Autor original: Flavia Mattar
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Em 1º de dezembro de 2000, Dia Mundial de Luta contra a Aids, mais de 44 milhões de homens, mulheres e crianças estão vivendo com HIV no planeta. Apenas no Brasil, a epidemia já atingiu 194 mil pessoas. A data foi lembrada de muitas formas, nos diversos estados brasileiros: alguns grupos estimularam a prevenção, outros realizaram protestos e promoveram palestras e seminários. O Grupo pela Vidda por exemplo, optou por chamar a atenção da sociedade para o fato do Ministério da Fazenda não ter liberado a verba suplementar de R$ 2.067 bilhões, aprovada pelo Congresso Nacional em outubro de 2000, para garantir uma nova compra de medicamentos para tratamento da Aids, essenciais para 90 mil pacientes em tratamento no país. A Rets entrou em contato com a organização para publicar um balanço de iniciativas no combate à Aids, bem como levantar como tem sido a atuação das organizações do terceiro setor com relação a esta realidade. A seguir, entrevista com Alexandre Valle, coordenador de Projetos do Grupo Pela Vidda/ RJ.
Rets – Qual a importância de uma data como essa para todos os indivíduos e organizações que lutam para prevenir a doença e para melhorar a qualidade de vida das pessoas com HIV?
Alexandre do Valle - A data é um marco, uma razão para lembrarmos à sociedade os muitos desafios que a epidemia de Aids nos impõe. O fato de termos um dia específico nos garante uma visibilidade adicional, proporcionando às organizações não governamentais e aos órgãos de governo uma oportunidade para levantar as questões mais atuais em torno do tema. É evidente que nosso trabalho é cotidiano e contínuo, mas toda e qualquer oportunidade de interlocução com a opinião pública deve ser aproveitada e o 1º de dezembro nos ajuda a lembrar à sociedade que a Aids, direta ou indiretamente, toca a vida de todos nós.
Rets - Qual a melhor forma dos indivíduos e instituições aproveitarem a data para promover uma maior conscientização sobre o assunto?
Alexandre do Valle - No Grupo Pela Vidda encaramos esta data a partir de um enfoque político. A epidemia de Aids é um desafio de grandes proporções para a saúde pública. Há ainda um longo caminho a ser percorrido para que possamos viver em um mundo sem Aids, portanto, em geral deixamos os festejos de lado. Em função da visibilidade, aproveitamos a data para divulgar ações e projetos, marcar presença em diversos fóruns e, sobretudo, lembrar aos gestores públicos da natureza de sua responsabilidade diante da epidemia. Fazemos isso procurando inovar (e renovar) o formato das manifestações, de modo a garantir a repercussão necessária na imprensa.
Rets - O Grupo pela Vidda tem novidades para serem implementadas a partir desta data?
Alexandre do Valle - O Grupo Pela Vidda tem sempre alguma ação nova saindo do forno, mas nada especificamente relacionado à data. Acabamos de finalizar um documentário com adolescentes para estimular a discussão sobre o uso do preservativo. Também para este público estamos divulgando jingles musicais que usam o humor para falar de prevenção. Nas atividades de convivência que realizamos em nossa sede, as novidades recentes ficam por conta dos grupos de homens e de travestis que reúnem pessoas afetadas pela Aids. E muito mais ainda está por vir. Em janeiro, iniciaremos um projeto para adolescentes soropositivos e lançaremos novas publicações informativas.
Rets - Estamos chegando ao final do ano 2000. Fazendo um balanço do ano, como você avaliaria a atuação do governo e das organizações na luta contra Aids?
Alexandre do Valle - Apesar de no campo da Aids haver uma intensa interlocução entre os setores governamental e não governamental, a definição de uma agenda política para a Aids no Brasil é e sempre foi impulsionada pelo trabalho das ongs. Ainda há uma falta de consistência no compromisso dos setor governamental com a manutenção das políticas de assistência neste campo. Todos os anos - e este não foi diferente - sofremos a ameaça de corte de verbas fundamentais para a assistência às pessoas com Aids por parte da equipe econômica do governo. O jogo político entre os Ministérios da Saúde por um lado, e da Fazenda e do Planejamento por outro, prejudica e ameaça os grandes avanços alcançados nos últimos anos. Hoje, a prioridade está em assegurarmos a continuidade a e qualidade dos tratamentos oferecidos para a Aids. No campo da prevenção ainda temos que duelar com a pressão de instituições mais conservadoras, que geram campanhas que têm pouca relação com os hábitos da população. Não podemos deixar de reconhecer o que tem sido feito, especialmente em termos de assistência, mas ainda assim, e justamente por isso, o caminho à frente é muito longo e cheio de desafios.
Rets - Como anda, especificamente, a atuação do terceiro setor na luta contra a Aids?
Alexandre do Valle - Diversificada, decisiva e de grande impacto. A marca da história desta epidemia é o papel de liderança e inovação do terceiro setor. Não por acaso, a história da Aids em nosso país é paralela ao processo de redemocratização e de maior impulso das ações da sociedade civil organizada. Este impacto no campo da Aids ainda está mais acentuado em função da capacidade das ongs de realizarem o trabalho fundamental de sensibilização da população para o enfrentamento da epidemia, o que só é efetivo com intervenção direta e proximidade.
Rets - Você considera as campanhas publicitárias contra a Aids eficazes? Geralmente, os indivíduos são mais bombardeados por comerciais na época do carnaval. O que pensa sobre isso?
Alexandre do Valle - O Ministério da Saúde tem o mau hábito de reforçar suas mensagens preventivas em dois momentos do ano: 1º de dezembro e Carnaval. Além de deixar "descoberto" o resto do ano - e aí é importante lembrar que a prevenção da Aids só é eficaz se adotada como um hábito cotidiano - , essa política reforça o estereótipo de que a Aids tem uma relação direta com sexo casual, uma imagem muito associada ao carnaval, o que é um equívoco tremendo. Vale lembrar que qualquer campanha de massa funciona como um instrumento adicional no sentido de promover mudanças de comportamento, ou seja, embora tenham um impacto significativo, devem ser integradas com outras ações e iniciativas, pois têm um alcance limitado no campo da negociação íntima que cada indivíduo faz consigo mesmo quando decide se previnir contra o HIV.
Rets - A Secretaria de Estado de Saúde do Rio de Janeiro lançou o "Conselho Empresarial Para a Prevenção as DST/AIDS em Local de Trabalho". A intenção é aumentar as ações efetivas de combate à doença, por meio da informação passada no próprio local de trabalho. Apesar de grande parte da população já saber como evitar a Aids, novos casos continuam ocorrendo. O que você pensa sobre isso?
Alexandre do Valle – É importante tentar continuamente novos modelos e formatos de intervenção. Acho fundamental entender a complexidade da questão que remete a hábitos e atitudes enraizados na cultura. Concorrem também para a vulnerabilidade da população fatores sócio-econômicos e educacionais, portanto uma atividade de prevenção para ser eficaz tem que considerar a imensa gama de variáveis envolvidas, adequando as mensagens aos públicos que são alvo da campanha. Outro aspecto importante é manter as mensagens renovadas e atuais, afinal de contas a prevenção da Aids já está sendo feita há mais de quinze anos, mas neste período mudaram a epidemia e as atitudes em torno dela.
Rets - Você poderia fazer um breve histórico do Grupo pela Vidda?
Alexandre do Valle - O Grupo Pela Vidda foi fundado em 1989, por Herbert Daniel. Reúne pessoas vivendo com Aids, amigos e familiares, que se encontram para trocar experiências e desenvolver ações no sentido de conter a epidemia. Nossas ações são pautadas na solidariedade e na cidadania, considerando as necessidades básicas das pessoas vivendo com Aids e o seu grande potencial para contribuir com a melhoria dos serviços de assistência e das iniciativas de prevenção. Neste sentido, o Pela Vidda desenvolve um leque de atividades que incluem grupos de convivência, assistência domiciliar, ações educativas e de sensibilização, entre outras.
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