Fonte: CBPFO mês de julho foi um ponto de inflexão no que diz respeito à atenção da sociedade em relação à ciência feita no Brasil. Infelizmente, não pelas muitas conquistas dessa cultura – já dita a mais importante do século 20 –, mas pela grave crise que ela enfrenta no momento no país. Os principais veículos de comunicação noticiaram o impacto do recente contingenciamento de 44% do orçamento do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), que, somado aos cortes que se acumularam nos últimos anos, coloca as unidades de pesquisa federais no patamar que estavam em 2005."Danos irreparáveis”, “cientistas horrorizados”, “situação crítica” e “economia burra” foram expressões que figuraram nas reportagens que descrevem o momento atual. A ameaça de paralisação das atividades por impossibilidade de pagar mesmo as despesas básicas – contas de luz e água, bem como salários de funcionários terceirizados – é uma realidade que pode se concretizar ainda em setembro. E, nesse caso, os danos seriam muitos e, possivelmente, irreparáveis. Cientes da gravidade da situação, os diretores das 19 unidades de pesquisa federais se uniram para buscar soluções. No seminário na ‘Frente Parlamentar de Ciência, Tecnologia, Pesquisa e Inovação’, realizado em 11 de julho, em Brasília, leram o ‘Manifesto dos 70 anos do mesón pi e os institutos de pesquisa no Brasil’. No documento, rememoram um momento em que a ciência foi prioridade para o Brasil e alertam: "a aplicação dos contingenciamentos aos atuais orçamentos dos institutos de pesquisa do MCTIC causará danos irrecuperáveis a instituições estratégicas, alijando o Estado brasileiro de instrumentos essenciais para qualquer movimento de recuperação de nossa economia.".Apenas um dia depois, o diretor do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), Ronald Cintra Shellard, discursava no plenário da Câmara dos Deputados, afirmando que, apesar dos grandes resultados alcançados pela pesquisa brasileira, a infraestrutura para sua realização é muito fraca: “Estamos ao ponto de descontinuar o trabalho”, lamentou.As redes sociais repercutiram o fato: apenas na página do CBPF, o discurso, feito em nome das 19 unidades de pesquisa federais, rapidamente contabilizou 60 mil pessoas alcançadas. Entidades ligadas à ciência, entre elas o CBPF, usaram #TodosPelaCiência para marcar postagens de conteúdos relacionados à política científica. A hashtag -- como é chamada esse tipo de palavra-chave -- refletia a busca de uma saída positiva para a crise e foi usada em 16 de julho, quando teve início, em Belo Horizonte, a 69ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), importante fórum de discussão dos rumos da ciência nacional. A data coincidiu com a exibição de uma grande reportagem na rede de televisão aberta mais assistida do país, denunciando, em horário nobre, a crise na ciência brasileira.Tristemente, a saída positiva para a crise não parece estar no horizonte próximo. Em 17 de julho passado, em reunião com representantes do MCTIC, os mesmos diretores das unidades de pesquisa solicitaram ao MCTIC R$ 70 milhões – o mínimo necessário para que as unidades continuem funcionando até o final do ano. Ouviram do representante que o ministério continua tentando a liberação das verbas.Mais recentemente, outros quase R$ 6 bilhões foram cortados do orçamento, e ainda não se sabe ao certo qual o impacto dessa nova medida sobre a pesquisa científica no país.Danos extensosExemplos dos danos que podem ocorrer caso os recursos não sejam liberados (ou descontingenciados) estão no próprio CBPF. A instituição abriga o servidor que conecta institutos de pesquisa e universidades, bem como órgãos públicos e privados do estado do Rio de Janeiro, à internet de alta velocidade. Hospitais; o supercomputador do Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC) – o mais rápido da América Latina –; o sistema de Hora Legal do Brasil – que se parar dificulta a operação de bancos –, do Observatório Nacional (ON); e o Programa Farmácia Popular, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Estes são serviços (alguns essenciais para a população) que poderiam ser afetados apenas pelo desligamento do serviço elétrico no CBPF.A pesquisa feita na instituição também seria enormemente prejudicada. Equipamentos usados para fazer ciência de ponta e adquiridos por valores que chegam a dois milhões de dólares correm o risco parar. Rubem Sommer, pesquisador titular do CBPF, resume a situação atual: “Temos tido mais sorte do que juízo. Não temos nenhum equipamento grande parado, mas a maior parte está sem contrato de manutenção e deve parar aos poucos a partir de agosto”, disse o físico experimental. No total, o preço dos equipamentos sob risco chega à casa de 10 milhões de dólares.Sommer ressalta que já faltam recursos para o material de consumo necessário para operação dos equipamentos e atendimento a seus usuários. No laboratório que ele coordena no CBPF, o Labnano, onde se estudam nanoestruturas, o déficit de recursos para compra de insumos já está em R$ 300 mil. “Se nada acontecer, começaremos a fazer um desligamento gradativo a partir do final de agosto”, disse.O Labnano (O Laboratório Multiusuário de Nanociência e Nanotecnologia) é um laboratório aberto, multiusuário, que atende à comunidade de ciência, tecnologia e inovação dessas áreas, sem custos para usuários acadêmicos. Corte linearUm dos grandes problemas da recente política do governo é o fato de os cortes terem sido feitos de forma linear, ou seja, sem diferenciação entre as áreas afetadas. Esse tipo de ação demonstra falta de visão estratégica, ao não priorizar as áreas que podem ajudar a alavancar a economia.“A política adotada pela equipe econômica do governo só pode ser classificada com um adjetivo: incompreensível”, enfatiza Shellard.As denúncias sobre a grave situação na qual se encontra a pesquisa feita no Brasil não podem ser taxadas de alarmistas: trata-se de uma realidade que precisa ser encarada com seriedade. A mínima manutenção da infraestrutura de pesquisa no país deve ser priorizada mesmo nesse momento de cortes, e toda a verba destinada à área de ciência, tecnologia e inovação encarada não como gasto, mas como investimento imprescindível para construção do caminho de recuperação econômica do país.----Aqui o manifesto das entidades científicas:http://portal.cbpf.br/noticia/manifesto-%E2%80%98os-70-anos-do-meson-pi-e-os-institutos-de-pesquisas-do-brasil%E2%80%99/1103
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