florestais (Pronem) para a garantia da qualidade genética das sementes. A adoção de sistemas de produção de sementes a partir de pomares de sementes em dendrozonas é a estratégia defendida por Higa.“O tamanho do desafio para produzir sementes florestais nativas de qualidade é monstruoso. Estamos falando de algo em torno de 5.000 toneladas de sementes em 20 anos, pensando apenas no plantio por mudas. Se não existir uma verdadeira vontade política e um conjunto de incentivos econômicos para essa produção, obviamente que a meta de restauração estabelecida não será alcançada nem de longe”, destaca Rodrigo Junqueira.Legislação nacional empurra produtores e coletores para a informalidadeDiante das exigências legais de análise da qualidade de sementes, Angélica Polenz, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), apresentou cenários alarmantes para o atendimento da Instrução Normativa (IN) 56/2011. De acordo com os dados apresentados não existe nenhum laboratório credenciado no Registro Nacional de Sementes e Mudas (Renasem) nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste do País.Essa realidade traz à tona a inviabilidade de atender as obrigações legais, que exigem que as sementes comercializadas acompanhem um boletim de análise de um laboratório credenciado. Questionada pelo público presente, Angélica Polenz assegurou que isso é reflexo da demanda, considerando que os laboratórios não demonstram interesse no credenciamento. Porém, há casos em que laboratórios estão há mais de cinco anos trabalhando para conseguir o credenciamento e até agora não obtiveram êxito, o que demonstra a morosidade para se adequar às normas legais.Para a pesquisadora do Instituto Florestal, Márcia Fligliolia, o cenário dos laboratórios é condicionado por outros fatores. Ela afirmou que as exigências para credenciamento requerem a aplicação de sistemas de qualidade, conforme a NBR ISO/IEC 17025. Esse fator já faz com que os custos de consultorias para adequação dos laboratórios sejam elevados, inviabilizando a expansão dos laboratórios pelo País.“É escandalosa essa realidade! Como podemos pensar em regularizar a produção de sementes florestais com esse cenário? Parece claro que a flexibilização, sobretudo da exigência da ISO 17025 para o credenciamento de laboratórios é um ponto fundamental a ser observado se quisermos uma produção de sementes florestais dentro da regra vigente. Não estamos falando de poucos, estamos falando de nenhum laboratório fora do eixo Sul-Sudeste!”, analisa Rodrigo Junqueira.Para Scaramuzza, um dos principais gargalos da legislação é considerar os mesmos requerimentos para as espécies exóticas e espécies nativas. As discussões evidenciaram a necessidade de revisão da IN-56/2011. Isso deveria ter acontecido em até dois anos após a sua publicação. Os representantes do MMA e Mapa presentes ao evento assumiram o compromisso de retomar o processo de revisão da IN ainda este ano convocando a comissão constituída para esse fim.Comitê Técnico de Sementes Florestais é renovadoAo longo do evento também ocorreu a sucessão da equipe que compõe o Comitê Técnico de Sementes Florestais, criado em 1984. Juntamente com a Abrates, o Comitê tem promovido o fomento à pesquisa e às políticas públicas no Brasil.A nova gestão tem a coordenação de Juliana Freira (Embrapa Agroecologia) e a vice-coordenação de Danilo Ignacio Urzedo (Rede de Sementes do Xingu). O Comitê também passa a contar com Geângelo Petene Calvi (Insdtituto Nacional de Pesquisas da Amazônia – Inpa) e João Paulo Ribeiro Oliveira (Ufac) no subcomitê técnico-científico; e com Eduardo Malta Campos Filho (ISA) no subcomitê de políticas institucionais.As principais linhas de ação envolverão contribuições para a adequação da IN-56, produção de informativos técnicos, organização de eventos e mapeamento nacional da cadeia de produção de sementes florestais.Fonte: Instituto Socioambiental
Theme by Danetsoft and Danang Probo Sayekti inspired by Maksimer