Autor original: Flavia Mattar
Seção original: Notícias exclusivas para a Rets
O Dia Nacional da Consciência Negra, comemorado no dia 20 de novembro, é uma data para a reflexão sobre o acesso à educação, emprego, moradia, saúde, lazer e segurança da população afro-descendente. Mas, a consciência negra é algo que tem que começar desde a juventude. Por isso, o deputado estadual do PT/BA, Paulo da Anunciação, enviou correspondência para as direções das unidades escolares estaduais da Bahia, para que não deixem esta data passar sem a devida comemoração. Mais informações a seguir, em entrevista exclusiva com o deputado, que também é coordenador da Secretária Municipal do PT de Combate ao Racismo.
Rets - Recentemente, o senhor enviou uma correspondência para as direções das escolas estaduais da Bahia solicitando o cumprimento da Lei nº 6857 , que regulamenta as comemorações do Dia Nacional da Consciência Negra. Na sua opinião, qual a importância destas comemorações?
Paulo da Anunciação - As comemorações do dia 20 de novembro nas escolas permitem que a juventude estudantil conheça sua verdadeira história, reconheça seus verdadeiros heróis e possa construir uma nova sociedade sem racismo e mais tolerante, para que o Brasil deixe de ser um país de índios, construído pelos negros e usufruído pela maioria branca.
Rets - O dia 20 de novembro é uma data comemorada em âmbito nacional. O senhor percebe a mesma mobilização que está havendo na Bahia em outros estados brasileiros?
Paulo da Anunciação - Em minha opinião o 20 de Novembro é comemorado, sim, em todo o Brasil. Em alguns lugares de maneira mais organizada e com maior participação, como no Centro-Sul do Brasil. O fundamental, porém, é que esta data serve como um marco para que os afro-brasileiros lutem contra a pecha de povo ignorante, passivo e de condutores de cultura de valor menor. A suposta passividade do negro diante do cativeiro, junto à injusta imagem de povo de pouco valor para o trabalho, atribuída aos indígenas do país, têm sido componentes nocivos à construção da índole nacional. É contra esta farsa que lutamos no passado e, ainda hoje, continuamos na mesma batalha.
Rets - A comemoração do Dia da Nacional da Consciência Negra é uma conquista recente para a população afro-descendente. O que mudou? O Brasil está se tornando um país menos preconceituoso?
Paulo da Anunciação - O Brasil infelizmente continua sendo um país preconceituoso e só não o é mais em razão de nossa luta. Um exemplo evidente de racismo é o de que, em Salvador, a taxa de desemprego entre os negros é 45% maior do que entre os não-negros e a taxa de desemprego é maior entre os chefes de família negros, sendo 74,2% superior à dos brancos. Vamos a outro fato: profissionais de nível superior afro-descendentes recebem somente 70% do que recebem profissionais brancos nas mesmas funções. Os brancos representam 29,2% e os negros, apenas 8,9% na direção e planejamento das empresas da Região Metropolitana de Salvador. Nos postos de execução não-qualificados, a relação é invertida: 16,8% são negros e 5,8%, brancos. A maior parte das mulheres negras, por exemplo, trabalha em empregos domésticos. Só para se ter uma idéia, a relação é de uma mulher branca para cada grupo de quatro negras domésticas.
Rets - Os jovens afro-descendentes têm seus heróis negros? Como se reconstitui o orgulho de uma raça vitimizada pelo preconceito e pela discriminação durante 400 anos? Que iniciativas sociais e educativas o senhor aponta como contribuidoras neste sentido?
Paulo da Anunciação - Os jovens afro-descendentes, em razão da educação formal que recebem nas escolas, e no embate ideológico passado através dos meios de comunicação, principalmente a televisão, não criaram referências negras positivas. Desde criança só se passa a imagem que "branco é bom, negro é ruim". As bonecas à venda nas grandes lojas são loiras. Dificilmente se encontra bonecas negras. Como criar uma auto-estima positiva diante deste quadro? O início da superação deste fato passa fundamentalmente por uma política educacional do Estado voltada para a valorização da cultura negra.
Rets - O caminho para a igualdade plena e para o fim da discriminação racial ainda é longo e cheio de desafios. Na sua opinião, quais são os próximos passos prioritários?
Paulo da Anunciação - Volto a repetir que a superação do racismo passa pela Educação e ação política afirmativa do Estado. O fundamental, porém, é a organização independente da comunidade afro-descendente.
Rets - Qual é o papel do governo, das empresas e da sociedade civil nesta trajetória?
Paulo da Anunciação - O papel do governo é o principal, pois somente com políticas públicas e sociais poderemos superar os dados que demonstram a existência de racismo. Há quarenta anos, a esperança de vida dos brancos era de 47,5 anos, ao passo que a esperança da população afro-descendente não ultrapassava os 40 anos. Hoje, os brancos vivem cerca de 70 anos e a expectativa de vida dos afro-descendentes não passa de 64 anos. Nesse passo de cágado, a desigualdade entre brancos e negros demoraria 160 anos para ser superada. O grau de desigualdade educacional entre afro-descendentes e brancos é tal, que no ano de 1997 os índices educacionais referentes aos brancos eram um pouco inferiores aos do Chile e os do afro-descendentes ficavam próximos aos da Swazilândia. Cabe às empresas deixar de lado o critério racial e contribuir com ações sociais para que o racismo seja superado.
Rets - Como o senhor imagina que será a participação da população negra na construção social, econômica, cultural e política do Brasil daqui a 10 anos?
Paulo da Anunciação - O futuro será aquele que em conjunto vamos construir. O Brasil é um país construído pelos negros. Nossa participação é total. As bases culturais de nossa sociedade têm no componente negro sua marca fundamental e isto precisa, desde já e no futuro, ser valorizado, para construirmos um novo país onde todos tenham vez e voz. Quando Deus criou o ser humano disse: "Aqui está o Homem". Ele não disse aqui está o branco ou aqui está o negro. Creio e luto para que construamos uma sociedade sem discriminações de quaisquer espécies. Enfim, que possamos viver em uma sociedade solidária e igualitária.
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