Autor original: Paulo Henrique Lima
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Há um aspecto do Projeto de Lei do novo Código Florestal que precisa ser observado. As premissas do projeto do Deputado Michelleto são as mesmas do Free Logging Agreement (FLA), o acordo de livre desmatamento que está sendo discutido na Organização Mundial do Comércio (OMC). Tanto o PL de Michelleto, que ainda tramita no Congresso, quanto o FLA garantem liberdade , e eventualmente até incentivo, para o desmatamento da última grande região de floresta tropical contínua do planeta, a região amazônica, além de todas as demais áreas florestadas.
A eventual aprovação do PL seria a senha para que se instalassem de vez e operassem integralmente no Brasil as madeireiras asiáticas, estadunidenses, canadenses e norueguesas, que possuem abundância de capital e tecnologia de ponta em questões de desmatamento. Funcionando aqui, essas madeireiras seriam consideradas empresas brasileiras e passariam a fazer jus de financiamento do BNDES para o suporte às suas atividades.
A liberação de recursos oficiais para o desmatamento é uma idéia possível porque, no primeiro mandato do Presidente Fernando Henrique Cardoso, o Congresso de maioria governista mudou o conceito de empresa brasileira de capital nacional. Na prática, atualmente, só existem empresas brasileiras, e para alcançar essa condição basta que uma companhia estrangeira abra um escritório aqui. O passo seguinte seria requisitar os fundos do BNDES para financiar a derrubada das florestas nacionais.
Parece absurdo imaginar que no futuro bem próximo o desmatamento em larguíssima escala e velocidade seja um dos projetos que conte com o apoio dessa agência governamental. Mas, para um banco que já comete outros absurdos, como financiar a compra de estatais brasileiras por parte de empresas estrangeiras, a opção pelo anti-ecologismo não pode ser desprezada.
Como o Acordo previa a liberação absoluta de todos os mercados nacionais, em todos os setores da economia, angariou muita oposição internacional, principalmente do governo de Jospin na França, e terminou abortado na OCDE. A alternativa encontrada pelos países que o defendiam (liderados pelos Estados Unidos de Bill Clinton e seu projeto de lei conhecido por "fast track") foi dividir o AMI em vários acordos setoriais que reproduzissem seu espírito e tentar aprová-los todos ao mesmo tempo na OMC, onde os países do G-7 quase sempre fazem valer seus pontos de vista.
Muitas outras medidas que constavam do AMI/OCDE vêm sendo aprovadas no Brasil desde 1994, sempre com o empenho da maioria governista no Congresso. Entre essas medidas estão a própria mudança do conceito de empresa brasileira de capital nacional, o fim dos monopólios estatais nos setores de telecomunicações e energia, a abertura da navegação de cabotagem a navios estrangeiros e a aprovação de uma lei sobre a propriedade intelectual (conhecida por Lei de Patentes) que privilegiou os interesses das megacorporações internacionais do complexo agro-químico-fármaco-biotecnológico, a maior parte delas sediadas nos Estados Unidos. Essas legislações integram a lógica de abertura indiscriminada e de desregulamentação absoluta dos mercados nacionais, constantes no AMI/OCDE.
Todo esse histórico de decisões a favor do adeqüação Brasil ao status quo da economia internacional mostra que será muito difícil o Presidente da República vetar a Lei de desmatamento, caso ela seja aprovada nos Plenários da Câmara e do Senado, ou exigir empenho nesse sentido de sua bancada no Congresso. Se o presidente tomasse essa decisão, estaria revendo o acordo que fez com a bancada ruralista, que aprovou o projeto de Michelleto em troca do apoio ao salário mínimo de R$ 151, e contrariaria sua estratégia internacional, de amoldar o governo do Brasil ao que ele considera como as exigências do cenário internacional liberalizado. Pelo menos até hoje, o presidente não deu qualquer sinal de que pretende mudar de estratégia.
* Carlos Tautz é jornalista no Rio de Janeiro
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