Nós, representantes de organizações da sociedade civil de todo o mundo presentes no 11º Fórum de Governança da Internet em Guadalajara, México, nos unimos para expressar nossa preocupação com as mudanças de políticas relacionadas ao acesso, governança e uso da Internet que têm ocorrido no Brasil este ano.Desde a primeira Cúpula Mundial sobre a Sociedade da Informação (CMSI/WSIS), em 2003, os defensores dos direitos digitais brasileiros têm participado ativamente do debate sobre governança da Internet, pressionando por mais participação e proteção dos direitos humanos no ambiente digital. O Brasil é o único país que acolheu duas edições do IGF (2007 e 2015), mostrando seu apoio à discussão aberta e multissetorial. É lamentável que, no IGF de 2016, a participação do governo brasileiro seja bastante restrita. O país que tem sido um exemplo está agora em risco de enfraquecer suas mais valiosas instituições dedicadas à governança da Internet: o Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) e a lei inovadora aprovada em 2014, o Marco Civil da Internet, ou MCI [1].O MCI foi resultado de um longo e democrático processo participativo [2] que teve como objetivo a criação de direitos fundamentais para o uso da Internet. A lei centrou-se na democratização do acesso à Internet, neutralidade da rede, liberdade de expressão, proteção dos dados pessoais e da privacidade. Baseou-se nos 10 Princípios para a Governança e Uso da Internet [3], promulgados pelo CGI.br em 2009, em um contexto de governança multissetorial.Devido às recentes mudanças políticas no país, a Internet aberta como a conhecemos está agora em risco. O atual governo, em uma transição de poder questionável [4], tem sido refratário ao debate democrático, apoiando um corpo conservador de representantes do Congresso que procura agir contra o que o MCI garante em termos de proteção dos direitos fundamentais na Internet [5]. Agora o Congresso está prestes a aprovar uma lei que representará um sério revés nas políticas de telecomunicações e resultará na perda da soberania do Estado sobre as redes de telecomunicações [6], comprometendo o propósito estabelecido pelo MCI de acesso universal e inclusão digital.Além disso, o governo federal anunciou que não desenvolverá políticas de acesso à Internet de banda larga e que "o mercado deve promover a expansão por conta própria". Esse novo paradigma de governança vai contra o atual quadro legal e regulatório do país, que reconhece o papel fundamental do Estado na universalização e democratização do acesso e do conhecimento.Neste contexto, o governo, em conjunto com a Agência Nacional de Telecomunicações, tem sido permissivo em relação a práticas comerciais discriminatórias, como permitir novos planos com limites de dados, bem como acordos anticoncorrenciais entre grandes provedores de acesso e grandes plataformas de serviços online.Desde 2015, foram apresentadas mais de duzentas propostas de alterações ao MCI [7]. Muitas delas enfraquecem princípios e direitos fundamentais como a neutralidade da rede, a não responsabilização dos intermediários no provimento de serviços de rede, a proteção de dados pessoais, a privacidade e a liberdade de expressão. Empurrando estas emendas propostas à lei são lobistas de forças políticas conservadoras e autoritárias assim como indústrias cujos interesses privados conflitam com o interesse público.Agora, em 2016, assistimos a ações políticas do Poder Executivo que ameaçam a governança multissetorial da Internet, mais especificamente o CGI.br. Os representantes do governo declararam abertamente que pretendem rever a representatividade e participação da sociedade civil na comissão [8].Vimos também decisões judiciais que determinam a remoção de aplicativos como o WhatsApp [9], quando a empresa é incapaz de fornecer dados e conteúdo sobre as pessoas investigadas pela polícia ou autoridades de investigação devido ao uso de criptografia. Várias ações judiciais relacionadas a tais derrubadas estão agora pendentes perante o Supremo Tribunal Federal.Estamos cientes de que a premiada coalizão brasileira chamada "Direitos na Rede" está lutando contra todas essas políticas, legais e regulatórias, e as mudanças que ameaçam os direitos civis [10]. Desejamos conscientizar o mundo sobre estes retrocessos e declarar nosso apoio à Coalizão Direitos na Rede [11].Também solicitamos ao governo brasileiro que tome medidas imediatas contra essas tentativas de limitar os direitos e princípios da Internet. Exortamos o governo brasileiro a promover, em vez disso, um ecossistema de Internet vibrante, onde a inclusão digital, os direitos humanos e a governabilidade democrática estejam entre suas mais altas prioridades.Guadalajara, 5 de dezembro de 2016.[Ver a lista de entidades que apoiam em https://direitosnarede.org.br/c/guadalajara-manifesto] Notas: [1] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l12965.htm[2] http://pensando.mj.gov.br/marcocivil[3] http://www.cgi.br/principios[4] https://theintercept.com/2016/05/23/new-political-earthquake-in-brazil-is-it-now-time-for-media-outlets-to-call-this-a-coup[5] https://www.theguardian.com/world/2016/may/13/brazil-dilma-rousseff-impeachment-michel-temer-cabinet[6] https://direitosnarede.org.br/p/nota-publica-pl3453-15[7] https://codingrights.gitlab.io/pls[8] https://medium.com/@cdr_br/o-ataque-%C3%A0-governan%C3%A7a-democr%C3%A1tica-da-internet-55d4c6ab8193#.3tcu01xg3[9] http://bloqueios.info/pt/linha-do-tempo[10] https://www.accessnow.org/third-annual-heroes-villains-human-rights-communications-surveillance[11] https://direitosnarede.org.br/p/declaracao-cdr
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