Autor original: Flavia Mattar
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Associações nacionais de ongs da América Latina acabam de elaborar uma agenda comum para o fortalecimento das organizações não governamentais do Hemisfério Sul. A iniciativa ocorreu durante a reunião do International Forum on Capacity Building (IFCB), evento promovido pela Associação Brasileira das Organizações Não Governamentais (Abong), entre os dias 19 e 22 de novembro, no Rio de Janeiro. Além das associações, participaram do debate agências bilaterais e multilaterais. A Rets esteve presente ao encontro e conseguiu uma entrevista exclusiva com o diretor da Abong e coordenador do IFCB, Silvio Caccia Bava.
Rets - O que é o International Forum on Capacity Building?
Silvio Caccia Bava - Trata-se de um fórum criado em 1998, em Bruxelas. Ele surgiu por iniciativa de ongs que, além da sua criação, estimularam que a União Européia promovesse, neste mesmo ano, uma conferência que contou com a participação de 170 organizações do mundo inteiro e com a presença de instituições como o Banco Mundial, o Programa Nacional das Nações Unidas (Pnud), o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e fundações privadas, entre outros.
O maior objetivo deste fórum é fortalecer a capacidade institucional das ongs do hemisfério sul. A conferência realizada em Bruxelas acabou elegendo uma espécie de conselho diretor para o fórum, que contou com representantes de instituições multilaterais, bilaterais, agências de cooperação e com uma representação das ongs da América Latina. O primeiro esforço do fórum foi reconhecer quais são as necessidades de fortalecimento institucional das ongs. As primeiras reuniões desse conselho tentaram criar critérios pelos quais se poderia aferir a necessidade de fortalecimento institucional.
Rets - E o que deve ser feito para conseguir o fortalecimento institucional?
Silvio Caccia Bava - A primeira constatação foi a de que a necessidade de fortalecimento institucional é distinta em cada região, uma vez que se refere a processos históricos. Refere-se, por exemplo, às mobilizações em defesa da cidadania que assumem diferentes configurações em cada um dos continentes. Uma decisão importante tomada foi a de que as ongs de cada continente deveriam construir a sua definição do que era fortalecimento institucional e, buscariam mapear, a partir de articulações, redes e alianças, quais seriam suas necessidades. Para isso começaram a ser promovidos diálogos nacionais e regionais no Peru, na Argentina, no Brasil, na América Central e no Caribe. Assim, foi produzida uma agenda com as necessidades de fortalecimento institucional das ongs em cada um desses territórios.
Rets - O fórum contou com a participação de que organizações?
Silvio Caccia Bava - Entre os convidados para esta reunião podemos citar as associações nacionais de ongs da América Latina. Pudemos contar com onze delas: Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais (Abong), Asociación Latino Americana de Organizaciones de Promoción (Alop), Asociación Nacional de Organizaciones no Gubernamentales (Anong), Consejo de Educación de Adultos de América Latina (Ceaal), Encuentro de Entidades no Gubernamentales de Desarrollo, Federación de Organismos No Gubernamentales de Nicaragua (Fong), Federación de Organizaciones Privadas de Desarrollo de Honduras (Foprideh), Propuesta Ciudadana, Sinergia, Unitas, Acción.
Rets - Poderia citar algumas conclusões a que os participantes do fórum chegaram?
Silvio Caccia Bava - Houve um progressivo processo de articulação e chegamos a uma síntese de demandas, que tem por base o seguinte critério: o fortalecimento institucional das ongs interessa como uma forma de estimular que essas instituições atuem como agentes de transformação social, que se integrem aos movimentos cidadãos da sociedade civil e reforcem, neste sentido, o processo de mudança social necessário na América Latina, tendo como principal foco a questão da redução da desigualdade e a inclusão social. Dessa forma, não se trata apenas da visão de uma gestão mais eficaz, embora isto também seja necessário. O fortalecimento institucional deve ser um meio para reforçar a capacidade das ongs cumprirem as suas missões, as suas estratégias, os seus objetivos.
Rets - E como pretendem estimular que as ongs cumpram estas missões, estratégias e objetivos?
Silvio Caccia Bava - Nós estamos nos calcando em quatro eixos fundamentais: desenvolvimento de uma maior capacidade de dar visibilidade ao trabalho das ongs e estabelecer uma melhor comunicação com a sociedade como um todo; geração de conhecimento; estabelecimento de parceria com outras instituições da sociedade civil através de redes e fóruns; desenvolvimento organizacional. Esses eixos serão apresentados na terça-feira, dia 28, em Bruxelas, onde se reunirá o conselho diretor do Fórum Internacional de Capacity Building.
Rets - Com relação ao eixo que se propõe a estabelecer uma melhor comunicação com a sociedade, uma pesquisa realizada recentemente pela Abong e pelo Ibope mostrou o desconhecimento da população como um todo em relação ao que são as ongs. O que o senhor acha disso?
Silvio Caccia Bava - Existe um estranhamento que não é ingênuo. A mídia está passando uma visão dominante no sentido de que as ongs devem cumprir papéis que o Estado não cumpre mais, fundamentalmente com relação à prestação de serviços. Nesse quadro, o papel das ongs seria o de complementar e, até mesmo, substituir o Estado. Dessa forma, as ongs seriam apenas executoras de políticas definidas a partir do governo. Esse não é o papel que estamos discutindo em nosso processo de construção da agenda. Eu acho que a relação das ongs com o Estado têm que ser redefinida agora. Eu não estou dizendo que nós não devamos trabalhar com o Estado, mas acho que as ongs devem ser atores que participam da concepção dos programas, do planejamento, monitoramento, ou seja, atores que se unem para realizar um projeto em defesa do interesse comum. Isso implica na abertura do Estado a mecanismos de participação que até agora não se efetivaram no plano federal, embora no plano municipal e estadual já venham se desenvolvendo bastante no Brasil. O orçamento participativo, por exemplo, é uma forma bastante interessante de redefinir a relação da sociedade civil com o Estado, por exemplo.
Rets - Poderia falar um pouco mais sobre cada um desses eixos?
Silvio Caccia Bava - O primeiro ponto é o entendimento que, como as ongs não representam ninguém, elas só se legitimam a partir de seu trabalho. Para que a sociedade dê suporte ao trabalho das ongs, esse trabalho precisa ser conhecido. Estamos tentando alargar a transparência, no sentido de fazer com que os trabalhos sociais realizados pelas ongs sejam conhecidos e que possam ser medidos seus resultados. Ao lado disso, vem a prestação de contas do dinheiro, mas a transparência não pode ficar restrita apenas a isso.
Já no segundo eixo, estamos reconhecendo, pelas mudanças rápidas que estão ocorrendo na atualidade e pela fragilização do mundo das ongs por falta de condições materiais, que é preciso fortalecer a nossa necessidade de gerar conhecimento. Precisamos identificar as oportunidades em que apodemos atuar para promover a transformação social no sentido da eqüidade. São interessantes as propostas de intervenção como o Estatuto da Criança e do Adolescente e o Estatuto do Consumidor, que abriram um campo de intervenção de defesa da cidadania, mesmo em um cenário adverso. O ideal é que consigamos, através do trabalho em rede e de um resgate de alianças com universidades, gerar e fortalecer essa nossa capacidade de produção de conhecimento.
O terceiro ponto talvez seja o de maior desafio político. É preciso reconhecer que as ongs sozinhas não mudam nada. São apenas uma parcela da sociedade civil, que é muito ampla, rica, complexa. Precisamos desenvolver uma maior capacidade de sair do nosso mundinho e buscar estabelecer trabalhos conjuntos com outras instituições da sociedade civil, nessa trama de redes e fóruns que estamos impulsionando. Estamos enxergando as questões das alianças como uma demanda, uma exigência do nosso trabalho, seja em nível local, regional, nacional ou global. Alianças que devem se dar em espaço público. Nós somos de interesse público e é nesse espaço que vamos reforçar o campo das nossas alianças.
Quando falamos em desenvolvimento organizacional de nossas instituições, aí sim é uma questão de melhorar a capacidade de gerir, captar recursos, desenvolver indicadores que possam prestar contas à sociedade sobre os resultados de nosso trabalho. Porém, é bom que se diga que esses instrumentos de gestão são uma preocupação para melhorar a nossa capacidade de realizar os três pontos anteriores.
Rets - O senhor poderia citar as principais decisões tomadas no encontro?
Silvio Caccia Bava - Fizemos contato com o Bid, o Fundo das Nações Unidas para a Infância e a Adolescência (Unicef), Banco Mundial, a União Européia, entre outros, e estamos propondo um programa de capacitação institucional que seja financiado por esses organismos internacionais e operacionalizado pela Abong. A idéia é alcançar não só as ongs associadas, como aquelas não associadas, e, até mesmo entidades de base da sociedade civil que queiram participar desse processo. Já está sendo feito um projeto para isso e este programa deve começar a operar a partir do ano que vem. Na verdade, a Abong está tentando, através das articulações, angariar recursos para viabilizar o seu projeto de capacitação de ongs.
Outra decisão importante é o fato de que decidimos criar uma mesa de articulação flexível entre associações nacionais de ongs da América Latina. É um passo muito importante para promover o diálogo com as agências multilaterais, por exemplo. Trata-se de uma busca por viabilizar os quatro eixos de fortalecimento institucional e de discutir políticas específicas. Por volta de maio do ano que vem, quando vai ocorrer a reunião global do Fórum Internacional de Capacity Building, em Washington, nós pretendemos realizar um encontro de todas as associações nacionais de ongs da América Latina. Nos propusemos, desde agora, a articular um diálogo com o BID, para que estudemos a possibilidade de serem criados fundos específicos de financiamento. Pretendemos contar, no encontro de maio, com o BID, com o presidente do Banco Mundial e com os representantes maiores das instituições que compõem o Conselho Internacional do Fórum, justamente para explorar possibilidades de que essas instituições venham a reforçar o trabalho que possa ser feito através das associações nacionais de ongs para o seu fortalecimento.
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