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Do hospital à delegacia: os caminhos da violência contra a mulher.

Autor original: Flavia Mattar

Seção original: Notícias exclusivas para a Rets





Debates


Metade das mulheres do mundo já sofreu volência doméstica ou sexual, pelo menos uma vez na vida. Esses dados foram obtidos a partir de pesquisas internacionais comparativas. O primeiro estudo quantitativo realizado no Brasil sobre o assunto será lançado em dezembro de 2000, pela professora de sociologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Heleieth Iara Saffioti. Entidades do terceiro setor como o SOS Corpo e o Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea), têm se dedicado a projetos nesta área.


A professora Heleieth conta que durante sua pesquisa, foram entrevistadas 200 mulheres e examinados os boletins das Delegacias de Defesa da Mulher e de 10% dos Departamentos de Polícia de São Paulo. "O estudo que estou desenvolvendo ajudará na implementação de políticas públicas para evitar o problema. Trata-se de uma análise muito importante porque não existem dados no Brasil sobre violência doméstica. Além do levantamento numérico, estou fazendo uma pesquisa qualitativa com vítimas e policiais das Delegacias de Defesa da Mulher e uma avaliação dos serviços prestados por essas delegacias", explica Heleieth. A pesquisadora acredita que a situação piorou depois que foi promulgada a Lei 9099/95 , que instituiu os Juizados Especiais de Pequenas Causas no Brasil. Quando se encaminha a queixa de agressão para um Juizado Especial, existe a possibilidade de o agressor se ver livre da acusação mediante um acordo com a vítima, ou ficar sujeito a uma pena leve.


 Diana Azevedo, assessora parlamentar do Cfemea, explica que a competência do Juizado Especial de Pequenas Causas são infrações de pequeno potencial ofensivo. "No Código Penal já existe o ítem lesão corporal. Não havia por que julgar a lesão corporal contra a mulher no Juizado de Pequenas Causas", opina Diana. O Cfemea atua acompanhando projetos de lei sobre direito da mulher. "Nosso trabalho procura identificar o que é tarefa dos municípios, dos estados e da federação no combate à violência doméstica. Também acompanhamos a elaboração do orçamento da União, insistindo para que sejam direcionados recursos para projetos nesta área", esclarece. Diana acredita que uma das soluções para o problema da violência contra a mulher seria criar terapias de apoio envolvendo o agressor e a vítima, com recursos do Sistema Único de Saúde (SUS). "Quando uma mulher sai da Casa de Abrigo (local onde é acolhida após um episódio de agressão), ou ela volta para o marido violento, ou arruma um outro companheiro também violento. Não basta prender o agressor. Quando ele sair da prisão, continuará praticando o delito. É preciso cuidar do estado psicológico desses homens para que eles não batam mais em nehuma mulher", acredita.


Ana Paula Portella, coordenadora do Núcleo de Pesquisas do SOS Corpo, ressalta que a agressão contra a mulher ocorre praticamente em mesmo número em qualquer classe social, entre as populações urbanas ou rurais. "Acredito que não há diferença porque não é o nível econômico ou de instrução que importa. Tata-se de uma questão de desigualdade entre os gêneros", avalia. Ana acredita que no Brasil existem experiências válidas contra a violência de gênero, como a criação das delegacias voltadas para as mulheres, as casas de abrigo, iluminação pública em bairros de periferia e treinamento de profissionais de saúde para que possam verificar quando uma mulher foi vítima de violência doméstica. "Todo esse esforço ainda é muito precário, mas é muito bom que exista. É preciso que haja mais recursos para a capacitação não só das delegacias voltadas para a mulher, como também do policial não especializado no tema, que apura as denúncias de violência nas casas das pessoas", conclui.


A coordenadora da Rede Nacional Feminista de Saúde e Direitos Reprodutivos, Fátima Oliveira, também está fazendo um estudo aprofundado sobre o assunto. De acordo com Fátima, mais importante do que as delegacias são os postos médicos, uma vez que nem toda mulher denuncia o seu agressor, mas quando são machucadas, necessariamente têm que recorrer aos serviços dos hospitais. Pensando nisso, Fátima Oliveira se envolveu em um projeto para que os profissionais dos dois maiores pronto-socorros de Belo Horizonte fossem capacitados para diagnosticar a violência. Logo em seguida, o curso foi estendido para as oito policlínicas da capital. O que começou como uma iniciativa da sociedade civil, virou uma política pública, com o apoio do Ministério da Saúde. Ao todo, serão capacitados profissionais de 37 municípios de Minas Gerais. "Esses profissionais não eram sensibilizados para o problema e não se importavam com o que poderia ter acontecido com a mulher que apareceu com lesões corporais. Hoje em dia, existe um atendimento mais cuidadoso e um trabalho que encaminha essa mulher para serviços especializados", diz Fátima.

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