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Solidariedade: Caminho do Desenvolvimento

Autor original: Flavia Mattar

Seção original: Artigos de opinião

"As comunidades se desenvolveram, em resumo, devido às redes e associações... Elas se tornaram ricas porque havia civismo e não o contrário."
Robert Putnam


Durante muito tempo a humanidade acreditou que o desenvolvimento dos povos passava apenas por cálculos e estratégias complicadas de economistas e decisões políticas de governantes. Essa compreensão tecnoburocrática e estatista turvou-nos seriamente a capacidade de ver caminhos outros, mais consistentes, que são os responsáveis reais pelos avanços históricos na direção da riqueza e do bem-estar.


Recentemente dois cientistas da Universidade de Harvard, com substanciosas teses de história e ciências sociais, o Professor Robert Putnam1 e o Professor David Landes2, fizeram-nos ver ainda mais claramente essa correlação entre políticas públicas competentes, produtividade, justiça social e as chamadas "redes de engajamento cívico".


Nada se produz de significativo, nada se administra com eficácia e eficiência, nada se distribui, sem permanente criatividade e participação popular.


Ainda que a democracia não possa e não deva prescindir do voto, hoje sabemos que construí-la é muito mais do que votar ou até simplesmente controlar a ação daqueles que nos representam.


Há um nível inabdicável da sustentação do edifício democrático que é a representação que o cidadão faz de si mesmo, "arregaçando as mangas", fazendo sua parte, não esperando pelas famigeradas "elites", pelos poderosos, pelos que quase nunca chegam.


Aos poucos estamos descobrindo, inclusive, que a melhor forma de pressionar o Estado a assumir suas responsabilidades é assumirmos as nossas. Todo Estado, qualquer Estado, teme profundamente diminuir em importância diante da cidadania organizada e, por isso, quando a cidadania se organiza, trata de dizer "presente" e não perder tanto tempo.


Não estou aqui defendendo a perspectiva neoliberal do "estado mínimo", que é uma forma de "sumiço" para dar lugar ao poder também "gravitacional" do grande capital. Não estou pregando a anomia, a "maternagem" social por um segmento alternativo ao Estado. Estou propondo a "cidadania máxima", as tais redes de responsabilidade direta, de engajamento, de voluntariado, que constroem a autonomia moral e intelectual dos cidadãos, não mais como "filhos" impotentes de quem quer que seja, mas como "pais" de si mesmos e de sua pátria.


Solidariedade é isso. Quando nos mobilizamos por outrem é por nós mesmos que nos mobilizamos em primeiro lugar. Quando somos solidários, os primeiros beneficiários somos nós, que assumimos nosso lugar na história, deixamos de ser as "vítimas", os "chorões", os queixosos, os desesperançados. Só a solidariedade resgata para nós a grandeza e a dignidade com que o criador nos fez, plenos de sentido existencial e imensamente ricos de possibilidades.


Pragmaticamente, em nível amplo, só a solidariedade pode construir um país de abastança para todos. A solidariedade é, em si mesma, uma postura política diante da vida, mas é também uma postura reflexiva, contemplativa, terapêutica.


Alguém conhece algum outro caminho que tenha dado certo?


1 Putnam, Robert. Comunidade e Democracia, Fundação Getúlio Vargas Editora, Rio de Janeiro, 1996.

2 Landes, David S. A Riqueza e a Pobreza das Nações, Editora Campus, 1998.


*Ricardo Brisolla Balestreri é educador e especialista em Psicopedagogia Clínica. Presidiu a Seção Brasileira da Anistia Internacional, da qual foi um dos fundadores. É membro do Comitê de Coordenação Política do Centro de Recursos Educacionais (CRE), com base no Instituto Interamericano de Direitos Humanos - San José / Costa Rica. Participa, como consultor independente, do Núcleo de Acompanhamento da Execução do Programa Nacional de Direitos Humanos / Ministério da Justiça.







A Rets não se responsabiliza pelos conceitos e opiniões emitidos nos artigos assinados.





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