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Histórias para acordar

Autor original: Graciela Baroni Selaimen

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A vida difícil numa favela de Belo Horizonte e o internato na Febem não embotaram a fantasia de Roberto Carlos Ramos. Desde esta época, ele já contava histórias para os amigos - o que lhe valeu a fama de esperto. O encontro com uma pedagoga francesa alterou radicalmente sua trajetória: foi alfabetizado em Marselha, na França. De volta ao Brasil, Roberto Carlos continua a exercitar o seu talento de menino. Recentemente, lançou um CD-Rom com histórias infantis. Nesta entrevista exclusiva, o contador de histórias nos fala de seu passado, de sua realidade - e, como não poderia deixar de ser - da importância dos sonhos.


Rets - Gostaríamos que você nos contasse um pouco sobre a sua trajetória - da Febem para Marselha, e sua volta para o Brasil. O que motivou este retorno?


Roberto Carlos Ramos - Fui colocado na Febem aos seis anos, devido à pobreza em que vivia minha familia. Éramos dez filhos, mais pai e mãe morando num barracão de dois cômodos numa favela. Aos sete anos de idade, iniciaram-se as minhas fugas da Febem. Aos oito anos, tinha fugido 12 vezes, aos nove 48 vezes... Aos 13 anos, ainda sem saber ler e escrever e cometendo pequenos delitos, completei a incrível marca de 132 fugas. Foi na minha última entrada naquela instituição que conheci a francesa Marguerit Duvas. Ela estava em visita ao Brasil e quis conhecer a fantástica e prodigiosa Fundacão do Bem Estar do Menor. Fui apresentado como sendo um caso irrecuperável. Neste mesmo dia fugi novamente. Entretanto, a francesa me reencontrou na rua três dias depois e me convidou para uma entrevista na casa dela. Quando cheguei lá, ela me deu um quarto dentro de casa e disse que aquele quarto poderia ser meu por uma semana - período que durariam as gravacões da tal entrevista.


O que seria apenas uma semana se estendeu por sete anos de convivência. Quando eu tinha dezesseis anos e estava alfabetizado, com primeiro grau e tudo mais, ela levou-me para a França, onde cursei o segundo grau - em Marselha. Acabei voltando porque o período estipulado pelo Juiz de menores brasileiro para a minha viagem ao exterior foi exatamente de três anos, tempo em que cursei o meu segundo grau. Só voltei porque, caso contrário, a Marguerit seria indiciada por rapto.


Ao retornar, prestei vestibular para o curso de pedagogia, mas decidido a voltar para a França quando completasse 21 anos. Infelizmente, neste ínterim Marguerit faleceu, fazendo-me mudar de propósito e adiar o meu retorno para a França.


Rets - Você se formou em pedagogia. O que o levou a se tornar um contador de histórias?


Roberto Carlos Ramos - Na verdade, o ato de contar histórias, o fato de ser um contador de histórias foi anterior à idéia de me formar em pedagogia. Foi contando histórias para os meus colegas de rua que eu ganhei o titulo de Beto Pivete (que para muitos na rua significava o nome de um cara que era esperto). E foi contando histórias em Marselha que eu fiz um monte de amizades e apresentei para os meus amigos franceses a nossa mula-sem-cabeca, o nosso saci , a nossa Iara e o famoso curupira. Quando voltei à Febem, já na condição de estagiário de pedagogia, foram as histórias ou o fato de contá-las que me reaproximou dos meus velhos amigos de rua, que agora eram meus novos alunos.


Rets - Como surgiu a idéia de produzir um CD-Rom com histórias infantis? As histórias são criadas por vc?


Roberto Carlos Ramos - A idéia surgiu quando numa ocasião em que um colega me pediu uma historia pelo computador e eu lhe mandei dez. Em seguida, outras pessoas começaram a pedir histórias e eu, sempre muito apressado, não tinha tanto tempo para ficar digitando. Resolvi então experimentar a criação de um CD de áudio e foi um sucesso. Os meus novos fãs queriam também ver as imagens dos personagens ou mesmo a minha. Gravei então uma fita de vídeo, que acabou sendo transformada no CD-Rom.


Rets - A sua própria história é atípica: você teve a oportunidade de viver duas realidades bastante distintas. Que lição você traz de sua experiência e como utiliza isso ao lidar com a imaginação das crianças?


Roberto Carlos Ramos - Uma vez me disseram que para ser um bom contador de histórias, a pessoa teria que, antes de mais nada, ter uma boa história. Fiquei anos à procura de histórias interessantes... e nao é que um dia alguém me disse: puxa a tua história de vida é a coisa mais linda que eu já vi. Neste instante me deu uma luz. Eu pensei: Roberto, pare de chorar, porque o mundo é feito de dois tipos de pessoas - dos que choram e dos que vendem lenços!


Rets - No seu trabalho, as crianças carentes também são seu público-alvo? Qual o papel da fantasia no dia-a-dia destas crianças, no seu ponto-de-vista?


Roberto Carlos Ramos - A fantasia é o alimento da alma, sem ela morremos de fome com comida no prato. Trabalhar com a fantasia desse tipo de público é abrir possibilidades de vida, onde ser rei ou princesa é direito de cada um.


Rets - Como o seu trabalho e sua mensagem estão chegando às crianças que não têm acesso a um computador e ao CD-Rom?


Roberto Carlos Ramos - O CD Rom é uma das maneiras que tenho para contar histórias, mas ainda eu ainda conto pessoalmente em escolas, hospitais, pracas públicas, feiras de livro, casamentos ,batizados, cantorias, missas, novenas, reizados, e até em aniversários.


Rets - Você acredita que uma história bem contada pode ser tão significativa para uma criança que confronta condições difíceis, a ponto de auxiliá-la a mudar sua trajetória de vida?


Roberto Carlos Ramos - Sim, as histórias permitem a mudanca de papéis - o ouvinte vira personagem. Essa mudanca possibilita o contato com novas perspectivas, com novos sonhos e quem sabe com novas trajetórias. Tudo é uma questão de acreditar... e eu acredito!


Rets - Que história marcou sua infância? Por que?


Roberto Carlos Ramos - A história do Patinho Feio! Por que? Porque contada com todos os detalhes, ela é a minha história!

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