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Projeto Mídia Morta

Autor original: Graciela Baroni Selaimen

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Bruce Sterling é jornalista e escritor, autor de Islands in the Net e The Hacker Crackdown: Law and Disorder on the Electronic Frontier. Ele também é membro do Conselho Editorial do jornal CTHEORY. Nesta entrevista, concedida ao jornalista Arpad Bak e publicada, originalmente, na revista eletrônica húngara Intenet Kalauz, Bruce conta sobre os motivos que o levaram a garimpar a Internet atrás de mídias extintas, e se afirma um "artista" que pesquisa a tecnologia e seus impactos sociais.


CTHEORY: Qual é a origem do Projeto Mídia Morta?


Bruce Sterling: Meus amigos e eu estamos interessados em compreender a tecnologia, mesmo em seus aspectos mais decadentes, como máquinas mal projetadas ou que já não funcionam mais. Infelizmente, nós não somos pagos para fazer este trabalho de pesquisa, então temos que fazê-lo em nosso tempo vago, voluntariamente. Por sorte, na Internet é possível reunir um número grande de pessoas para que cada uma faça uma pequena parcela do trabalho e combinar estes resultados em um mesmo local. Assim, amadores podem estruturar um projeto grande e valoroso. Desse modo, eu editei a lista Mídia Morta. As pessoas encontram exemplos de meios de comunicação extintos e escrevem uma descrição sucinta - aproximadamente, uma página de texto. Eu edito o trabalho, faço a formatação, reviso o texto e o envio a um programa de mailing no endereço www.fringeware.com. Ele é distribuído gratuitamente para o mundo todo. Nós temos cerca de 600 nomes em nossa lista de e-mails. Este trabalho é feito há 3 anos. Graças ao esforço destes colaboradores desconhecidos, nós todos descobrimos mídias que jamais imaginamos que existissem. Ninguém se empenhou neste sentido antes, em compilar uma “Lista de Mídias Mortas”, mas, graças a todos esses esforços vindos dos quatro cantos do mundo, nós agora temos um imenso cemitério de mídias.


CTHEORY: Há coisas extraordinariamente interessantes em seus arquivos, como mapas entalhados dos Inuit, artefatos de miçangas dos Zulus, quipus Incas. Por que você define estas coisas como “mídia”?


Bruce Sterling: No Projeto Mídia Morta nós definimos “mídia” como uma ferramenta que transfere uma mensagem entre indivíduos. Assim, a dança não é um meio, porque não há nenhuma ferramenta envolvida; mas um bouquet de flores pode ser uma mídia. As flores podem levar uma mensagem muito importante, se você souber compreender o “código das flores”. As pessoas têm usado todo tipo de coisa para registrar informação e transferir sinais: fogo, linhas, nuvens, flores, luzes, eletricidade, tinta, cêra, vinil, fitas, fios, tecidos - e a lista continua.


CTHEORY: Por que “exumar” as mídias mortas?


Bruce Sterling: Há milhares de pessoas que são pagas para inventar novos meios de comunicação e publicá-los. Mas não há ninguém cujo trabalho seja descrever os meios de comunicação que já não funcionam mais e que desapareceram de modo humilhante, trazendo prejuízos. Esse trabalho precisa ser feito. Se não, as pressões comerciais podem levar a um sério equívoco sobre a verdadeira natureza da tecnologia e seu comportamento.


Toda vez que uma máquina falha ou se torna obsoleta, alguém leva a facada – alguém perde dinheiro. Você também pode perder informação, e suas lembranças, ou o seu próprio trabalho criativo. Ninguém vai lhe dizer que o “95” do “Windows 95” é realmente uma data de vencimento. Ninguém lhe diz que, se você comprar um computador pessoal, significa que você vai ter que comprar outro, e outro, e mais outro, só para se manter atualizado quanto às tendências da informática. Ninguém lhe avisa que suas fotografias coloridas são muito menos estáveis do que as em preto-e-branco, e que as fotos coloridas do seu casamento vão se tornar esverdeadas em trinta anos. Ao invés disso, você vai estar explicando aos seus netos que foi vítima de um mal-entendido tecnológico.


CTHEORY: Hoje em dia, tudo é memória digital. As mídias extintas não são inevitavelmente substituídas por outras mais avançadas e viáveis?


Bruce Sterling: Bem, a morte chega para todos nós, mas não há garantias de que nossos filhos serão mais “avançados e viáveis” do que nós. Mesmo a brochura mais barata sobrevive a um computador pessoal contemporâneo, que será, basicamente, ferro-velho em seis anos. Um telefone modelo Henry Drefuss foi “viável” durante décadas, enquanto que um sistema moderno de PBX pode ser tão complicado, que a maioria de suas funções nunca são utilizadas.


CTHEORY: Nas pesquisas sobre o futuro digital, a convergência da TV e dos PCs é um tema-chave. A televisão continuará a existir de uma forma “digitalmente aprimorada”?


Bruce Sterling: Eu duvido muito que as TVs e os PCs vão se “fundir”. Há dúzias de tipos diferentes de “televisão”. Televisão aberta, via satélite, estatal, vídeos para alugar, circuitos de TV para sistemas de segurança, televisão para treinamento industrial, TV a cabo (em várias redes diferentes) TVs regionais, nacionais, em diferentes sistemas, PAL, NTSC, HDTV....Só porque nós chamamos uma tela de vidro de “televisão” e a outra tela de vidro de “computador”, não significa que nós vamos acabar com uma única tela que abrange tudo isso. É como imaginar que bicicletas, motocicletas, carros e tratores vão todos convergir porque todos utilizam a “tecnologia da roda”.


CTHEORY: A escrita e a impressão deveriam ser preparadas para uma última aparição pública às portas do cemitério de mídias mortas?


Bruce Sterling: A escrita não está em perigo, de maneira nenhuma. Não há sociedade, atualmente, onde analfabetos possam ter sucesso e alcançar o poder. Ao contrário, os alfabetizados não têm dificuldade em dominar os analfabetos, que, em sua maioria, percebem sua incapacidade de ler como um motivo de vergonha e tentam escondê-la com bastante esforço.


Hoje em dia, há textos em papel, e há textos na tela, mas não há maiores dificuldades em transferí-los do papel para a tela, e vice-versa. O papel não vai desaparecer, porque é uma mídia boa para armazenamento de informação; não requer baterias.


Pode ser que o mercado de publicação e distribuição de livros sofra uma reviravolta, mas, pelo menos na língua inglesa, este mercado já está em péssimas condições. A atividade editorial sempre foi uma linha de trabalho ridícula. Cadeias de lojas, mega-editoras, super best sellers; é tudo uma espécie de piada horrorosa. Mas isso já era assim, muito antes de os computadores aparecerem. Sempre foi ruim. E, provavelmente, sempre será. Com os computadores, o mercado editorial fica apenas mais complicado.


CTHEORY: Qual sera o provável resultado desta reviravolta?


Bruce Sterling: Eu não sei, porém mais cedo ou mais tarde a doutrina econômica vai refletir a realidade dos custos de publicação e distribuição. É difícil aprovar uma lei em âmbito mundial que afirme que a propriedade intelectual sempre vale muito dinheiro, muito embora seja baratíssimo reproduzí-la e fazê-la circular. Será difícil manter um cartel estável, a longo prazo.


CTHEORY: Por que você considera a Internet uma “mídia altamente instável”?


Bruce Sterling: De fato, eu não espero que a Web dure muito tempo, pelo menos do modo como é hoje. É uma mídia muito jovem, e há muitos “aprimoramentos” óbvios que são possíveis. Partes dela já estão mortas. Há um grande número de websites abandonados, que foram parcialmente construídos e depois foram deixados apodrecendo no ciberespaço. E, você tentou usar “Gopher” ou “WAIS” ultimamente? Além disso, suponha que o navegador da Microsoft se torne o padrão da Internet. Nós estaremos vivendo à mercê de Bill Gates. O que escolheremos fazer com isso, então? Quem sabe? Provavelmente não será muito parecido com a Internet que conhecemos, hoje.


CTHEORY: Há muitas outras mídias à beira da extinção?


Bruce Sterling: Bem, há um número grande daquilo que chamamos de “mídia fóssil”, que são os restos deixados na paisagem da mídia. Coisas tais como panoramas, câmeras obscuras, lanternas-mágicas, que ainda têm uma pequena parcela de público ou ainda são privilegiadas por uma meia-dúzia de devotados, por hobby. As Forças Armadas francesas e a polícia Indiana ainda têm um serviço de pombos-correio em funcionamento. Em Praga, ainda existe um sistema de correio pressurizado que atende a toda a cidade. Essas mídias são relíquias raras e estão sob o risco de extinção, apenas sobrevivendo precariamente.


CTHEORY: O Projeto Mídia Morta tem atraído o interesse compulsivo dos “coletores”?


Bruce Sterling: Existe uma outra lista chamada “Lista dos Coletores de Mídias Mortas”, gerenciada de maneira independente por Seth Carmichael (scarmike@well.com). É dirigida especialmente a pessoas que gostam de máquinas obsoletas. Há grandes grupos de colecionadores de: telégrafos, vitrolas, lanternas-mágicas, máquinas de escrever e câmeras antigas.


CTHEORY: E quanto a futuros desdobramentos?


Bruce Sterling: Na verdade, o Projeto Mídia Morta já existe em três partes. Além das duas Listas de discussão já mencionadas, o terceiro elemento é nossa iniciativa “Sons Mortos”, que tem se desenvolvido de maneira silenciosa e clandestina nas mãos habilidosas de Stefan Jones, (SeJ@aol.com), um Necronauta de longa data. “Sons Mortos” é uma fita cassete de áudio, que apresenta sons aparentemente interessantes de antigas juke boxes, video games extintos, equipamento de escritório que já não existem mais, e quaisquer outros sons que nós possamos vasculhar e que possam parecer relevantes.


Quando for finalizada, esta fita cassete será distruibuída gratuitamente para todo e qualquer Necronauta. (Você é um Necronauta se já contribuiu alguma vez com uma algum trabalho para esta Lista). Com um pouco mais de esforço, nós vamos poder distribuir esta fita para todos os que apoiam a Lista, como uma forma de recompensá-los por seus nobres eforços.


CTHEORY: Há algum livro à vista?


Bruce Sterling: Produzir um livro sempre foi o objetivo final do Projeto Mídia Morta. A matéria-prima, pelo menos teoricamente, deve ser acessível para todos. A idéia do Projeto também é “gratuita”. Mas, você sabe, só porque você tem a matéria-prima e a idéia, não significa que você vá escrever um bom livro. A composição de um livro não é assim tão fácil. É como se alguém lhe desse todos os instrumentos de uma orquestra em um grande amontoado e dissesse: “Aqui está, componha uma sinfonia! É grátis!”.


Depois, vem o problema de vender o livro para um editor. Meu agente acha que eu posso fazê-lo. Eu acho que até gostaria, mas há duas formas principais de tratar deste assunto. A primeira seria uma enciclopédia sobre mídias que estão extintas, um Manual de Mídias Mortas. A segunda seria um trabalho teórico que descrevesse o que a existência e a extinção de uma mídia significa, e por que os meios de comunicação funcionam da maneira que cada um funciona. Em outras palavras, os dois pilares básicos da ciência: trabalho de campo e investigação experimental; teoria e a formulação de uma lei natural. Qualquer um pode fazer o trabalho de campo (embora um trabalho desses, bem-feito, não seja simples). Infelizmente, não existem muitos Charles Darwins no mundo. Eu não creio que possa escrever este livro apropriadamente, a menos que eu alcance uma espécie de insight poderoso e original sobre a natureza da mídia. Eu ainda não tenho tal insight.


CTHEORY: Você é um escritor de ficção-científica, um jornalista e um escritor de não-ficção. Como você definiria o principal interesse de seu trabalho, atualmente?


Bruce Sterling: Eu acho que o aspecto mais importante é que eu sou um artista cujo enredo é o impacto da tecnologia na sociedade. Deste modo, eu sou um romancista, mas também um jornalista, e um futurista, mas também um antiquário. Eu realmente quero compreender como a tecnologia funciona, em um nível mais profundo; eu não quero apenas saber como ela funciona em seu aspecto técnico, mas o que ela significa, e no que ela implica, que são, basicamente, questões literárias. Eu descobri que faço bem, se eu apenas buscar esta compreensão fundamental e não me importar muito se isso for chamado de “estudos de design”, ou “tecnohistória”, ou “profecia corporativa”, ou “jornalismo computacional”, ou “ficção-científica”. Estas são distinções taxonômicas, elas não têm muito a ver com minha questão central, como artista. Qualquer campo de estudo que me traga insights novos e interessantes é bem-vindo. Eu exerço a maior parte do meu trabalho fazendo pesquisa.


Os sites do Projeto Mídia Morta podem ser vistos nos endereços:


http://www.well.com/user/jonl/deadmedia/

http://www.wps.com/

http://griffin.multimedia.edu/~deadmedia/


Tradução de Graciela Selaimen.

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