Direito de transexuais mudarem seu gênero no registro civil sem a necessidade de realização de cirurgia de redesignação sexual estava na mesa do STF, mas julgamento foi adiado. Projetos de Lei não avançam no LegislativoPor Vitória Régia da Silva*Dandara Vital é travesti, vive no Rio de Janeiro e tem 36 anos – um a mais do que a expectativa de vida média de pessoas trans no Brasil, segundo levantamento do PNAD de 2013. Este ano, ela conseguiu na Justiça o direito de ter nome e sexo alterados no seu registro civil para refletir a identidade de gênero com a qual se identifica. Deu a “sorte”, em suas palavras, de seu processo ter caído nas mãos de um juiz que se sensibilizou com sua história de vida.Luca Hanie Alves, de 21 anos, mora em Goiânia e estuda Ciências Sociais, fugindo às estatísticas que ainda mostram as pessoas trans excluídas do Ensino Superior. Na carteira de identidade, ainda consta seu nome de nascimento. Sem ter passado por cirurgia de redesignação sexual, Luca aguarda o direito de ter seu nome social refletido em seus documentos. Um direito que, segundo ele, representa a dignidade de ser reconhecido como cidadão, mas que ainda está longe de ser realidade para a maioria das travestis e transexuais do país. “É urgente o direito de mudar nossos documentos de uma forma mais acessível. Pouparia vários processos de exclusão social. Porém, pelo andar da política, não há previsão de quando isso será real”, afirma.O direito à identidade de gênero é um dos mais importantes para o movimento trans brasileiro e depende da aprovação do Projeto de Lei 5002/2013, conhecido como “Lei João Nery”, que hoje está parado no Legislativo e no Judiciário, aguardando decisão do Supremo Tribunal Federal. Na última quinta-feira (20), o colegiado julgaria o RE 670.422/RS, de relatoria do Ministro Dias Toffoli, para decidir se transexuais podem ou não mudar nome e sexo no registro civil, independente de cirurgia de redesignação sexual. O julgamento foi adiado e será realizado em conjunto com a Ação Direta de Inconstitucionalidade 4275, de relatoria de Marco Aurélio, que versa sobre o mesmo direito. Ainda não há data para o novo julgamento.Para a advogada e professora de Direito Constitucional da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) Juliana Cesario Alvim Gomes, a tramitação das propostas que garantem os direitos das pessoas trans no legislativo nacional é lenta e algumas das pautas acabam nem chegando ao Judiciário. A principal barreira para a aprovação das leis é, segundo a especialista, falta de vontade política do Congresso. “Politicamente falta representatividade de pessoas trans e interesse das pessoas cis em apoiar a causa”, explica. “Não existe vontade política em avançar, mas isso não significa que os projetos existentes não serão aprovados algum dia”.Quem sente na pele os constrangimentos de não ter reconhecida sua identidade de gênero vê urgência na matéria. “É claro que existem outras demandas, as pessoas trans precisam lidar com violência, analfabetismo, desemprego. Mas a aprovação desta lei viria como uma forma de minimizar tudo isso”, afirma Dandara. E completa: “Hoje algumas repartições públicas têm portarias que asseguram o direito ao uso do nome social, mas quando chegamos lá lidamos com profissionais despreparados e transfóbicos. Ou seja, cumprem a portaria se quiserem. A aprovação de uma lei minimizaria esse tipo de constrangimento, traria as pessoas trans para o convívio social e mostraria que temos nossos direitos assegurados.”A proposta da “Lei João Nery” (PL 5002/2013), de autoria de Jean Wyllys ( PSOL – RJ) e Érika Kokay (PT-DF), está baseada principalmente na lei de identidade de gênero argentina (Ley 26.743), considerada a mais avançada do mundo. O projeto reconhece a identidade de gênero como um direito e estabelece claramente que a alteração legal do nome e do gênero na documentação pessoal não requer qualquer tipo de intervenção cirúrgica no corpo. A identidade de gênero autopercebida se torna um direito a ser exercido apenas com o consentimento legal expresso da pessoa interessada.Além disso, a proposta obriga o Sistema Único de Saúde (SUS) e os planos de saúde a custear tratamentos hormonais integrais e cirurgias de redesignação sexual a todos os interessados maiores de 18 anos, aos quais não será exigido nenhum tipo de diagnóstico, tratamento ou autorização judicial. Atualmente, uma portaria do Ministério da Saúde já prevê a realização do procedimento em hospitais públicos, mas o processo exige autorização psicológica.*Vitória Régia da Silva é jornalista e colaboradora da Gênero e Número.Fonte: Gênero e Número
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