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PEC 241 vai congelar orçamento da Funai no fundo do poço

por Márcio Santilli*Falar em arrocho orçamentário na Fundação Nacional do Índio (Funai) é um lugar comum, pois o órgão jamais dispôs de recursos suficientes para desempenhar a contento suas competências legais e dar respostas às demandas dos índios. Nos seus melhores momentos, chegou a saldar dívidas acumuladas e recuperou alguma capacidade de investimento. Mas agora corre o risco de ver o seu orçamento congelado no pior patamar da história.A proposta orçamentária para 2016 enviada pela Funai ao Ministério da Justiça, no ano passado, requeria cerca de R$ 180 milhões para custeio e investimento (excetuada a folha de pagamentos) da sede e de 260 unidades espalhadas pelo país. Estão incluídos aí, entre outros, gastos com a identificação e demarcação das Terras Indígenas (TIs) (que correspondem hoje a 13% do território nacional); a análise do licenciamento ambiental de obras que afetam essas áreas (que recebe críticas de empresários e setores do governo pela suposta lentidão da concessão licenças); despesas administrativas em geral (pagamento de aluguéis, luz, água, diárias etc). A proposta que saiu do ministério e foi enviada ao Congresso, no entanto, previa apenas R$ 139 milhões. Não satisfeito, o parlamento promoveu novo corte, aprovando uma previsão de apenas R$ 116 milhões.No fim de setembro deste ano, estava autorizado o empenho de apenas R$ 107 milhões. A Funai solicitou uma suplementação orçamentária de pelo menos R$ 30 milhões, mas a resposta foi um novo corte de mais R$ 6 milhões. Se a imposição desse arrocho adicional se confirmar, a Funai deverá chegar ao final do ano com um déficit de cerca R$ 12 milhões para seu funcionamento.O cenário para o ano que vem também é grave. O orçamento para custeio e investimento proposto pelo governo é de R$ 110 milhões, mas análise feita pelo órgão indica que seriam necessários R$ 180,4 milhões para manter as atividades normalmente. Só para fiscalização das TIs seriam necessários R$ 24 milhões, mas estão sendo propostos apenas R$ 13,1 milhões, quase metade. A rubrica para a análise do licenciamento ambiental de obras que afetem as TIs precisaria de R$ 18,7 milhões, mas a perspectiva é de disponibilizar, no máximo, R$ 10,3 milhões. No caso das despesas administrativas em geral, o montante necessário é de R$ 101,4 milhões, mas a previsão é de apenas R$ 67,7 milhões.Os cortes não são isolados. Desde 2013, o orçamento do órgão indigenista vem caindo de forma significativa. O orçamento total previsto para 2017 representa uma queda de 43% em relação ao aprovado há quatro anos e é igual ao orçamento de 14 anos atrás (sem a correção da inflação do período).Ainda por cima, com a aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 241, que fixa um teto para os gastos da União, os quais só poderão aumentar na proporção da inflação nos próximos vinte anos, há uma tendência de congelamento orçamentário dos vários órgãos da administração. Essa medida, no entanto, deve afetá-los de forma diferenciada. No caso da Funai, a instituição do teto ocorre num momento de forte depressão orçamentária, projetando a situação atual de penúria por um longo período.O teto orçamentário instituído deverá acirrar disputas internas entre ministérios e órgãos por recursos, com a tendência de que políticos, empresários e segmentos da burocracia que dispõem de maior poder de pressão levem vantagem, fazendo com que órgãos mais desprezados pelas autoridades cheguem ao estrangulamento.Um exemplo bizarro está justamente na portaria do Ministério da Justiça que fixou os parâmetros do arrocho orçamentário para seus órgãos vinculados, deixando várias cláusulas que excepcionam a Polícia Federal e a Polícia Rodoviária Federal dos maiores impactos, mas desprotegendo completamente a Funai. Além da paralisação dos serviços, o órgão indigenista não terá como manter a maior parte da sua estrutura, o que deve causar grandes prejuízos aos índios, suscitando fortes reações.A penúria orçamentária inédita impossibilitará qualquer ação da Funai para atenuar a situação crítica de grupos indígenas que vivem em condições precárias e aguardam o reconhecimento oficial das suas terras. É mais do que provável a eclosão de conflitos diretos com proprietários de terras em algumas regiões, já que há situações graves que vêm tendo suas soluções postergadas há vários anos, constituindo um campo minado.O acirramento de conflitos envolvendo índios poderá comprometer ainda mais a imagem do país e os esforços para atrair recursos externos que ajudem a sua recuperação econômica. Que o governo depois não diga que não ouviu, agora, a tragédia sendo por ele mesmo anunciada.*Márcio Santili é sócio fundador do ISA e ex-presidente da FunaiFonte: Instituto Socioambiental

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