Autor original: Maurício Jun Handa
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Aprimorar projetos sociais que utilizam o teatro como uma ferramenta de construção da cidadania. Esse é o objetivo da conferência internacional Mudança de Cena II, que será realizada entre 20 e 22 de setembro, na Universidade Federal de Pernambuco. O evento enfocará principalmente os projetos voltados para o sistema penitenciário, uma vez que a Secretaria de Justiça de Pernambuco demonstrou interesse no assunto, unindo-se ao Conselho Britânico para apoiar a iniciativa. A conferência está sendo organizada pelo diretor de teatro inglês, Paul Heritage, que desde a disseminação da Aids vem desenvolvendo um trabalho teatral de conscientização entre os homossexuais. A proposta de trabalho de Paul é apoiada nas técnicas do Teatro do Oprimido, de Augusto Boal. Mais informações na entrevista a seguir, com Paul Heritage.
Como surgiu a idéia de realizar o evento?
Estou realizando projetos sociais com teatro no Brasil desde 92, principalmente nas prisões. Percebi que o Brasil tem muitos projetos maravilhosos e aprendi muito neste país, mas também vi que muitos programas têm pouco impacto devido a falta de comunicação entre artistas e as agências de desenvolvimento. Sugeri ao Conselho Britânico que fosse realizada uma série de eventos para aumentar o diálogo entre os dois lados.
Quais os objetivos gerais do evento?
Os objetivos gerais são melhorar o impacto e a eficiência do trabalho de teatro no sistema penitenciário, para celebrar e promover estratégias que levem a uma inovação cultural no desenvolvimento de programas sociais. Além disso, queremos estimular a opinião pública para o debate sobre a utilização e os objetivos do teatro nas prisões. Dentre os objetivos mais específicos, eu poderia citar a capacitação dos profissionais de teatro e do staff do sistema penitenciário em técnicas teatrais apropriadas para as prisões; melhorar os padrões de avaliação dos resultados de projetos teatrais em prisões; promover um fórum para a demonstração de trabalhos inovadores no campo do teatro; produzir uma publicação periódica bilíngue documentando as atividades e discussões ao longo do evento; e integrar a Universidade Federal de Pernambuco ao sistema penitenciário do Estado de Pernambuco, através de um programa de capacitação, a fim de possibilitar ações conjuntas que visem o benefício do corpo docente, discente e da comunidade. Acredito que o evento será muito útil para promover o diálogo entre os artistas e as agências de desenvolvimento social, diminuindo a distância entre ambos. Poderemos também mostrar novas técnicas, facilitar um intercâmbio de experiências e criar um espaço maior para todos os projetos propostos pela sociedade civil.
Poderia citar alguns dos temas abordados na publicação?
Descrevo a sexualidade dos jovens com quem temos trabalhado: o que pensam sobre ser homem ou mulher; feminino e masculino; sobre sexo e a educação que recebem; sobre camisinha e sexo seguro; por que usam ou não usam preservativo; suas dificuldades para incorporar o uso da camisinha; sobre ter filhos e gravidez indesejada ou desejada; a relação entre prevenção da aids e da gravidez; as dificuldades de ser pobre, não tendo, muitas vezes, recursos para comprar camisinha e pagar um lugar para transar, prevenção e o risco da aids no meio de tantos outros riscos como o desemprego, violência, drogas, falta de lazer e de comida. Ou seja, são lições aprendidas em 10 anos de trabalho.
Qual o público-alvo?
Os artistas que usam teatro/performance em projetos sociais; os técnicos que trabalham nas agências de desenvolvimento governamental e não-governmental; e o público em geral, uma vez que todos devem participar dos debates sociais sobre os problemas e as soluções para os problemas do Brasil. Isto é especialmente importante na área da justiça.
Existem muitas iniciativas no Brasil que utilizam o teatro como um instrumento de desenvolvimento social?
Muitas. No Brasil existem muitos projetos interessantes. Um exemplo seria "Nós do Morro", projeto desenvolvido no Vidigal, favela da zona sul do Rio de Janeiro. O Brasil tem uma história muito forte de arte engajada e não precisa de um gringo para ensinar isto. Augusto Boal já fez parte da história de uma arte a serviço do desenvolvimento social desde os anos 60. Com o Teatro Arena, ele formou um grande vínculo com o estado de Pernambuco e acho muito emocionante que, depois de tanto sucesso mundial, ele esteja conosco no projeto.
O senhor não concorda que, em outras épocas o teatro já teve uma função política e social mais definida, como na época do Teatro do Oprimido?
Depende da perspectiva: visite Burkina Faso, Sri Lanka, Uganda ou Vidigal ou a penitenciária de Papuda e diga que o teatro não tem essa função. Seria absurdo. Nas vidas de algumas culturas e comunidades, o teatro ainda tem um significado central. É certo que outras sociedades perderam isso, mas todas que conheço ainda valorizam narrativa, metáfora, personagens simbólicos e etc. Enquanto usarmos estas formas para entender nosso mundo, o teatro ainda terá valor.
Poderia falar de alguma iniciativa realizada no sistema penitenciário?
O Conselho Britânico já está apoiando um projeto que criei em São Paulo, que usa técnicas teatrais para um programa educativo sobre Aids/HIV. Este ano o projeto será implementado em 43 prisões com o objetivo de atingir 10 mil presos. O projeto tem o apoio do Ministério da Saúde. Queremos agora iniciar um novo projeto sobre direitos humanos nas prisões, usando as mesmas técnicas do brasileiro Augusto Boal.
Em um projeto social voltado para o sistema penitenciário, os presos participam das encenações ou eles somente assistem?
Assistir e ouvir são formas de participar. Uma testemunha é uma das mais importantes participantes no sistema criminal. Quem tem mais poder na prisão: a pessoa que assiste, vigia, ou quem é vigiado? Os preso, nos projetos que eu organizo, tem as duas funções: a de atuar e a de assistir ao que é encenado. Esses programas são muito importantes porque muitos dos prisioneiros clamam por vida. As prisões são locais de imobilidade e morte. O teatro é um local de nascimento e renovação: a morte é forjada e as ações sempre podem ser modificadas. Trata-se de um espaço que mostra que o mundo passa por mudanças e que sempre há a possibilidade de mudar os rumos da vida.
Na sua opinião, as escolas de formadores de atores deveriam incentivar os alunos a usar o teatro como instrumento de desenvolvimento social?
Claro que sim. É o melhor forma de treinar atores. Gostaria de convidar todas as escolas de teatro no Brasil e Inglaterra para inciarem um projeto dentro de uma prisão. Posso garantir que os estudantes nunca vão esquecer da experiência.
Quais foram os principais resultados e conclusões de Mudança de Cena 1?
Mais atenção ao trabalho do teatro como instrumento de desenvolvimento social, novos parceiros, novos projetos, um livro e esse novo evento - Mudança de Cena 2. Graças ao Mudança de Cena 1, teremos mais oficinas práticas esse ano e mais envolvimento das agências do Estado. Ou seja, teremos mais resultados concretos por causa dos vínculos pré-estabelecidos.
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