O governo federal começou a detalhar os cortes de cargos na Fundação Nacional do Índio (Funai). Servidores e as diferentes áreas do órgão, na sede em Brasília e nas Coordenações Regionais (CRs) em todo país, começaram a ser informados sobre a reestruturação.A lista com os cargos extintos e o nome dos servidores exonerados, no entanto, ainda não foi divulgada oficialmente. A expectativa é que ela venha a público a qualquer momento. A reportagem do ISA teve acesso ao documento antecipadamente e entrou em contato com algumas Coordenações Regionais (CRs) e lideranças indígenas para mapear e avaliar os impactos da medida em alguns locais (saiba mais na tabela abaixo).No dia 24/3 o presidente Michel Temer, os ministros da Justiça, Osmar Serraglio, e do Planejamento, Dyogo de Oliveira, publicaram um decreto que extinguiu 87 cargos comissionados, de 770 então existentes no órgão indigenista, quase 12% do total. Os escritórios regionais, as áreas responsáveis pelas demarcações e pela análise do licenciamento ambiental de obras que afetam as Terras Indígenas são os mais atingidos. Foram extintos 51 cargos de Coordenação Técnica Local (CTL), o que trará consequências negativas sobre a proteção desses territórios e o atendimento das populações indígenas. Os servidores com essas funções são os principais interlocutores das comunidades com o órgão indigenista.“[O corte de cargos] é muito preocupante, porque a Funai já vinha passando por dificuldades operacionais na ponta, onde estão nossos maiores usuários, que são os indígenas nas aldeias”, afirmou o presidente da instituição, Antônio Costa, em entrevista à BBC.Costa discutiu a situação no Ministério do Planejamento, hoje (7/4), e, segundo a assessoria do órgão indigenista, o detalhamento dos cortes ainda será fechado. Em seguida, ele anunciou, numa reunião com servidores, em Brasília, que teria conseguido do ministério a reposição de alguns cargos de Direção e Assessoramento Superiores (DAS) e a nomeação de 220 concursados, entre outras medidas para mitigar o impacto dos cortes (leia a nota da assessoria da Funai).A reestruturação atinge de forma desigual as diferentes coordenações do órgão e regiões. Outro problema é o remanejamento de cargos de locais mais próximos às aldeias para as sedes das CRs ou para áreas mais distantes, o que trará dificuldades para o atendimento. Também ainda não há informação sobre quando exatamente serão efetivados os servidores que vão ocupar funções que só poderão ser exercidas por concursados a partir de agora.Técnicos ouvidos pela reportagem ressaltam que também não há informações sobre o critério utilizado para realizar os cortes. Em muitos locais, há só um ou dois funcionários trabalhando. Nesses casos, a perda de um cargo pode significar a paralisação de atividades ou o fechamento de um escritório. Alto Rio NegroNa Coordenação Regional do Alto Rio Negro, no noroeste do Amazonas, de 22 cargos existentes, três foram extintos – dois não estavam ocupados, no entanto. Dois escritórios estão sendo fechados. Segundo servidores e lideranças indígenas ouvidos, embora eles não fossem ocupados permanentemente e funcionassem mais como bases de apoio, isso irá afetar as atividades.“As condições que a Coordenação Regional tem hoje já são insuficientes para os trabalhos e a complexidade da região. Os cortes nas CTLs praticamente inviabilizam várias ações. Temos uma grande preocupação em relação a tudo isso”, ressalta Marivelton Barroso, presidente da Federação das Organizações Indígenas do Alto Rio Negro (Foirn). A Foirn divulgou uma carta de repúdio à reestruturação da Funai.O atendimento a índios de recente contato – mais vulneráveis por causa das dificuldades com a língua e a cultura não indígenas – deverá ser prejudicado. O mesmo ocorrerá com a emissão de documentos, importante para o acesso a benefícios sociais, como a bolsa-família e aposentadoria. Ações de monitoramento e fiscalização das fronteiras também deverão de ser prejudicadas, fragilizando o território e a população indígenas diante da invasão de garimpeiros, madeireiros e pescadores ilegais.“Nossa maior preocupação é com o garimpo ilegal, que aumentou em número nos últimos três anos na Terra Indígena Yanomami [AM/RR]”, alerta Maurício Yekwana, da direção da Hutukara Associação Yanomami. Ele avalia que, com a perda de servidores da Funai, os danos provocados pelo garimpo – como o consumo de bebidas alcóolicas, a prostituição e violência – deverão aumentar. A Hutukara divulgou uma carta de repúdio contra os cortes na Funai.Iniciativas positivas dos Yanomami que contam com o apoio da Funai também devem ser prejudicadas, como o projeto de ecoturismo Yaripo, que pretender levar turistas ao Pico da Neblina.Há várias denúncias de exploração de trabalho escravo indígena na região de Barcelos e Santa Isabel e o órgão indigenista também terá dificuldades em apurar novas denúncias e verificar as recomendações de órgãos como o Ministério Público e o Ministério do Trabalho.RoraimaEm Roraima, a perda de cargos foi menor: de um total de 90 servidores, dois cargos foram extintos - um assessor técnico e um de CTL. O maior prejuízo é o fechamento do escritório que atendia ao povo Wai-wai, no sul do Estado. A comunidade sofre com as invasões de terras, de madeireiros ilegais e garimpeiros. O trabalho de emissão de documentos também deve piorar.Maurício Yekwana avalia que as atividades Funai em Roraima já estavam paralisadas, desde o ano passado, quando a instituição ficou por meses com um presidente interino. “Estamos vendo isso como um ponto negativo. Estamos preocupadíssimos”, afirma.O coordenador regional da Funai no Estado, Riley Barbosa Mendes, reforça que o impacto dos cortes é menor em Roraima. Ele reconhece, no entanto, que a situação já era ruim. “Nos últimos cinco ou seis anos, a instituição já vem sofrendo com essa diminuição de atividades, por causa até de aposentadorias. Vamos perdendo mão de obra aos poucos. Os concursos públicos não acompanham essa perda”, conta.XinguNa CR do Xingu, no Mato Grosso, dos 37 cargos disponíveis, dois foram extintos. A tendência é que o escritório de Sinop seja desativado. Sua implantação foi reivindicada durante anos pelas lideranças indígenas por causa das dificuldades de deslocamento dos indígenas que moram no oeste do Território Indígena do Xingu (TIX), na região de Sinop, até cidades como Canarana, no leste, onde há outro escritório.O escritório de Sinop transformou-se numa referência para vários grupos indígenas do norte do Mato Grosso e até do Pará para a emissão de documentos, acesso a benefícios sociais e atendimento de saúde. “Hoje, sabemos que esse escritório ajudou bastante para o acesso informações e o apoio às comunidades. O momento é assustador para a gente”, conta Wareaiup Kaiabi, secretário executivo da Associação Terra Indígena do Xingu (Atix). Ele informa que a organização também enviou uma carta ao presidente da Funai criticando os cortes e que está mobilizando as 16 etnias do TIX para reagir. Fonte: Instituto Socioambiental
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