Do Clam - Neste 29 de janeiro, é comemorado o Dia da Visibilidade Travesti. Campanha na internet joga luz sobre um segmento da população que, a despeito de avanços em termos de políticas públicas, ainda enfrenta imensos obstáculos em áreas como saúde e educação. O Dia Nacional da Visibilidade Travesti, comemorado neste 29 de janeiro, ganhou um reforço e um rosto institucionais. Lideranças travestis se reuniram no início do mês para elaborar peças publicitárias sobre promoção da identidade e do respeito aos direitos deste segmento da população. O material produzido no encontro, encampado pelo Ministério da Saúde do Brasil, será distribuído por ocasião da data pelo Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais.As ações a serem promovidas envolvem a distribuição de ringtones para celulares, cartões postais, cartazes e vídeos na internet.A iniciativa ocorre na esteira de um momento em que as travestis procuram ampliar e assegurar direitos que, ainda hoje, não estão plenamente ao seu alcance. Os serviços de saúde e educação, por exemplo, são prerrogativas cujo acesso impõe dificuldades a uma comunidade particularmente sujeita a preconceito e violências de todo tipo, notadamente nos âmbitos institucionais. Perante esse panorama, a mobilização travesti tem sido exemplar tanto em termos de protesto e demandas concretas no âmbito legislativo e judiciário, quanto de articulação com outros movimentos sociais e instâncias governo.A portaria 1.707, emitida em 2008 pelo governo federal, que estabeleceu o processo de transexualização no Sistema Único de Saúde (SUS), excluiu as travestis do escopo da iniciativa. Segundo Tatiana Lionço, pesquisadora da Anis (Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero) e secretária-executiva entre 2005 e 2007 do Comitê Técnico Saúde da População LGBT do Ministério da Saúde, a não inclusão das travestis nesta política reflete o jogo de forças e disputas que atravessaram o processo de construção da norma.Tatiana Lionço lembra que a inclusão das travestis na assistência à saúde neste caso é um tema complexo, pois esbarra em restrições da resolução do CFM: profissionais que intervêm sobre alterações corporais em indivíduos não diagnosticados como transexuais são enquadrados como criminosos pelo Código Penal. A portaria 1.707 impede a assistência às modificações corporais do sexo de travestis. A resolução 1.652/02 do Conselho Federal de Medicina (CFM), que norteou as discussões, desconsidera a legitimidade de assistência às modificações corporais do sexo de travestis, sob a justificativa de que tais mudanças não restituiriam “normalidade”, mas sim produziriam “anormalidade”.“No entanto, acredito que uma ampliação da concepção da política de redução de danos, já adotada em relação ao uso de drogas, possa ser uma brecha para a conquista do direito à assistência à saúde em casos de hormonização e uso de silicone, que podem ser compreendidos como tóxicos, e seu uso social considerado como questão de saúde pública”, afirma.Entre os meses de agosto de 2009 e janeiro deste ano, o Ambulatório de Saúde Integral para Travestis e Transexuais de São Paulo atendeu 73 pacientes vítimas do uso de silicone industrial, impróprio para pessoas.A pesquisadora da Anis enfatiza que o ambulatório em São Paulo – existe outro da mesma natureza em Uberlândia – avança em um ponto importante: não condiciona o acesso das travestis à necessidade de um diagnóstico médico. “É uma inovação, por parte do ambulatório de São Paulo, a assistência sobre efeitos danosos do uso do silicone industrial, que consiste em uma prática corrente e social entre as travestis para realizarem suas modificações corporais. O discurso corrente é o de que essa não seria uma questão de saúde pública, mas uma questão criminal, já que a prática de ‘bombar’ com silicone industrial, realizada pelas próprias travestis, seria um ato criminal de lesão corporal. A questão é que essa prática é bastante disseminada entre essa população”, observa, comparando a culpabilização pela qual passam as travestis à que ocorre com as mulheres que tentam ou praticam aborto e chegam ao hospital estigmatizadas, muitas vezes não sendo atendidas.Apesar da resistência moral que continuamente dificulta a igualdade de direitos para as travestis, Tatiana Lionço ressalta que, no Brasil, já se conseguiu formalizar o reconhecimento da condição de vulnerabilidade das travestis. Os desafios ainda persistem, entretanto: as políticas públicas estabelecidas para essa população, como o Plano de Enfrentamento de AIDS e DST para Gays, HSH e Travestis, priorizam como senha de acesso a estes serviços questões relativas à mudança de sexo e ao enfrentamento de doenças sexualmente transmissíveis. “São questões importantes de saúde, sem dúvida, mas que não alcançam a integralidade da assistência à saúde dessa população”, completa.No campo da educação, predomina uma lógica de exclusão que leva, frequentemente, à evasão escolar. Afastadas do ensino, as travestis acumulam mais dificuldades. “A evasão escolar é um dos problemas mais urgentes, que tem como conseqüência a precarização do acesso a outros bens públicos, tais como oportunidades profissionais, informação sobre saúde etc.”, explica Tatiana Lionço.Com as alternativas profissionais comprometidas, muitas delas buscam meios de sobreviver através da prostituição. Neste contexto, a implantação em Campinas de uma escola LGBT adquire uma importante função simbólica, segundo a pesquisadora da Anis. De acordo com Tatiana Lionço, a iniciativa, no entanto, não deve ser encarada como um modelo para replicação, pois geraria uma lógica segregadora e marginalizadora.“A experiência de Campinas deve servir mais para dar visibilidade a esse debate do que como modelo de intervenção, pois o que o país precisa é democratizar o acesso às escolas para todas as pessoas, sejam elas quem forem”, argumenta.Com avanços encaminhados e desafios ainda a serem enfrentados, a população das travestis terá, no início deste ano, mais uma oportunidade para consolidar na agenda pública suas demandas por equidade de direitos. “É fundamental que se criem estratégias de comunicação que chamem ao reconhecimento o status de cidadania dessas pessoas. Essas campanhas são peças-chave para provocar debate e romper com o discurso cotidiano e hegemônico de violação a seus direitos humanos básicos, tais como dignidade, liberdades individuais e direito à livre associação”, conclui.
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