Autor original: Valentina Homem
Seção original:
Pedro Doria*
Enquanto o Napster entra em sua segunda semana de embate judicial nos Estados Unidos, mais um possível concorrente prepara-se para entrar em cena. Chama-se MojoNation e tem como maior diferencial o fato de que só entra para baixar arquivos no sistema quem oferece alguma coisa em troca. Pode ser mais que apenas uma revolução. Tanto no caso do Napster, que permite que vários usuários compartilhem músicas no formato MP3 pela Internet, quanto entre os concorrentes de até agora – principalmente Gnutella, Freenet e Scour – ninguém era obrigado a oferecer, por exemplo outras músicas, em troca de baixar as dos outros. Com o MojoNation isso muda.
Estes sistemas de compartilhamento de arquivos ficaram conhecidos como peer-to-peer (p2p), que tem sido traduzido no Brasil como ponto-a-ponto. No mais popular, usuários baixam da Internet o software Napster e acessam um dos servidores da empresa, localizada no Vale do Silício, Califórnia. Através destes servidores centrais, ganha-se acesso à pasta com arquivos MP3 – música digital com qualidade de CD – de todos as pessoas que estão com o Napster aberto no mundo. Este troca-troca de músicas chamou a atenção das grandes gravadoras que lutam na Justiça para obrigar Napster, a empresa, a desligar seus servidores. Alegam que o serviço estimula e facilita a pirataria.
A questão do p2p seria simples não fossem os concorrentes do Napster. Sistemas como o Gnutella, que está em ascensão, e o Freenet, em testes, não podem ser derrubados. Não podem porque não há servidores centrais. Cada usuário que instala o software Gnutella em seu computador é cliente – e tem acesso a determinadas pastas nos computadores dos outros com Gnutella rodando – e é servidor também – serve de "caminho" para a transmissão dos dados de todos. Como não há um ponto central a ser derrubado senão todos os computadores ligados à Internet com o Gnutella em funcionamento. Seu uso pode ser proibido na Justiça, mas é impossível de ser coibido na prática.
Anarquia profissional
É neste cenário que surge o sistema MojoNation. O que ele trás de novo é profissionalismo. Se todos os softwares p2p até agora eram fruto do trabalho de amadores criativos – como o Napster – ou hobby de profissionais – como o Gnutella – MojoNation é trabalho profissional. Por trás da empresa está Jim McCoy, o criador do sistema de email gratuito do maior portal americano – o Yahoo!. McCoy é desenvolvedor de sistemas com especialização em criptografia e dinheiro digital. Não bastasse isso, por trás da Nação Mojo estão um bocado de teorias sócio-econômicas que datam mais de um século: é uma utopia anarquista. A revista eletrônica Salon publicou uma entrevista de McCoy que no. apresenta em português.
Anarquista? No site do MojoNation explica-se. Os outros sistemas de compartilhamento de arquivos sofrem da "tragédia dos comuns". A metáfora, que servia para explicar que muitos consomem o alimento produzido no campo por poucos, agora vira virtual. Tanto no Napster quanto em seus equivalentes poucos oferecem conteúdo para muitos consumirem em longos downloads. No sistema anarquista que rege a nação Mojo o usuário tem que oferecer algo em troca se quer participar.
Para sustentar a troca permanente McCoy desenvolveu uma moeda digital que atende pelo nome... Mojo. Como o serviço está em fase de testes, todos que os que entraram ganharam um milhão de mojos. Quando vier o lançamento oficial, programado para novembro, a coisa muda de figura.
MojoNation é descentralizado como Gnutella, Freenet e outros, mas o quanto você participa da rede é opcional. Como não há servidores centrais, são os recursos de cada computador pessoal ligado ao sistema – de poder de processamento a espaço em disco – que serão utilizados. Oferecer então seu computador conectado à Internet durante quatro horas todo dia para armazenar dados ou gerenciar tráfego vale alguma coisa em mojos. O que determina o preço é a lei da oferta e da procura. O seu conteúdo, uma gravação inédita de "Let it be" ou as obras completas de Machado de Assis, pode ser trocado por quantos mojos você e o interessado decidirem.
Ilhas Cayman, mojos e dólares
MojoNation é um negócio da empresa "Evil geniuses for a better tomorrow" (Gênios do mal para um amanhã melhor), funciona em Mountain View, Califórnia, coração do Vale do Silício. Tem apenas uma dona: a holding "Autonomous Zone Industries" (AZI), companhia isenta de impostos com sede nas Ilhas Cayman. A AZI já tem contratados alguns dos melhores advogados americanos, disse McCoy à Salon. Está preparando-se para fogo pesado. Agora seleciona capitalistas de risco ávidos por financiá-la.
Na lista de perguntas e respostas sobre o MojoNation que encontramos em seu site, uma salta aos olhos e fala mais sobre o sistema que qualquer outra: "quantos mojo há em um dólar?" A resposta faz uma volta de 360o. "Não existe nenhuma relação fixa entre dólares e mojos. Mojos são ganhos em troca de espaço em disco, banda e processamento, e são transferidos de usuário a usuário na forma de selos eletrônicos. Quando o sistema sair da fase de testes os usuários poderão comprar e vender estes selos por aquilo que o mercado decidir que valem."
De utopia anarquista a utopia liberal, ou em algum ponto aí no meio, MojoNation aposta que seu sistema será mais confiável, seguro e estável que seus concorrentes p2p. Como o mercado de gravadoras e outros interessados em direitos autorais vão reagir é impossível prever. Mas no sistema tudo é criptografado, de maneira que nunca sabemos o que duas pessoas estão trocando, e a moeda eletrônica foi desenvolvida por quem entende do assunto.
Negócio para terroristas? Oportunidade de cobrança pelos arquivos MP3? Seja como for, os gênios do mal acabaram com a idade da inocência.
*Pedro Doria é jornalista e subeditor de operações do no.
Este artigo foi publicado no no. em 10 de outubro de 2000.
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