O movimento quilombola discutiu a implantação do Cadastro Ambiental Rural (CAR) nos territórios quilombolas, num seminário realizado, no fim de novembro, em Brasília, por iniciativa do ISA e da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq).As lideranças reunidas no evento criticaram o modo como o CAR está sendo feito nas comunidades. Um dos pontos mais polêmicos é o cadastramento individual, por família, ao invés de um coletivo, englobando todo o território tradicional. Quando oficializados pelo Estado, os títulos dos territórios quilombolas são coletivos, portanto, essas áreas não podem ser fracionadas em lotes individuais nem vendidas.“Para nós, é inadmissível cadastro individual e a gente tem que fazer o processo coletivo, tanto do cadastro ambiental quanto da regularização fundiária”, diz Ronaldo dos Santos, da coordenação da Conaq. “Todos nós temos convicção de que isso [o CAR] lá na frente vai cruzar com a questão da regularização fundiária e vai ser uma pedra no nosso sapato, porque vai ter um monte de cadastro quilombola individual espalhado no Brasil e isso pode abrir brecha no nosso território para grilagem”, adverte Santos.Antônio Bispo dos Santos, também da coordenação da Conaq, avalia que a realização de cadastros individuais “pode gerar um conflito interno” no futuro. “Isso também prejudica o processo de demarcação do território como um todo”, diz. De acordo com ele, como o CAR é autodeclaratório, a preocupação é que possíveis cadastros de terceiros incidentes nas áreas quilombolas possam ser validados caso os territórios não tenham seus perímetros cadastrados.No seminário, o diretor do Serviço Florestal Brasileiro (SFB), Raimundo Deusdará Filho, confirmou que os polígonos dos territórios quilombolas já titulados serão inseridos na base de dados do CAR, de modo a não permitir cadastros de terceiros sobrepostos aos territórios. A medida é prevista na legislação.Juliana Simões, secretária de Extrativismo e Desenvolvimento Rural Sustentável do Ministério do Meio Ambiente (MMA), que participou do seminário, informou que uma oficina será realizada, em fevereiro, para discutir o CAR e que a programação terá espaço para o tema das áreas de comunidades e povos tradicionais.“Nós, quilombolas, não somos contra o CAR. É uma ferramenta importante ambientalmente para ter uma dimensão a nível nacional de onde estão os territórios e quem são os principais desmatadores, mas tem que respeitar nossa autonomia e nossa diversidade”, destaca Denildo Rodrigues, conhecido como Biko, da Conaq.Os quilombolas também dizem que o cadastro deve abranger não só a área ocupada de uso direto das comunidades, mas todo o território declarado por elas. Exigem a consulta livre, prévia e informada para os processos que envolvam os territórios quilombolas, o que, segundo eles, até o momento, não está sendo respeitado. Outra exigência é a garantia de apoio técnico para o cadastramento, não só dos territórios quilombolas já titulados, mas também para aqueles que ainda aguardam reconhecimento oficial do Estado.SeminárioO Seminário Cadastro Ambiental Rural em Territórios Quilombolas contou, além de lideranças quilombolas, com instituições parceiras, pesquisadores e representantes do governo. O encontro serviu para o compartilhamento de experiências de cadastros em territórios quilombolas e para reflexões sobre a aplicação da lei. Os membros do governo ouviram as críticas reunidas no primeiro momento do evento.“Um grande avanço desse encontro é ter colocado quilombolas de vários estados para dialogar e para ver em que estágio eles se encontram atualmente e como tem sido executado o cadastro em seus territórios, olhando para os desafios de forma conjunta”, considera Ivy Wiens, assessora do ISA.O que é o CAR?O CAR é um instrumento criado pelo Código Florestal (lei 12.651/12) e tem o objetivo de criar um registro de todos os imóveis rurais no país. A finalidade é integrar as informações ambientais das propriedades em uma base de dados para viabilizar a regularização ambiental dos imóveis rurais e garantir o controle, monitoramento e combate ao desmatamento no Brasil. No CAR, é feito o registro dos dados sobre as áreas desmatadas, de Reserva Legal (RL), Preservação Permanente (APPs) e as que devem ser reflorestadas. Na semana passada, o governo anunciou a publicidade de quase todos os dados do cadastro.Fonte: Instituto Sociambiental
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