Autor original: Graciela Baroni Selaimen
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Além de ser uma época de mais solidariedade, o Natal também é um momento em que cresce o consumo. Nesta fase, o número de consumidores que se sentem lesados em seus direitos aumenta bastante. É aí que se escuta a famosa frase: "Vou me queixar com o Procon". O que muitos não sabem é que, além do Procon - que é uma instituição governamental - existe também uma organização do terceiro setor que se encarrega de orientar as pessoa sobre seus direitos, sobre o melhor lugar e a melhor maneira de recorrer para resolver problemas, com 40 % de sucesso na resolução dos casos. Em entrevista à Rets, Marilena Lazzarini, coordenadora executiva do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), fala sobre o trabalho que realiza e sobre a importância de educar as crianças desde cedo sobre os seus direitos.
Rets - A senhora poderia nos dar um breve histórico do Idec? (Quando foi criado, por quem, com que objetivos?)
Marilena Lazzarini - O Idec é uma associação de consumidores, independente, não governamental, sem fins lucrativos, apartidária e desvinculada de interesses de governos ou empresas privadas. Foi criado em 21 de julho de 1987 por pessoas de várias formações e áreas de atuação, vários deles oriundos de órgãos governamentais de proteção ao consumidor, com os objetivos de atingir o equilíbrio ético nas relações de consumo e a melhoria e implementação da legislação na área de consumo. A primeira ação judicial foi ajuizada em 88, contra o uso de um hormônio cancerígeno para gado. Em 89 o Idec começou a publicar o boletim CONSUMIDOR S.A., com testes de produtos e serviços, que virou uma revista em 95. Atualmente o Idec possui 30.000 associados, só pessoas físicas, que são a sua principal fonte de sustentação, complementada por projetos e convênios com fundações e instituições independentes de empresas e governos e venda de publicações.
Rets - O Idec atua em questões que envolvem o interesse coletivo. Para que uma entidade entre na justiça contra determinado abuso, é preciso que um grupo de pessoas se unam e peçam ajuda? É preciso que seja um tema de grande repercussão na sociedade?
Marilena Lazzarini - O Idec tem três formas fundamentais de atuação na sociedade: através da disponibilização de informação na revista, site (www.idec.org.br), imprensa, orientação e publicações; na participação em fóruns de assuntos de interesse ao consumidor e representação judicial e, por último, com a realização de campanhas de mobilização e conscientização. Em qualquer caso o Idec procura um equilíbrio entre temas que estejam em pauta afetando um grande número de consumidores e tentando antecipar-se a potenciais problemas.
Rets - A senhora poderia dar exemplos práticos de temas em que o Idec se propõe a atuar e qual é, especificamente, a sua forma de atuação?
Marilena Lazzarini - Temos casos de atuação basicamente judicial, como a correção das cadernetas de poupança nos planos econômicos de 89 e 90 e os consórcios de veículos. Nos planos de saúde o Idec discute a legislação ao mesmo tempo em que atua nos tribunais, mesmo tipo de atuação que temos com os serviços públicos. Há atuação bastante técnica em comissões que discutem resíduos de agrotóxicos em alimentos, segurança de alimentos e segurança de preservativos, entre outras.
Rets - Qual foi a principal causa que o Idec defendeu até o momento? Como foi a sua atuação?
Marilena Lazzarini - É difícil selecionar uma causa principal, já que boa parte delas afeta uma grande parcela da população das mais diversas formas, como poupança (economia), planos de saúde (saúde e economia), questões técnicas em produtos (saúde e segurança). Mas podemos dizer que a questão que mais tem envolvido a entidade ultimamente são os alimentos transgênicos, pois o tema possui dimensões amplas: econômicas, sociais, legais, ambientais e de saúde. É um caso que engloba todos os tipos de atuação do Idec, onde há ação judicial, representação política e técnica, pesquisas, testes e campanhas de divulgação e conscientização.
Rets - Por que a entidade não fornece orientação ou faz intermediações de questões particulares que envolvam isoladamente consumidores e empresas?
Marilena Lazzarini - O Idec acredita que a cidadania é o resultado de um exercício constante dos direitos e que os direitos como consumidor são uma das facetas em que a pessoa sente-se mais diretamente atingida e que pode atuar com mais embasamento. No Brasil houve por anos uma cultura de paternalismo que acabou desmobilizando a sociedade, prejudicando o debate e, conseqüentemente, a evolução da democracia. Por isso o Idec fornece o embasamento e as ferramentas necessárias a esse exercício de cidadania, com as quais o consumidor pode argumentar com as empresas e até recorrer aos órgãos governamentais que lidam com esse tipo de questão individual.
Rets - Qual seria a diferença entre os Procons e Juizados Especiais e uma instituição como o Idec?
Marilena Lazzarini - Primeiro, essas são instituições governamentais que lidam com questões de consumo e que tem poder legal de encaminhá-las e resolvê-las. Atuam normalmente em casos individuais e algumas vezes em casos coletivos, mas esse é um papel mais exercido pelo Ministério Público. O Idec procura então ter uma atuação complementar, fornecendo informações, educando e atuando em questões coletivas, representando o consumidor em fóruns técnicos e, inclusive, levando o consumidor a conhecer e utilizar melhor esses órgãos oficiais existentes.
Rets - No caso, para que sejam feitas intermediações ou sejam dadas orientações isoladas, é preciso ser um associado do Idec. Quais são as vantagens em ser um associado? Quanto custa essa associação?
Marilena Lazzarini - O Idec é uma associação de consumidores, sustentada pelos seus associados que pagam uma anuidade de R$ 65. Como benefícios eles recebem a revista Consumidor SA, com dicas, reportagens e testes de produtos e serviços, têm descontos nas publicações do Idec e podem utilizar-se do nosso serviço sobre o Código de Defesa do Consumidor, que orienta a pessoa sobre os seus direitos, onde e como recorrer para resolver seu problema, inclusive com cartas-modelo. 40% das pessoas que usam esse serviço têm o seu problema resolvido. Os não -associados que entram em contato com o Idec não recebem a orientação, mas são informados sobre qual órgão eles devem procurar, os contatos e o que podem exigir deles, pois cada tipo de problema tem um órgão ou agência específica e fica difícil para o consumidor saber qual é o adequado.
Rets - Qual é o principal motivo de queixa dos consumidores? Na sua opinião, por que esses abusos ocorrem?
Marilena Lazzarini - Os abusos vão de produtos inseguros até o desrespeito à legislação por empresas e prestadores de serviços. É uma gama muito grande para que possamos destacar um motivo, mas nas nossas últimas avaliações e nos dados do serviço de orientação, que recebe cerca de 4.000 ligações mensais, verificamos que o setor de serviços vem se destacando nas queixas e que, na maioria dos casos, os contratos que regem os serviços, como planos de saúde e seguros, apresentam irregularidades e abusos.
Rets - Que dica a senhora daria para o cidadão evitar problemas na hora de consumir determinado produto? A que é importante ficar atento?
Marilena Lazzarini - O consumidor deve procurar o consumo consciente, evitando o consumismo como fonte de prazer da forma que é veiculado pela publicidade. O consumidor deve praticar o exercício de se perguntar o que ele precisa e qual é o produto que satisfará essa necessidade, se é que ela realmente existe. Isso significa procurar informações objetivas sobre os produtos e as empresas que os fornecem, problemas que já ocorreram, como a empresa trata o consumidor, o meio-ambiente, etc. Outros cuidados, já batidos mas sempre úteis, são prazo de validade, composição do produto, orçamentos descritivos e por escrito dos prestadores de serviço, aliás a documentação é um fator fundamental para resolver possíveis problemas de consumo.
Rets - O Procon lançou um disk consumidor para crianças, assim como cartilhas. A senhora acredita que as crianças se rendem mais ao consumo que os adultos? Acredita que, estimulando um consumo consciente entre este público, é possível que se tornem adultos mais cientes de seus direitos de consumidores? O Idec tem algum projeto voltado para esse público?
Marilena Lazzarini - A educação para o consumo é fundamental e, quanto mais cedo ela existir, mais enraizada ficará no cidadão. Pesquisas já demonstraram que aos 12 anos, em média, a criança começa a exercer o seu senso crítico, por isso países escandinavos, como a Suécia, proíbem publicidade televisiva para crianças abaixo dessa idade e outros países tem severas restrições. Recentemente o Idec, em parceria com a editora FTD, iniciou a publicação de uma série de livros, com histórias escritas por autoras de literatura infantil para educar as crianças sobre seus direitos. Essas publicações foram feitas com uma grande editora exatamente porque achamos que, dessa forma, elas podem atingir um público maior.
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