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Em defesa da criança brasileira - entrevista com Adelaide Consoni

Autor original: Graciela Baroni Selaimen

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Adelaide Consoni é Diretora Vice Presidente da IPA - Associação Internacional pelo Direito da Criança Brincar- Capítulo Brasileiro; membro do Fórum Estadual de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente; do Fórum das Entidades de Direitos Humanos de São Paulo; do Fórum Paulista de Erradicação do Trabalho Infantil; da Comissão Estadual de Erradicação do Trabalho Infantil; Coordenadora Técnica do Projeto Idéias de Crianças, além de Coordenadora Geral do Circo Escola Enturmando de Vila Penteado. Em suma: conhece bem de perto a questão do trabalho infantil.  Adelaide fala, nesta entrevista concedida à Rets, sobre a realidade das crianças brasileiras que são obrigadas a abrir mão dos brinquedos e da escola antes do tempo.

 

Rets - Qual é a situação no país, atualmente, no que diz respeito ao trabalho infantil?


Adelaide Consoni - Certamente a questão do trabalho infantil é muito grave. Infelizmente não temos dados oficiais, além dos já divulgados pelo último movimento mundial ocorrido, que foi a Marcha Global Contra o Trabalho Infantil, que no meu ponto de vista teve uma contribuição muito importante, trouxe a questão do trabalho infantil para a agenda política do país e do mundo.

 

Desde outubro de 1992,  quando aconteceu em São Paulo, o III Seminário Latino Americano - Do Avesso ao Direito: Da situação Irregular à Proteção Integral da Infância e da Adolescencia, foi apontado pela OIT que ninguém sabia, com exatidão, o número de crianças que trabalhavam. Neste III Seminário a OIT apresentou dados de que 88 milhões de crianças entre 10 e 14 anos trabalhavam em 1980.

 

Após este referido seminário aconteceu também o Tribunal Internacional Contra o Trabalho Infantil, onde o Brasil também foi condenado.

 

Por ocasião da Marcha Global contra o Trabalho Infantil, ocorrida em todo o mundo entre 1997 e 1998, a mesma OIT apontava como estimativa que 250 milhões de crianças trabalhavam em todo o mundo, e, cerca de 3,8 milhões delas estavam no Brasil. Sinal de que o crescimento do uso da mão de obra infantil foi imenso.

 

Então, de fato, não temos um diagnóstico do número de crianças brasileiras que trabalham. É fundamental que tenhamos esse diagnóstico, pois, é a partir dele, que poderemos traçar políticas públicas de atendimento à questão.

 

Enquanto isso, a mão de obra infantil é largamente utilizada, seja na zona urbana ou na zona rural. 

 

Ressalto que pelas últimas notícias recebidas pela mídia escrita, falada e pela rede da cybercultura não estamos numa posição favorável. Há graves denúncias em muitas regiões do país e o último informe que recebi, no dia 02  de novembro, relata que "infelizmente não houve avanços das negociações na Comissão tripartite para definir uma política contra o trabalho infantil". Esta Comissão é formada por representantes dos trabalhadores, do governo e dos empresários. O impasse surgiu conforme consta do relato, "porque os empresários não aceitaram a inclusão, entre as piores formas de trabalho infantil, da cultura da cana de açúcar, do fumo e da laranja". Veja que absurdo o que exemplifico. Uma das crianças marchadoras brasileiras, era trabalhadora da colheita de laranjas. O menino José, que tive o privilégio de conhecer, e que foi tão fartamente mostrado pela mídia, não tinha suas impressões digitais!!  Como é que isso pode não ser danoso? Além de tantos outros danos!!


Rets - Quais são os setores que mais utilizam a mão-de-obra infantil?


Adelaide Consoni - A mão de obra infantil é largamente utilizada no setor agrícola (alcooleiro, citrosuco, tomate, sisal, etc), no trabalho doméstico, no setor de serviços, nas olarias, nos lixões, na prostituição e no tráfico de drogas.

Rets - Quais as atividades mais perniciosas para as crianças?

 

Adelaide Consoni - Considero que todas as atividades laborativas que envolvem a mão de obra infantil são consideradas perniciosas e danosas. 

 

Infelizmente, se há priorização de algumas, é porque os recursos financeiros investidos são poucos, e, assim, prioriza-se as que além de perniciosas são danosas tais como: culturas que utilizam muito agrotóxico (como o tomate por exemplo), os lixões, a prostituição, o tráfico de drogas, a citricultura e cana de açúcar. Enfim, prioriza-se as que causam mais danos físicos, psicológicos e sociais.

 

O próprio Banco Mundial diz que "falta um investimento maciço do Governo Federal, em particular, nas cidades com menores recursos".

 

Rets - Que políticas estão sendo propostas pelo Ministério do Trabalho e pelas instituições do terceiro setor para erradicar a prática do trabalho infantil?


Adelaide Consoni - Conheço o PETI - Plano de Erradicação do Trabalho Infantil, através da Bolsa Escola. Ele é desenvolvido pelo Governo Federal, Ministério da Previdência e Assistência Social, através da Secretaria de Estado de Assistência Social em parceria com os Estados e destes, com os municípios. No Estado de São Paulo, foi iniciado agora em novembro, priorizando-se 10 municípios de todo o Estado.

 


 Rets - Além de prejuízos à saúde e atraso ou evasão escolar, que outros problemas são enfrentados pelas crianças que trabalham?


Adelaide Consoni - Estas crianças sofrem toda a sorte de prejuízos: os danos físicos, muitos deles irreversíveis; danos psicológicos que afetam a saúde mental provocando depressão, baixa auto-estima, tristeza, sintomas clássicos decorrentes das atividades que realizam; os danos morais como por exemplo: exposição a riscos, violência, prostituição, e, os danos sociais que vão muito além da evasão escolar, da repetência e a reprodução da desigualdade social.

 

Há também prejuízos decorrentes da falta de legislação e fiscalização, e, além de estarem expostas às piores formas de trabalho, estão sem garantias e sem direitos. Não há serviços de saúde preparados para receber essa demanda. O seu desenvolvimento cognitivo é afetado impedindo que desenvolvam suas potencialidadades, não vivem de maneira adequada a fase da infância, não brincam - e brincar é uma necessidade básica, tanto quanto a alimentação, a saúde, a educação.

 

Na verdade, penso que toda a sociedade brasileira perde com isto. Criança que trabalha compromete seu futuro e assim sendo, compromete também o futuro da nação. Acho que a única forma de trabalho que podemos permitir às nossas crianças é o de crescerem e se prepararem para a vida, integralmente.

Rets - Que programas ou projetos têm sido desenvolvidos pela sociedade para minimizar os efeitos dessa realidade na vida das crianças?

 

Adelaide Consoni  - Há vários estudos acadêmicos em diferentes regiões do país. Projetos sociais eficazes de combate ao trabalho infantil eu não tenho conhecimento. Há o PETI, que é um programa governamental, que está sendo paulatinamente implantado.

 

A sociedade brasileira  está buscando formas de organização, através dos Fóruns de Erradicação do Trabalho Infantil. Eles existem nos âmbitos Nacional e Estadual. São formados por representantes de trabalhadores, como as Centrais Sindicais por exemplo, dos Governos, através de vários órgãos afins, das ONGs, dos movimentos populares, dos fóruns de defesa dos direitos da Criança e do Adolescente, das instituições do terceiro setor e cidadãos  comprometidos com a questão.
Há também as Comissões Estaduais de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil.

 

Nós dedicamos muito trabalho para ordenar e reordenar ações necessárias, porém, não há recursos destinados para o funcionamento eficaz das mesmas. Penso que essa ausência de recursos pode comprometer o bom andamento dos nossos trabalhos. O nosso trabalho é cidadão, voluntário, depende de cada um de nós. Todavia, precisamos de uma estrutura para podermos trabalhar e isso nós não temos.

 

Eu participo do Fórum Paulista de Erradicação do Trabalho Infantil e também da Comissão Estadual, representando o Fórum Estadual de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente de São Paulo; da IPA - Brasil -- da Associação Internacional pelo Direito da Criança Brincar; do Centro de Habilitação Promove e do Circo Escola Enturmando de Vila Penteado.

 

Ainda não tenho dados de análise do PETI, porém observo que através de diversas notícias veiculadas pelas redes midiáticas, o valor da bolsa é irrisório e tem contribuído para que as crianças atendidas pelo mesmo voltem a trabalhar. Por exemplo, no Piauí, o trabalho de criança numa carvoaria chega a render R$30,00 (trinta reais por semana) e o valor da Bolsa Escola é R$ 40,00 (quarenta reais por mês).

 

Eu, pessoalmente, acredito que só isto não será eficaz para combater o trabalho infantil.  Há muitos fatores envolvidos nesta questão. São fatores políticos, econômicos, sociais, educacionais, culturais, etc...

 


Rets - Qual é o papel do Estatuto da Criança e do Adolescente no que concerne ao trabalho infantil?

 

Adelaide Consoni - É muito difícil falar desta questão, sobretudo quando considero que vivo num país, onde por força de lei, as crianças e os adolescentes são considerados PRIORIDADE ABSOLUTA DA NAÇÃO. Agora, se mesmo sendo consideradas prioridades absolutas da nação, as nossas crianças já sofrem o que sofrem, imagine se não o fossem!!

 

Temos um dos mais avançados dispositivos legais de proteção integral da Criança e do Adolescente que completou 10 anos. Penso que a maior contribuição que os governos podem fazer para resolver o problema do trabalho infantil, e das crianças e adolescentes brasileiros, é mobilizar todos os seus recursos para a imediata implantação do Estatuto da Criança e do Adolescente em todos os quadrantes deste país, no exato rigor do que a lei determina. Esse é um imperativo ético do qual não abro mão jamais. O ECA é um projeto de sociedade e precisamos investir nisso. Não é possível conviver com tantas lesões nos direitos mais elementares e nesta sociedade, onde a única equidade possível me parece o medo.

 

Estou convencida de que temos capacidade técnica e humana para resolver esta grave questão. Nós todos, sobretudo os governos, temos o dever moral de assegurar qualidade de vida e dignidade às crianças brasileiras, não permitindo de forma alguma que o futuro das mesmas seja comprometido.

 

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