Reportagem atualizada em 10/10/2017, às 12h10. Veja errata no fim da reportagemRuralistas querem aprovar um projeto, no Congresso, que prevê a extinção automática de Unidades de Conservação (UCs) caso o governo não indenize, em cinco anos, propriedades privadas sobrepostas a essas áreas. A proposta ameaça a criação de novos parques e reservas por causa do orçamento público cronicamente baixo para a área ambiental. Hoje, não há prazo para a desapropriação dos proprietários com terras em UCs.Como o projeto não define um corte temporal, UCs já criadas também correm risco. Assim, quase 2,9 milhões de hectares de áreas protegidas federais ainda não regularizados, com terras privadas sobrepostas, estão ameaçados – um território maior que o de Alagoas. De acordo com o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), dos quase 80 milhões de hectares de UCs federais, apenas 3,3 milhões, ou 5% do total, são de terras privadas. Destes, 13% já estariam regularizados. Não há dados consolidados sobre as áreas estaduais.O PL 3.751/2015 pode ser votado na Comissão de Finanças e Tributação (CFT), na manhã desta terça (10/10). Ele já passou pela Comissão de Meio Ambiente. Se for aprovado na CFT, segue para a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e, se tiver o mesmo destino lá, vai direto para o Senado, porque tramita em caráter “conclusivo”. A proposta pode ir ao plenário da Câmara, mas precisa de um requerimento apoiado por pelo menos 51 parlamentares.Inversão de prioridadesO MMA não participou das negociações em torno do PL. O ministério e ambientalistas são contra o projeto porque sua aprovação significaria uma inversão errônea de prioridades, ao privilegiar a indenização dos proprietários em detrimento das áreas protegidas. Lembram ainda que, de acordo com a legislação, apenas uma lei específica poderia prever a desconstituição de uma UC determinada. Além disso, o próprio Congresso poderia resolver o problema das indenizações, já que elabora o orçamento federal.“Somos favoráveis a mecanismos que obriguem a regularização fundiária. O que não aceitamos é que se use esse argumento para se colocar em risco a existência das UCs”, diz o deputado Alessandro Molon (Rede-RJ), que negocia um texto alternativo. Ele busca retirar do projeto o dispositivo que prevê a extinção automática das áreas protegidas.O Ministério Público Federal (MPF) também é contra o PL. “[Se aprovado], hoje, um projeto como esse seria catastrófico. Teríamos um retrocesso enorme na proteção ambiental em todo país”, alerta o procurador da República Daniel Azeredo, secretário executivo da 4ª Câmara do MPF, de proteção do meio ambiente e patrimônio cultural.“O particular que eventualmente seja lesado por não ter sua área desapropriada tem o direito à justa indenização. Isso deve ser buscado, mas a Constituição não permite que a consequência seja a não proteção da UC”, conclui. Azeredo afirma que, por ser explicitamente inconstitucional, o projeto deve ser questionado no Supremo Tribunal Federal (STF).Ele defende a criação de uma força-tarefa para comprovar o direito à indenização de quem tem áreas em UCs. O procurador lembra que principalmente na Amazônia há muitos ocupantes ilegais nas áreas protegidas. Azeredo também cobra que o governo disponibilize recursos para as desapropriações.“O projeto representa a maior ameaça legislativa às UCs. Ele coloca em risco todo o Sistema Nacional de Unidades de Conservação”, reforça o advogado do ISA Maurício Guetta. “Estamos certos de que podemos encontrar uma solução que efetive as indenizações sem ameaçar as UCs”, aposta.O combate ao desmatamento é uma das principais funções dessas áreas. Uma nota técnica do ISA contra o projeto lembra que, enquanto 22% da cobertura original de floresta na Amazônia já foi devastada, a extensão desmatada dentro de UCs é de cerca de 2%. Ainda segundo a nota, além de ter várias inconstitucionalidades, o PL 3.751 coloca em risco os compromissos acordados pelo Brasil na Conferência do Clima e na legislação nacional de combater o desmatamento. O país comprometeu-se a reduzir o desflorestamento na Amazônia à marca de 3,9 mil quilômetros quadrados, em 2020, e de zerar as derrubadas ilegais, até 2030.Autor e relatorO autor do PL é o deputado Toninho Pinheiro (PP-MG) e o relator na CFT é Alfredo Kaefer (PSL-PR). Kaefer acredita que a aprovação do projeto forçará o Estado a disponibilizar os recursos para as indenizações. “O governo tem de ser mais cauteloso. Não é chegar [e dizer]: ‘faço as desapropriações, depois vejo como paga’”, reclama. “Se não tem previsibilidade orçamentária, não faça a desapropriação. O que não pode é um cidadão legitimamente proprietário de uma determinada área, de um patrimônio, sofrer a desapropriação, o governo se apropriar desse bem e a desapropriação ficar ao deus-dará”, afirma.O deputado diz que está aberto a negociações e que poderia retirar de seu parecer a previsão de extinção total de uma UC: no caso das indenizações não serem pagas, ela seria revogada apenas no trecho desapropriado, sobreposto à área privada.Kaefer é um dos principais defensores de Michel Temer no Congresso. Em 2014, era o deputado federal com o maior patrimônio: R$ 108,5 milhões. Ele é dono de 22 empresas no Paraná, várias em situação de falência, com dívidas com a União que chegam aos R$ 53 milhões. A principal firma do conglomerado é o Diplomata, um dos maiores abatedouros de aves do país.Kaefer responde a seis inquéritos e a uma ação penal no STF. É acusado de crimes falimentares, contra o sistema financeiro, a ordem tributária, o patrimônio, a administração em geral e de formação de quadrilha. É suspeito de tentar dar calote em credores e fazer manobras contábeis no patrimônio familiar com o objetivo de salvar bens empenhados judicialmente, conforme o site Congresso em Foco e a revista Piauí. Segundo reportagens dos principais jornais do país, o parlamentar foi um dos articuladores das mudanças no projeto do novo programa de refinanciamento de dívidas com a União (Refis) e seria pessoalmente beneficiado pela medida.Toninho Pinheiro também assina outros projetos que colocam em risco o meio ambiente, como o 1.299/2015, que reduz as zonas de amortecimento das UCs. Ele é alvo de dois inquéritos no STF, acusado de peculato e crimes contra a lei de licitações. A assessoria do parlamentar não retornou o pedido de entrevista até o fechamento da reportagem.ErrataNa verdade, o percentual de floresta desmatada em toda a Amazônia é de 22% e o percentual desmatado dentro de UCs é de cerca de 2%; e não de 21% e 0,05%, respectivamente, como divulgamos originalmenteFonte: Instituto Socioambiental
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