Nota: esta carta é uma iniciativa do grupo europeu NetCommons, coletivo sem fins de lucro que pretende estudar, apoiar e promover uma tendência emergente, serviços de comunicação em rede baseados na comunidade, que podem oferecer um complemento, ou mesmo uma alternativa sustentável, ao atual modelo dominante global da Internet. É dirigida aos formadores de políticas da União Europeia, e a publicamos aqui (em versão em português traduzida por Thiago Novaes) por conter muitos conceitos, propostas e informações comuns a iniciativas de redes comunitárias em todo o mundo. A carta original em inglês pode ser consultada aqui:http://netcommons.eu/?q=content/letter-eu-policy-makers-making-regulation-work-community-networksPREÂMBULONós representamos as Redes Comunitárias da Europa, um movimento crescente de organizações que operam infraestruturas de comunicação locais, por vezes federadas em nível regional ou nacional. Essas redes, a maioria das quais também fornece acesso à Internet global, é operada como um comum. Ou seja, ao invés de ser impulsionado por fins lucrativos, nosso foco principal é prover conectividade nos esforçando por uma governança democrática, inclusão social, educação e direitos humanos relacionados às tecnologias de comunicação.As nossas organizações variam consideravelmente em termos de tamanhos, tipos de infraestruturas de rede e culturas políticas. No entanto, apesar desta diversidade, estamos unidos com o objetivo comum de construir redes que atendam às necessidades de comunicação dos seres humanos (e não de objetos e máquinas), através de redes construídas e administradas por nossas comunidades para nossas comunidades, focadas em capacitação local, acessibilidade e resiliência.Hoje, provemos coletivamente conectividade de banda larga não só para dezenas de milhares de cidadãos e residentes europeus, mas também a organizações, incluindo pequenas e médias empresas, escolas, centros de saúde, projetos sociais e muitos mais. Em muitos casos, temos operadores fora do mainstream, que fornecem serviços mais baratos e conectividade mais rápida à Internet do que os operadores históricos. Graças à nossa infraestrutura e através de nossas diversas atividades, fomentamos experimentos científicos e de engenharia, ajudamos a hospedagem local e prestadores de serviços a se reunirem para mutualizar investimentos e compartilhar custos, e apoiamos a alfabetização digital e a soberania de dados através de oficinas e outras atividades educacionais.No entanto, apesar das nossas realizações, os decisores políticos em nível nacional e europeu até agora negligenciaram a nossa existência e as necessidades regulamentares específicas. Pior, a regulamentação muitas vezes dificulta nossas iniciativas, tornando o trabalho de nossos participantes e voluntários mais difícil do que deveria ser. É por isso que, ao começar a trabalhar num código europeu de comunicações eletrônicas, decidimos contactá-los e apresentar as nossas ideias e recomendações sobre o futuro do quadro legal e político que regulamenta as nossas atividades.1. Eliminação de encargos regulamentares e financeiros desnecessáriosEm primeiro lugar, solicitamos que os senhores revisem o quadro regulatório e se livrem dos encargos regulamentares desnecessários, como taxas ou burocracias que são desnecessárias ou ilegítimas quando impostas a pequenas entidades sem fins lucrativos. Na Bélgica, por exemplo, a taxa de inscrição que as operadoras de telecomunicações devem pagar à NRA é de 676 € para a primeira inscrição, mais 557 € a cada ano seguinte (para aqueles com receitas inferiores a 1M €, como acontece com muitas redes comunitárias). Mesmo essas taxas pequenas podem dificultar o crescimento de pequenas redes que atendem eficientemente a dezenas de famílias. Na França, Espanha e Alemanha, é gratuito, o que pode explicar por que o movimento das redes comunitárias é muito mais dinâmico nesses países. O código proposto para as comunicações eletrônicas visa harmonizar os procedimentos relativos às taxas de declaração (primeiro registro), bem como os encargos administrativos (taxas anuais). Os legisladores da UE devem assegurar que as taxas e encargos impostos pelas ARN nacionais sejam nulos ou insignificantes para os ISP sem fins lucrativos e para as micro e pequenas empresas. Da mesma forma, os impostos projetados para grandes empresas corporativas nos setores de telecomunicações não devem ser aplicados a operadores menores sem fins lucrativos.2. Livrar-se da responsabilidade civil quando compartilhar o acesso à InternetVárias leis procuram impedir o compartilhamento de ligações à Internet entre vários usuários , tornando as pessoas responsáveis (e potencialmente responsáveis) por toda a comunicação feita através da sua ligação Wi-Fi, criando riscos legais para as pessoas que compartilham a sua ligação. Na Alemanha, os detentores de direitos têm usado uma doutrina de "responsabilidade secundária" para reduzir o crescimento do movimento das redes comunitárias. Também na França, a lei dos direitos de autor impõe um regime de responsabilidade secundário que cria uma incerteza jurídica significativa para as pessoas que partilham as suas ligações de rede com outros usuários. O chamado "mero canal", inscrito na legislação da UE desde 2000 na diretiva sobre a sociedade da informação, tem de ser garantido e alargado aos pontos de acesso sem fios de pequena área. No mesmo espírito, devem ser proibidas cláusulas contratuais que proíbam aos assinantes o compartilhamento de suas conexões com outros. A promoção de um direito de compartilhar conexões à Internet é ainda mais importante considerando as crises econômicas e ecológicas, bem como o rápido aumento de populações que não têm acesso à Internet. Neste contexto, o compartilhamento de ligações pode desempenhar um papel fundamental na promoção de uma utilização mais equitativa e sustentável das infraestruturas de telecomunicações.3. Expandindo o espectro comumNão são apenas pontos de acesso sem fio à Internet que podem ser compartilhados, mas também a infraestrutura intangível na qual os sinais de rádio viajam. O Wi-Fi, como uma parcela não licenciada do espectro e, portanto, um patrimônio comum, é um trunfo fundamental para as redes comunitárias dispostas a criar infraestruturas acessíveis e flexíveis de última milha. No entanto, estas bandas de frequência Wi-Fi são atualmente muito limitadas. Não só estão ficando cada vez mais sujeitas a congestionamento em áreas densamente povoadas, mas também estão expostas a novos padrões técnicos que usam a chamada banda de freqüência ISM (como LTE-U) que prejudicam a confiabilidade das comunicações Wi-Fi. Por último, mas não menos importante, as bandas de frequência existentes para Wi-Fi (5,6 Ghz e 2,4 Ghz) têm restrições físicas que impedem que sejam utilizadas para ligações de rádio mais longas. Face a tais desafios, é necessária uma nova abordagem da política do espectro. Os formuladores de políticas devem expandir as bandas de Wi-Fi não licenciadas. Dois outros tipos de frequências deveriam ser disponibilizados quer num cenário não autorizado (cenário preferido) quer, se não possível, baseado em regimes de autorização flexíveis e acessíveis: chamados espaços em branco em frequências mais baixas (que permitem a utilização de redes de longa distância baratas e Links resistentes) e as bandas de 12Ghz e 60Ghz (para as quais o equipamento de rádio é acessível e que pode nos ajudar a construir links de rádio ponto-a-ponto de alta largura de banda). Uma vez tornadas acessíveis às redes comunitárias, estas bandas de frequências ajudarão estas redes a desenvolverem e expandirem infraestruturas sem fios baratas e resistentes.4. Atualização das regras de acesso aberto a infraestruturas de telecomunicaçõesAs redes construídas com o dinheiro dos contribuintes também devem ser tratadas como bens comuns e, como tais, permanecerem livres da captura corporativa. Hoje, a sua gestão e exploração é muitas vezes delegada pelas autoridades públicas aos operadores de redes empresariais. Essas entidades costumam adotar esquemas de preços agressivos projetados para os operadores históricos que tornam extremamente oneroso para pequenos provedores de acesso se interconectarem com essas redes. O acesso a estas redes de financiamento público para entidades sem fins lucrativos, como redes comunitárias e pequenas empresas, deve ser garantido a um custo razoável e proporcional. Da mesma forma, as redes comunitárias muitas vezes não podem ter acesso às infraestruturas locais privadas dos operadores históricos, apesar de serem a única forma de ligar os assinantes interessados. De fato, em muitos mercados europeus, a implantação de redes de fibra ótica está (re)criando condições monopolísticas nos circuitos locais através de esquemas de preços que impedem os pequenos atores de acessarem a essas redes privadas. Os formuladores de políticas e os reguladores devem assegurar que cada área seja coberta por pelo menos um operador de telecomunicações com uma oferta chamada "bitstream" acessível para pequenos agentes.5. Protegendo o software livre e a liberdade do usuário em equipamentos de rádioEm 2014, a União Europeia adoptou a Diretiva 2014/53 relativa aos equipamentos de rádio. Apesar de a diretiva prever objetivos de política sólidos, poderá mesmo prejudicar o desenvolvimento das redes comunitárias. Na verdade, as redes comunitárias geralmente precisam substituir o software incluído pelo fabricante em hardware de rádio com software livre e de código aberto especialmente projetado para atender às suas necessidades, um processo coletivo que melhora a segurança e incentiva a reciclagem de hardware, entre outros benefícios. O parágrafo 3º do artigo 3º da referida diretiva cria uma pressão legal para que os fabricantes de dispositivos de rádio garantam a conformidade do software embutido nestes dispositivos com o quadro regulamentar europeu. Como resultado, há um forte incentivo para os fabricantes para bloquear os seus dispositivos e evitar modificações de terceiros no hardware. Por conseguinte, solicitamos aos responsáveis políticos que prevejam uma exceção geral a todos os programas de software livre instalados em dispositivos de rádio por terceiros (sendo estes últimos responsáveis caso o seu software implique violações do quadro regulamentar), para salvaguardar os direitos dos utilizadores.6. Abolição das obrigações gerais de conservação de dadosAs redes comunitárias se esforçam por salvaguardar os direitos humanos nas redes de comunicação e, em particular, o direito à privacidade e à confidencialidade das comunicações. Embora saibamos as recentes decisões do Tribunal de Justiça da União Europeia segundo as quais a retenção indiscriminada de metadados viola a Carta dos Direitos Fundamentais, estamos preocupados com a disposição de vários Estados-Membros em contornarem estas decisões para proteger as capacidades de vigilância indiscriminada. À medida que os legisladores da UE começam a discutir a revisão da Diretiva de Privacidade e Comunicações Eletrônicas, pedimos-lhes que se oponham a quaisquer obrigações gerais de conservação de dados e cubram as lacunas existentes na legislação da UE para garantir que apenas possam ser impostas obrigações de retenção específicas e limitadas aos fornecedores de acesso e provimento.7. Fornecendo apoio público direto e direcionadoInúmeras outras iniciativas políticas podem ajudar a apoiar as redes comunitárias e os significativos benefícios que elas trazem, tais como pequenas subvenções, financiamento de multidões e subsídios para ajudar os nossos grupos a comprar servidores e equipamentos de rádio, comunicando-se com a sua iniciativa, dando-lhes acesso a infraestruturas públicas (por exemplo, o teto de um edifício público para instalar uma antena), mas também para apoiar suas pesquisas sobre transmissão de rádio, métodos de roteamento, software ou criptografia. Como muitas autoridades locais descobriram, apoiar as redes comunitárias é uma boa opção política. À medida que os legisladores da UE avançam na iniciativa WiFi4EU, gostaríamos de lembrar que fomos pioneiros em vários modelos de fornecimento de pontos de acesso público gratuitos. Acreditamos que o dinheiro público investido nessa iniciativa deva ser dirigido principalmente a grupos que buscam uma lógica de baixo para cima, semeando grupos locais que possam promover o empoderamento e a coesão das comunidades locais, fomentar a competição e atingir os mesmos objetivos de política em uma fração do custo que seria cobrado pelos principais operadores de telecomunicações.8. Abertura do processo de elaboração de políticas às redes comunitáriasEmbora tenhamos muitas vezes parceria com os municípios e as autoridades públicas locais, pedimos aos reguladores nacionais e europeus que prestem mais atenção às nossas atividades quando da elaboração da regulamentação. As redes comunitárias têm a competência e a legitimidade necessárias para serem parte integrante dos debates técnicos e jurídicos sobre a política de banda larga, em que os ISP tradicionais e comerciais estão sobre-representados. As redes comunitárias podem ter uma visão informada nesses debates, permitindo um processo de elaboração de políticas mais adaptado ao interesse público.
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