Autor original: Flavia Mattar
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Está próxima a realização da VI Conferência da Convenção do Clima, que ocorrerá em novembro, em Haia, na Holanda. O Brasil tem participado ativamente das discussões sobre mudanças climáticas, causadas pela emissão de gases poluentes como o dióxido de carbono, considerado o vilão do efeito estufa. No encontro, serão discutidos os principais desafios para a confirmação do que foi acordado no Protocolo de Quioto, segundo o qual os países desenvolvidos devem reduzir em média 5% das emissões de CO2 relativas aos índices de 1990. Um outro ponto crucial da conferência é o Clean Development Mechanism (CDM), conhecido como Mecanismo de Desenvolvimento Limpo. Saiba mais informações a seguir, na entrevista com o Vice-diretor da Coordenação de Programas de Pós Graduação em Engenharia (Coppe), Luiz Pinguelli Rosa, que integra a comissão que defenderá os interesses brasileiros no encontro de Haia.
Rets - Essa será a VI conferência realizada. No que esse evento diferirá dos anteriores? Apresentará alguma novidade?
Luiz Pinguelli Rosa - A grande questão é a regulamentação dos mecanismos de flexibilização, decididos no Protocolo de Quioto. Esse assunto já vem se arrastando, porque, no fundo, o principal problema é a regulamentação do chamado Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, fruto de uma proposta brasileira chamada Fundo de Desenvolvimento Limpo, que propõe que os países que não cumprirem as metas da convenção do clima devem pagar por isso. A proposta brasileira é a de estabelecer uma penalidade em dólares por graus centígrados de aumento da temperatura da terra, estabelecido por um programa de computador, para que cada país medisse e transmitisse as suas emissões ao longo do tempo, porque o gás fica na atmosfera durante cerca de 140 anos. Foi aprovado para o desenvolvimento limpo, ao invés de fundo, a palavra mecanismo, o significou absolutamente nada, porque mecanismo é uma palavra muito ambígua. Fundo é uma quantidade de dinheiro. E mecanismo? O que acontece é uma tentativa dos países desenvolvidos, conhecidos como Anexo 1 da Convenção, arrumarem alguma forma de não cumprir suas obrigações com a Convenção do Clima, ou seja, não reduzindo as suas emissões. A meta do ano 2000 já não foi cumprida, que era uma redução de índice de emissões ao patamar de 1990. O próprio Protocolo de Quioto, que criou o mecanismo de desenvolvimento limpo, adiou as metas para 2010 e, ainda assim, as medidas concretas ainda não foram tomadas.
Rets -Então, até o momento, o protocolo de Quioto não foi cumprido?
Luis Pinguelli Rosa - Só para se ter uma idéia, ao invés de reduzir suas emissões de gases causadores do efeito estufa, os Estados Unidos superaram em mais de três vezes a emissão total da América Latina.
Rets - E o que será feito para evitar que os Estados Unidos continuem emitindo essa quantidade de gases causadores do efeito estufa?
Luis Pinguelli Rosa - É isso que pretendemos determinar em Haia. A posição americana tem sido de cobrar que países, em particular Brasil, China e Índia, assumam compromissos voluntários. Com relação ao governo brasileiro, por exemplo, que tem tido uma participação bastante atuante nas discussões sobre o assunto, (o que é correto, ao meu ver), a posição norte-americana é a de que nós concordemos em preservar a Amazônia, em troca de algum recurso, através desse mecanismo de desenvolvimento limpo, permitindo que os americanos continuem com as suas emissões. Isso está recebendo o apoio confuso de grupos de ecologistas e empresas que vêem bons negócios nessa história. Em particular, os empresários receberiam algum dinheiro por isso. A idéia é que comprassem terras da Amazônia comprometendo-se a preservar aquele espaço. Em troca, ganhariam um dinheiro para isso. Então, seria uma espécie de penhor para que os americanos pudessem continuar com as suas emissões. Eu sou absolutamente contra isso, já que é no mínimo indecoroso e há interesses escusos por trás disso misturados com boas intenções, como as dos ecologistas preocupados com a Amazônia, já que o seu desmatamento é um absurdo completo. Devemos fazer de tudo para resolvê-lo. Agora, existem más intenções daqueles que fazem negócios para manter as emissões nos países desenvolvidos nos níveis absurdos que estão hoje.
Rets - O que a comissão brasileira está preparando para a VI conferência?
Luis Pinguelli Rosa - Existe uma comissão da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, da qual participo junto com outros colegas. A Coppe tem uma tradição antiga neste debate, com o seu Instituto Virtual de Mudanças Globais. Está havendo trocas de informações entre o governo brasileiro e representantes de outros países, inclusive Estados Unidos, sobre o assunto. Apesar das pressões, a posição brasileira é firme e a minha posição é de não ceder, ou seja, cobrar que os países mais ricos do mundo, que têm as maiores emissões per capita em todos os aspectos, as reduzam e que os países em desenvolvimento também não façam um aumento desmedidos de emissões.
Rets - Como o Brasil está se preparando para evitar o aumento de emissões?
Luis Pinguelli Rosa - Temos alguns programas, como o Rio Desenvolvimento Limpo, voltado à adoção de medidas para evitar emissões desnecessárias.
Rets - Apenas em Haia a comissão brasileira saberá como pressionar os países mais ricos quanto às suas emissões?
Luis Pinguelli Rosa - Naturalmente, reduzir as emissões é uma tarefa de todos os países. Participamos de uma rede Norte-Sul, que fez uma pesquisa envolvendo várias entidades, ou seja, empresas privadas, públicas e universidades, sobre as possibilidades de mecanismos de desenvolvimento limpo no Brasil. Então estamos todos militando para que em Haia haja um resultado completo. A dificuldade é a eleição norte-americana, que está muito próxima da realização da VI conferência. Há, inclusive a possibilidade de se abrir a reunião de Haia e mantê-la aberta para se retomar depois, no início do ano, já com a situação norte-americana estabilizada com o novo governo. Acreditamos que, aqui no Brasil, a grande polêmica é o papel da floresta. Nós queremos a preservação da floresta, não no sentido de cercar árvores, mas no sentido de criar políticas públicas, não para empresários cercarem árvores, até porque eles podem cercar um terreno, ganhando por isso, e passar a desmatar em outro lado. A posição do Brasil é que não se deve empenhar a floresta em troca deste certificado internacional para permitir a emissão dos países ricos. Entretanto, há outras possibilidades que podem ser interessantes, como a melhoria dos transportes urbanos, por exemplo.
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