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Relações de gênero nos assentamentos rurais

Autor original: Flavia Mattar

Seção original: Notícias exclusivas para a Rets

Companheiras de luta ou "coordenadoras de panela"? Esse é o nome da publicação lançada pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância no Brasil (Unicef) sobre as relações de gênero nos assentamentos rurais. O principal objetivo da pesquisa, realizada pela consultora de entidades ligadas à Organização das Nações Unidas (ONU), Miriam Abramovay, é mostrar como ocorrem as relações socias entre homens, mulheres, idosos e jovens no que diz respeito a trabalho, educação, saúde, poder e reforma agrária.


Ao todo foram entrevistadas 3.600 pessoas e visitados, durante um ano, 102 assentamentos rurais no Paraná, Rio Grande do Sul, São Paulo, Ceará, Bahia e no Mato Grosso, sendo que em 22 assentamentos foi realizada uma pesquisa qualitativa. "Resolvemos fazer um recorte da área rural, privilegiando os assentamentos no estudo, uma vez que trata-se de um assunto em voga, atual. A pesquisa é importante para desmistificar o que acontece no dia a dia desses locais. Com os questionários aplicados e as entrevistas individuais realizadas, conseguimos perceber a diferença de concepções entre homens e mulheres e como isso implica em diferentes relações de poder", avalia Miriam.


Doenças sexualmente transmissíveis (DST), aids, aborto, virgindade e reprodução foram alguns dos temas abordados na questão de saúde. "Os entrevistados sabem o que é aids, mas existem ainda alguns aspectos míticos como o fato da doença ser transmitida em assentos ou por meio de beijo. Percebi que nestas populações os indivíduos mostram muita preocupação com seus filhos com relação a problemas como o uso de camisinha, aids e DST, mas não demonstram o mesmo zelo consigo próprios. Na verdade, há a ingenuidade de que esses problemas não chegam até o campo. Além disso, as mulheres se sentem pouco à vontade para discutir sobre esses temas, ou para pedir que seus maridos usem preservativo", conta a pesquisadora. Segundo ela, na verdade, não se sentem à vontade em nenhum espaço da sociedade brasileira: "é muito difícil pedir, é muito difícil peitar, mas é preciso lembrar que os homens têm uma vida fora dos assentamentos, muito mais que as mulheres".


Com relação à educação, as mulheres apresentaram um nível maior de escolaridade do que os homens. "Apesar disso, ainda não conseguiram superar os problemas de gênero, o que prova que não é a educação que determina isso. As mulheres continuam não tendo direito a voto nas assembleias e nas reuniões", diz. Miriam acredita que uma das razões para essa situação é o fato de as mulheres não serem consideradas produtivas. Em geral, se um menino e uma menina estão estudando, e alguém tiver que ir para a lavoura, quem vai é o rapaz. "Acredito que o futuro está nas mãos das meninas, que estão se dedicando aos estudos e futuramente chegarão mais longe".


O estudo constatou também que apenas 12,6 % das mulheres possuem cadastro, que é o documento recebido quando se vai trabalhar na terra. "Isso é sério, porque a mulher que não tem cadastro não tem acesso ao crédito, não pode dar palpite sobre o que deve ou não ser plantado e colhido - que é a questão mais importante dos assentamentos. Sem o cadastro, a remuneração pelo trabalho da mulher não é considerada salário, é ajuda. Além disso, se a mulher que não tem o cadastro se separa do marido, ela tem que reiniciar todo o processo para conseguir ter acesso à terra ou ir para as ruas com seus filhos.", explica. Segundo Miriam, o número reduzido de cadastros entre as mulheres se deve ao fato delas serem consideradas dependentes de seus maridos, não tendo o papel de chefes de família.


"É verdade que a situação das mulheres têm melhorado de uns 10 anos para cá. É perceptível a grande mudança que está ocorrendo. Mas a área rural é mais complicada. Por exemplo, na área urbana, a mulher tem que sair de casa para ir trabalhar. Já na área rural tudo fica misturado. Ela cozinha em casa e passa rapidamente na lavoura, depois volta para casa para olhar o filho. Dessa forma, a sua atuação fica menos valorizada", acredita Miriam.


O livro de Miriam Abramovay pode ser encontrado em todas as livrarias pelo preço de R$ 25. Pode também ser solicitado por correio eletrônico.

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