Você está aqui

Filantropia e Investimento Social Privado

Autor original: Graciela Baroni Selaimen

Seção original:


"O brasileiro é altruísta". A constatação é de Marcos Kisil, presidente do Gife - Grupo de Institutos, Fundações e Empresas e do IDIS - Instituto de Desenvolvimento do Investimento Social. Durante o Congresso Nacional sobre Investimento Social Privado, que o Gife promoveu em parceria com a Fundação Otacílio Coser entre os dias 16 e 18 de outubro em Vitória(ES), Marcos fez uma palestra onde ressaltou a importância de se verificar o montante de recursos destinados às demandas sociais que estão circulando nas comunidades, em âmbito local.


Nesta entrevista exclusiva concedida à Rets, Marcos Kisil fala sobre filantropia local, Fundações comunitárias e também conta detalhes sobre o Projeto Doar, que está sendo implementado no interior do Estado de São Paulo e deve ganhar dimensão nacional a partir do ano que vem.


Rets - O senhor afirmou em sua palestra que os recursos oriundos de doações individuais e organizações de filantropia local são bem maiores do que se imagina. Que dados o senhor coletou para chegar a esta constatação?


Marcos Kisil - Nós coletamos dados em duas fontes. Houve uma pesquisa direta no local, no caso específico de Penápolis, cidade do interior de São Paulo. Ali temos documentadas informações que mostram que a filantropia local corresponde à colaboração de R$ 50,00 por ano, por pessoa. Isto é: em média, cada morador da cidade colabora com essa quantia em favor da coletividade. Em centros maiores, como Guarulhos, por exemplo, chegamos à quantia de R$ 150,00 por ano doados por cada habitante. No caso de Guarulhos, estamos falando de 165 milhões de reais. É muito dinheiro. Confrontamos esses dados com os apurados pela Leilah Landim, e os resultados são bem próximos. Isso prova que o brasileiro doa. Nos Estados Unidos, são doados cerca de 130 bilhões de dólares/ano. Mais ou menos 70% desse dinheiro vêm de doações de indivíduos. No Brasil isso também acontece, mas falta documentação. Aqui existe muito apoio solidário, é característica de nossa cultura - acolher um parente desempregado, ter apoio de amigos e vizinhos numa situação de crise, são situações que acontecem fundamentalmente em zonas de pobreza. Isso também é filantropia, e não é medido. O fato é que o brasileiro é altruísta.


Rets - Como se pode identificar e quantificar estes recursos provenientes de filantropia local?


Marcos Kisil - Nós desenvolvemos um trabalho, um diagnóstico situacional comunitário baseado em ativos - que é um conceito econômico. Normalmente, quando se olha para a sociedade, tenta-se diagnosticar problemas e carências. Isso nos leva a vitimizar os cidadãos. As instituições muitas vezes surgem para resolver estes problemas, mas acabam por maximizá-los - isso nos leva à idéia de que a vítima precisa existir para dar sentido a algumas instituições. Quando esquecemos os problemas e olhamos para as comunidades tentando verificar o que elas já têm, encontramos os ativos destas comunidades. Esse trabalho exige uma metodologia para a coleta destas informações. Nós desenvolvemos essa metodologia e fizemos um manual, que está sendo trabalhado em nove cidades no interior de São Paulo. É um material que ainda está sendo testado, e, no ano que vem, a intenção é que ele seja utilizado em mais dez cidades, fora do Estado de São Paulo. Quem está desenvolvendo este projeto é o IDIS, do qual também sou presidente.


Rets - O senhor está se referindo ao Projeto Doar?


Marcos Kisil - Sim, este é o Projeto Doar.


Rets - No que consiste o projeto? Que resultados têm sido alcançados?


Marcos Kisil - Nosso objetivo é apoiar trabalhos que já estão sendo feitos nas comunidades. Não inventamos coisas novas para elas. Na verdade, ajudamos as comunidades a organizar e sistematizar uma série de iniciativas locais, já existentes. Os resultados têm sido muito satisfatórios. Logo de início, tivemos a grata satisfação de contarmos com uma ampla receptividade por parte da sociedade. Havia uma necessidade sentida (mas ainda não manifesta) pelo tipo de apoio que oferecemos no Projeto Doar. Também foi muito estimulante perceber que as lideranças locais - igrejas, sociedade civil, empresários - estão bastante maduras e ávidas em participar do desenho de toda uma estratégia de atividades. Gosto de citar um exemplo: em uma cidade onde estamos implementando o Projeto Doar, montamos um fórum local para discussões. Participaram ativamente a primeira-dama da cidade e a esposa do candidato ao cargo de prefeito, de um partido de oposição. Ambas trabalharam cooperativamente, colocando os interesses da coletividade acima dos interesses pessoais. Isso é maturidade. Outro resultado significativo tem sido a grande quantidade de cidades e comunidades interessadas em implementar o Projeto Doar. O número é bem maior do que esperávamos.


Rets - Durante o congresso do Gife um assunto teve bastante repercussão: as Fundações comunitárias. É esse o objetivo do Projeto Doar - transformar as iniciativas filantrópicas locais em Fundações? Quais são as características destas instituições?


Marcos Kisil - "Fundações" talvez não seja o termo apropriado. Por questões técnicas, preferimos chamar de "Organizações de Apoio ao Desenvolvimento do Investimento Social Privado". O nome é muito grande, e a idéia é que cada comunidade "batize" a sua própria organização. Nós estamos mais preocupados com sua atuação do que com sua existência formal. O objetivo destas organizações é alavancar o potencial já avaliado das comunidades, apoiando o desenvolvimento da filantropia local. As características destas instituições são baseadas em três pilares. O primeiro deles é o desenvolvimento de lideranças comunitárias que sejam protagonistas nas comunidades. Em seguida, vem a estrutura organizacional - um lugar onde se concentre a informação, capacite o pessoal, treinem-se os conselhos das ongs locais e avalie-se a qualidade do trabalho realizado. Finalmente, é fundamental pensar no staff, no nível de profissionalização que garanta o bom desenvolvimento do trabalho.


Rets - Qual é a diferença entre o investimento social privado e as práticas assistencialistas?


Marcos Kisil - Quando se pensa no conceito de filantropia tradicional, é uma prática centrada no doador, que termina na hora em que ele dá o dinheiro, ou outra contribuição. Se você é abordado por uma criança na rua e simplesmente lhe dá algum dinheiro, sua doação acabou ali. Em se tratando de investimento social privado, é um conceito muito mais abrangente. O processo começa com a doação, mas a partir dela, você questiona por que aquela criança foi pedir dinheiro e o que ela vai fazer com a doação que recebeu. Sendo assim, quem colabora passa a ser um investidor que também busca um retorno: o benefício social. É um processo onde o doador participa ativamente em função do retorno esperado - e assim, vai atrás de alternativas para questões sociais.


Rets - O senhor poderia citar o percentual de empresas que praticam hoje, no Brasil, o investimento social privado?


Marcos Kisil - Um levantamento feito pelo Senac/SP em março deste ano apontou que 66% da empresas pesquisadas declararam fazer investimentos sociais frequentes. Foi uma surpresa. O Gife representa aproximadamente 10% dos doadores empresariais brasileiros - o que é uma massa significativa - e este número é crescente ano a ano. Só em 99, a quantidade de empresas associadas ao Gife cresceu 34%. Isso mostra que os empresários estão se conscientizando de seu papel social.


Rets - O senhor poderia citar alguns exemplos de projetos e ações que estão sendo desenvolvidas graças ao investimento social privado que considere relevantes?


Marcos Kisil - Posso citar dois projetos, em áreas diferentes. O primeiro deles é o "Acelera Brasil", um projeto educacional desenvolvido pelo Instituto Ayrton Senna, que auxilia as crianças que estão defasadas na escola, atrasadas em relação às outras crianças da mesma idade. Os resultados do acompanhamento cuidadoso e do incentivo dado a estes alunos através do projeto têm sido tão bons, que muitas vezes os alunos "atrasados" acabam sendo os primeiros da turma. Basta que se dê uma chance a estas crianças. O outro projeto que eu destaco é o da Fundação O Boticário na Reserva Natural Salto Morato. É uma reserva reconhecida pela Unesco, e pela primeira vez uma iniciativa privada consegue este feito.


Rets - Quanto ao Congresso Nacional sobre Investimento Social Privado, foram alcançados os resultados pretendidos? Vai haver uma edição do evento no ano que vem?


Marcos Kisil - Na minha opinião, o evento foi um sucesso. As discussões foram de alto nível, houve bastante entusiasmo dos participantes. A princípio, organizou-se um evento para 300 pessoas, e este número teve que ser estendido para 340 em função da demanda. Chegamos a receber 400 pessoas em um único dia de congresso - o que demonstra o grau de interesse no assunto. Tivemos a presença do Governador do Estado do Espírito Santo e de dois senadores. Além disso, as instituições presentes são instituições de peso. Ainda não sabemos se o evento será anual ou bienal. Isso está sendo decidido.

Theme by Danetsoft and Danang Probo Sayekti inspired by Maksimer