Você está aqui

Os conteúdos no contexto da Sociedade da Informação no Brasil: considerações sobre o Livro Verde brasileiro

Autor original: Graciela Baroni Selaimen

Seção original:

 Alexander Patêz Galvão*


 


1 - Introdução


O termo “conteúdos”, com freqüência e alguma generalização, tem sido utilizado em inúmeras publicações para a apreensão dos processos e transformações trazidas pela internet e suas tecnologias correlatas. De órgãos governamentais e supra-nacionais à empresas de consultorias de reconhecida competência, o termo tornou-se também presente nos periódicos de circulação mais generalizada, para as quais o “conteúdo” vem adquirindo status de “rei” – devido à importância que assume nas redes multimídia interativas em construção.


Mas o que são conteúdos? Que setores ou indústrias da atividade econômica os produzem? Em que são diferentes de produtos culturais? Quais as relações entre os conteúdos e a identidade cultural?


O texto que segue traz algumas contribuições no sentido de melhor clarificar a questão dos “conteúdos”, mostrando como esse termo vem sendo entendido nos trabalhos sobre a Sociedade da Informação no Brasil em outros países. Em especial, procura estabelecer as relações existentes entre os conteúdos e a indústria da cultura. Nesse contexto, a questão da identidade cultural é também abordada necessitando, no entanto, de maiores desenvolvimentos.


 2 - Os Conteúdos no Livro Verde da Sociedade da Informação no Brasil: uma primeira aproximação


 O quinto capítulo do Livro Verde da Sociedade da Informação no Brasil, intitulado “Conteúdos e Identidade Cultural”, patrocinado pelo Ministério da Ciência e Tecnologia, define “conteúdos” da seguinte forma:  “Os produtos e serviços de informação – dados, textos, imagens, sons, software etc. – são identificados na rede com o nome genérico de conteúdos. Conteúdo é tudo o que é operado na rede.”


Essa definição apresenta-se por demais genérica. Sob a insígnia de “produtos e serviços” estão, por exemplo, os softwares, que  não têm sido vistos como “conteúdos” em outras instâncias (como poderá ser constatado posteriormente ao longo desse texto). Além disso, ao alargar demais a abrangência do que seriam “conteúdos”, acaba por não conseguir estabelecer minimamente uma conceituação e delimitação para o termo – no Livro Verde, os conteúdos são apresentados genericamente como  “o meio e o fim da gestão da informação, do conhecimento e do aprendizado na sociedade da informação.


O fato de não delimitar minimamente o objeto em questão (os conteúdos) traz conseqüências que são sentidas ao longo do capítulo 5 do Livro Verde. A questão fica em aberto e, em privilégio de um ponto de vista demasiado acadêmico, acaba, paradoxalmente, por tomar um rumo bastante limitador. Ao limitar o entendimento dos conteúdos – em essência, informação – aos meandros e interfaces existentes entre a “tríade” informação-aprendizado-conhecimento o documento trata apenas de uma das facetas pelas quais os conteúdos podem ser entendidos.


Ainda que não esteja explícito, é possível verificar, a partir da leitura do capítulo, que os autores do texto entendem os “conteúdos” enquanto insumos produtivos ou cognitivos. Dão aos “conteúdos” o mesmo sentido de “informação” e fazem isso a partir de uma visão específica de “informação”. Por essa ótica de análise, compartilhada, de modo geral, pelas ciências humanas e sociais, a informação é vista uma matéria-prima (de natureza cognitiva ou produtiva) capaz de ligar a informação propriamente dita, através dos meios de aprendizado, à construção do conhecimento (necessário à vida e à produção).


De fato, os conteúdos, enquanto informação, prestam-se à fluidificação da produção e à construção do saber. Assim, nada haveria de errado com essa visão não fosse ela tão limitadora, em especial em suas articulações com a cultura e com a identidade cultural, outros objetos de estudo do capítulo. No capítulo 5 do Livro Verde brasileiro a análise que se faz dos “conteúdos” tem como conseqüência propostas de ação que contemplam predominantemente o ideal de aparelhar devidamente 


a sociedade e a economia para que possam fazer o melhor uso possível desses insumos. Assim, o diagnóstico apresentado da sociedade da informação “desejável” desdobra-se sobretudo na necessidade de disponibilizar a todos o acesso universal aos conteúdos. No documento, as propostas de ação listadas referem-se, de modo geral, ao incentivo a variados serviços de informação (em especial do tipo científico e tecnológico), assim como a disponibilização destes para a sociedade.


Todos os diagnósticos e deliberações dispostas no capítulo 5 do Livro Verde são pertinentes e meritórias, mas apenas tangenciam o potencial que os “conteúdos” podem representar para a sociedade e para a economia do país. Ignora o potencial dos conteúdos enquanto produtos (produtos da informação) e não contempla em sua devida dimensão, a possibilidade de fazer da sociedade brasileira uma sociedade produtora de conteúdos.


No capítulo 5, a definição de “conteúdos” é vaga e os desdobramentos seguintes, presentes no texto, não fazem qualquer ligação entre “conteúdos” e a indústria da cultura. Uma abordagem sobre a identidade cultural – assunto que também dá nome ao capítulo – não pode prescindir de procurar as pontes que ligam a os “conteúdos” à indústria da cultura.


 3 - Os conteúdos além do Livro Verde brasileiro


 Antes de constituírem-se em insumos produtivos ou cognitivos, os conteúdos tem sido entendidos, acima de tudo, como produtos (1); produtos que são transacionados nos mercados, absorvem parte crescente da mão-de-obra mundial e passam a constituir valor substancial no total da produção econômica planetária. É esse entendimento da informação (conteúdos) enquanto produto que deu as coordenadas para os primeiros trabalhos teóricos que trouxeram a tona os termos “Sociedade da  Informação” e “Economia da Informação”, desde a década de 1970 até nossos dias, desde Daniel Bell e Marc Porat até Manuel Castells e outros.(2)


Aqui, é importante ressaltar que a acepção que o termo “conteúdos” vem adquirindo no âmbito do desenvolvimento de uma economia e de uma sociedade da informação está desprovida de referências à semântica que possa lhe ser inerente – no contexto das primeiras construções teóricas sobre a Sociedade e a Economia da Informação, o teor semântico dos produtos e serviços de informação não constitui a questão em foco. As referências à semântica – apesar de pertinentes e suscitarem preocupações acerca da intenção semântica da transferência, sobre os significados e usos da informação para o receptor, etc. – apresentam-se com maior predominância em se tratando das teorizações acerca da construção de uma sociedade ou economia do conhecimento ou do aprendizado.(3)


Dada a vaga conceituação do termo “conteúdos” no Livro Verde brasileiro, é importante saber como os “conteúdos” têm sido entendidos em outros países do mundo.


Sobre os “conteúdos”, outra definição proveniente de trabalho feito por encomenda para o governo português em 1997 abarca o termo de forma bastante diversa. O “Livro Verde para a Sociedade da Informação” de Portugal reflete, em larga medida, a visão européia(4) sobre a sociedade e a economia da informação em processo de consolidação e define da seguinte maneira os conteúdos:


“No contexto emergente da sociedade da informação, o termo 'conteúdo' parece englobar todo e qualquer segmento de informação propriamente dito, isto é, tudo aquilo que fica quando excluímos os sistemas de hardware e software que permitem a sua consulta e exploração.”


A definição do Livro Verde português se dá pela exclusão do que não poderia ser entendido enquanto “conteúdos”. Subtrai-se, do contexto das redes digitais interativas, as infraestruturas, os softwares e os equipamentos terminais e obtêm-se, assim, os “conteúdos”. Fica claro que o que permanece é a informação propriamente dita, (sob variadas formas:  áudio, texto, vídeo, multimídia). “A aquisição, armazenamento, processamento, valorização, transmissão, distribuição e disseminação de  informação conducente à criação de conhecimento e à satisfação das necessidades dos cidadãos e das empresas”  vem a desempenhar “um papel central na actividade económica, na criação de riqueza, na definição da qualidade de vida dos cidadãos e das suas práticas culturais”.  (grifos meus)


Fugindo a certa visão que confina a informação à função de insumo cognitivo, o documento dos portugueses reconhece que a informação - e, portanto, “os conteúdos” - está em referência explícita não somente à criação do conhecimento ou a geração do aprendizado, mas também em relação à satisfação das mais variadas necessidades dos cidadãos e das empresas.  A definição empregada consegue aliar sociedade, economia (isto é, geração de empregos e rendas para os cidadãos), cultura e tecnologia (digital) em torno de uma nova ordem socioeconômica e cultural.


A semelhança encontrada nos documentos do Brasil e de Portugal, no que tange ao entendimento que se faz sobre os “conteúdos”, reside no fato de reconhecerem que os conteúdos são, em essência, informação – produtos ou serviços de informação. Contudo, os trabalhos não se estendem com maior afinco sobre a questão dos conteúdos. Não delimitam ou classificam exatamente o que seriam e o que não seriam “conteúdos”.


Além disso, os documentos brasileiro e português deixam dúvidas se os conteúdos são exclusivamente de natureza digital ou se existiriam apenas no ambiente da internet. Mesmo que esta seja uma questão que tenda a ter importância cada vez menor – dado que todo produto ou serviço de informação tende a assumir a forma digital em alguma fase do seu processo de produção ou distribuição (passível de distribuição pelas redes eletrônicas) – ainda permanece pertinente.  Derivam de definição dessa ordem desdobramentos nas políticas de apoio a setores importantes como a indústria audiovisual, o editorial e o fonográfico, que ainda não aderiram em todas as fases dos respectivos processos de produção(5) à tecnologia digital e que ainda não encontram na internet canais de escoamentos seguros aos seus produtos. Políticas de apoio a esses setores são traçadas no Livro Verde português (e também de outros países), mas não são abarcadas pelo documento brasileiro.


 












(1) A questão aqui é, antes de tudo, de ótica pela qual se desdobram as análises sobre os produtos da informação. Esses produtos, os conteúdos, podem ter a nobre missão de produzir conhecimento no indivíduo e no seu mundo, mas nada garante que seja sempre assim. Como muitas outras mercadorias que podem ter usos variados e nem sempre desejáveis, há que se considerar que são conteúdos, por exemplo, as informações de cunho fascista e o material de pedofilia que pode ser encontrado na internet e, nesse caso, não se pode afirmar de modo algum que a informação, (ou os conteúdos) tenha a nobre missão de induzir o aprendizado e promover o conhecimento.



(2) Sobre as origens do termo “Economia da Informação”, vide Malin (1994) e sobre “Sociedade da Informação” vide Kumar (1997) e Castells (1999).



(3) Sobre Economia do Conhecimento e do Aprendizado, vide Foray e Lundvall (1996) e sobre capitalismo cognitivo, vide Paulré (2000).



(4) É importante lembrar que desde a entrada de Portugal na Comunidade Européia, o país vem seguindo as recomendações e diretrizes apontadas no âmbito da Comunidade.


(5) Produção, acondicionamento e distribuição, das quais derivam outros processos produtivos tais como o armazenamento e o processamento característicos dos produtos de informação.




*Alexander Patêz Galvão é mestre em Economia pelo IE-UFRJ, pesquisador associado ao Laboratório Território e Comunicação (LABTeC/CFCH/UFRJ) e doutorando em Ciência da Informação pelo convênio IBICT-ECO/UFRJ.

Theme by Danetsoft and Danang Probo Sayekti inspired by Maksimer